Questões éticas são bastante explicitadas na Palavra de Deus. No entanto, nas questões estéticas e culturais, existe uma subjetividade que as ligam aos locais, às eras e às próprias pessoas em seus diferentes estágios etários (coisas que nos interessam e nos parecem belas na juventude podem ser bem diferentes, na meia idade e na avançada).
Esse condicionamento cultural de certas questões não é desconhecido pela Bíblia. Não creio que possamos falar em uma estética Bíblica nos mesmos termos em que podemos falar em uma ética bíblica. A última é, certamente, muito mais proposicional do que a anterior.
Certas orquestrações e ritmos utilizados nos Salmos eram condicionados a diferentes ocasiões e situações. A divisão não era entre o que era esteticamente aceitável e o que era "do mundo", mas entre o que era recomendável e prescrito a uma determinada situação, mas que não caberia na outra. Trazendo essa questão para a cena contemporânea, nem todo cântico e instrumentação cabível em um acampamento, por exemplo, deve,
necessariamente ser trazido ao local de culto ou ao culto solene, mas isso não significa que um seja do mundo e o outro "sagrado".
Essa é minha compreensão da questão. Cruzar essa linha, significa pontificar e impingir a outros nossos próprios gostos e compreensão estética e gerar um pouco de confusão. O que seria uma estética "de Deus", na pintura? Apenas a representação mais fiel possível da realidade? Naturezas mortas, ou vivas - congeladas? Certamente muitas pinturas são verdadeiras distorções e refletem uma visão niilista da vida, mas há lugar para a pintura abstrata? Para uma mera combinação de cores que agrada a vista? Mas que combinação é essa - ela pode agradar a um, em uma determinada situação de ânimo, mas agredir a outro, que está necessitado de ser aquietado.
Nossa visão religiosa tende a ser prescritiva em excesso, postulando o que é "de Deus" como um reflexo e projeção de nossa formação e gostos - essa é uma trilha perigosa, a qual os pentecostais já percorreram e se feriram nela. A visão reformada, creio, é muito mais ampla, especialmente pelo reconhecimento e acato da Graça Comum, que possibilita a realização de cultura e obras de mérito e qualidade - estética "de Deus" - até aos que
negam a ele.
Com relação à questão do ritmo, até mesmo o Robert Dabney, teólogo reformado da estirpe dos Hodges (contra os quais discordou por razões políticas, na guerra de secessão, mas que era alinhado teologicamente com eles), escrevendo sobre "A questão da dança", posicionando-se contra a dança entre sexos opostos, escreveu: "Ninguém pode afirmar que existe pecado, per se, meramente na movimentação rítmica dos membros humanos ao som da música" (Discussions: Evangelical and Theological, 2 Vols., Banner of Truth, p. 561).
Não estamos defendendo coreografia cúltica, apenas utilizando um exemplo, mas ousaríamos brandir como satânico aquilo que simplesmente foge dos nossos gostos pessoais? Muitas vezes fazemos exatamente isso.
Caro Solano,
ResponderExcluirMuito boa a sua reflexão sobre a visão estética correta. Gosto muito da forma como você aborda tais questões. Atrevo-me a fazer os seguintes comentários a respeito do assunto:
1) Ocorre-me que, embora Livro de Salmos consiste de uma grande coleção de cânticos, nos provendo com uma rica herança para adoração, reflexão e doutrina, contudo, as melodias originais dos salmos não fazem parte da revelação Deus na Escritura; nenhuma nota musical dos Salmos foi inspirada no sentido em que as palavras o foram. Este fato, a meu ver, joga a questão estética para um outro plano. Isto é: as palavras dos salmos possuem um valor distinto de suas melodias.
2) Ocorre-me também o que preceitua a Confissão de Fé de Westminster: “...há certas circunstâncias concernentes ao culto divino e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e da prudência cristã, segundo as regras gerais da Palavra, as quais sempre devem ser observadas” (I.vi)
3) Certamente que, por meio do bom senso e prudência cristã e à luz de princípios bíblicos, precisamos estabelecer o que é esteticamente recomendável ou aceitável no culto divino. Mas concordo contigo quanto ao fato de que precisamos, por outro lado, fazer distinção entre gosto pessoal e preceito divino. E precisamos também, à luz da graça comum, tomar cuidado para não considerar impuro tudo aquilo que não é aceitável na esfera do culto.
Deus seja louvado por seu ministério. O conservo amigo, Paulo Fontes.
Rev. Paulo Fontes:
ResponderExcluirObrigado pelos comentários.
Concordo plenamente com suas observações. A música é importante, mas ela é incidental e acidental, bem como contextual. Noto que as admoestações apostólicas (Paulo), quando se refere aos cânticos, diz "falando entre vós". Só isso bastaria para ressaltar o caráter central da COMUNICAÇÃO, tanto na adoração como na exortação, ensino ou pregação. Isso está em plena harmonia com a questão da centralização da Palavra, hoje tão em descrédito e desuso, ultrapassada pelas manifestações ritímicas ou primordialmente musicais.
Portanto, bom senso e prudência, como diz, à luz do cerne da comunicação devem nortear nossa praxis, nessas áreas.
Um abraço,
Solano
Solano;
ResponderExcluirMantenho meu questionamento em função do fato de que nem todos os Salmos eram usados no templo (ou no tabernáculo) da antiga Aliança. E, segundo historiadores, dos poucos que eram, nenhum acompanhava o sacrifício (cerne do culto). Eles eram usados antes e depois do sacrifício, e nas festas. Sem instrumentos e a festa caísse em um sábado.
É claro que estas afirmações derivadas de historiadores não possuem a autoridade do respaldo bíblico, mas o Paulo Fontes tem razão: o que o ES preservou canonicamente só a letra. Resta perguntar: então qualquer música serve?
Caro Fôlton:
ResponderExcluirNão vejo tanto como um questionamento, de sua parte, mas como uma reafirmação do que eu disse:
"Certas orquestrações e ritmos utilizados nos Salmos eram condicionados a diferentes ocasiões e situações. A divisão não era entre o que era esteticamente aceitável e o que era "do mundo", mas entre o que era recomendável e prescrito a uma determinada situação, mas que não caberia na outra".
Nesse sentido, como já falei em outra ocasião, a indicação parece ser a de que existiam melodias e ritmos próprios para cada situação, por exemplo: “cântico de romagem [marcha]” (Salmo 120); “salmo didático, para cítara” (Salmo 53); “para instrumento de corda” (Salmo 4); “para flautas” (Salmo 5), etc.
Quanto à questão das palavras, é a resposta que dei ao Paulo Fontes - sem dúvidas são inspiradas. Isso quer dizer que qualquer música serve? Certamente que não. Existe tanto a questão do carente e raro, mas tão necessário, bom senso, bem como a necessidade de qualidade intrínseca, expressa no Salmo 33.3, que nos orienta a cantar “com arte” (qualidade, propriedade, musicalidade, harmonia) e “com júbilo” (entusiasmo).
Meu ponto é que a classificação do que é "bom" ou "ruim" - na área estética, não vem por revelação das Escrituras, pelo que devemos exercitar caridade e tolerância nessas questões.
Um abraço e obrigado pelo comentário,
Solano