A espiritualidade, tema antigo da praxis católica, tornou-se ultimamente um assunto da agenda protestante. Quando ouvi pela primeira vez evangélicos propondo a espiritualidade, fiquei curioso, embora não muito interessado. A proposta passava pelos escritos e experiências dos místicos do período medieval (o quadro ao lado é o êxtase de Tereza de Ávila) e eu não via o que podíamos aprender deles nessa área. As justificativas apresentadas para a busca de uma comunhão maior com Deus pareciam ter algum fundamento. Criticou-se a superficialidade da piedade cristã moderna, o desinteresse atual da Igreja por exercícios espirituais como meditação e contemplação, e a influência nefasta daquele tipo de teologia sistemática tradicional que faz uma abordagem mecanicista da realidade e não dedica espaço para a oração. Mas será que os padres místicos medievais poderiam servir de modelo para o avivamento espiritual tão necessário em nossos dias?
Mais tarde, ouvi a mesma proposta vinda de gente que defendia o diálogo com o catolicismo e a Igreja Ortodoxa via misticismo medieval, que funcionaria como uma espécie de ponte para esse diálogo. Depois me inteirei que vários teólogos católicos modernos estão afinados no mesmo discurso. E quando finalmente ouvi neoliberais se dizendo místicos e espirituais, e defendendo a mesma coisa, fiquei de orelha em pé. Por que neoliberais, que acreditam que a verdade evolui e muda, que são críticos ferozes de tudo que é antigo na Igreja, agora resolveram beber no misticismo medieval?
Preciso esclarecer, de saída, que não estou dizendo que todo mundo que defende aspectos da espiritualidade medieval para hoje é neoliberal. Preciso também esclarecer que, a princípio, estou aberto para aprender com os cristãos do passado, ainda que sejam católicos romanos medievais. Também quero acreditar que os atuais proponentes evangélicos da espiritualidade estão examinando tudo e retendo apenas o que é bom. Não sei, contudo, como conseguirão separar a mística medieval da teologia medieval, eivada do catolicismo que foi denunciado pelos Reformadores.
Mas o meu objetivo nesse post é o interesse dos neoliberais no misticismo medieval. Algo não está batendo direito, a não ser que tenham encontrado no misticismo dos monges semelhanças com a espiritualidade em que acreditam.
A primeira pode ser o foco na experiência, a ausência da Bíblia e o conseqüente esvaziamento de conteúdo teológico. Sei que alguns místicos citavam a Bíblia, mas vai uma distância muito grande entre fazer isso e desenvolver uma espiritualidade que seja decorrente da teologia bíblica. A piedade ascética certamente não era moldada pelas Escrituras, a começar pelos votos de abstinência, a auto-flagelação, o isolamento social e uma vida dedicada à contemplação. Para não falar na busca de Deus de forma direta. A mística medieval, com raras e notáveis exceções, é voltada para a experiência interior, para a busca do êxtase, do mistério, de uma comunhão com Deus que não tenha troca de conteúdos, onde o homem não fala teologicamente e Deus também não responde teologicamente. A mesma coisa ocorre com os herdeiros pós-modernos de F. Schleiermacher, o pai do liberalismo protestante. Para ele a religião consistia no senso interior de dependência de Deus, não na aderência a qualquer conteúdo doutrinário. Na mesma linha, Paul Tillich, influenciado pelo místico Meister Eickhart, disse, “se a oração é trazida ao nível de uma conversa entre dois seres, é blasfema e ridícula” (Teologia Sistemática, I, 112). Os neoliberais, ao final, também concordam que o âmago da religião é a experiência individual direta com o inefável. E assim, encontraram nos monges suas almas-gêmeas.
Uma segunda semelhança aparente entre a espiritualidade medieval e a neoliberal é a teologia natural. O Deus que desejam encontrar em suas experiências é aquele de quem podem aprender pela natureza ou dentro de si mesmos. A contemplação meditativa e a comunhão mística com a natureza, seus rios, montanhas, florestas e vales (quem não lembra do “irmão sol” e da “irmã lua” de Francisco de Assis?) colabora para a mística medieval, que nesse ponto não somente é similar à religiosidade neoliberal, mas também à espiritualidade pagã, conforme post de Mauro Meister aqui no blog.
Terceira, a abertura para novas revelações. Grande parte das experiências dos místicos medievais consistia em visões ou contemplações diretas de Deus. A famosa mística medieval, a freira beneditina Hildegard (1098-1179), por exemplo, teve visões de Deus desde os três anos, nas quais Deus revelou-lhe a natureza dele e do universo. Sua obra Scivias, um clássico do misticismo medieval, relata essas visões. Já o famoso Inácio de Loyola, depois de ler o livro Vida de Cristo do monge místico Ludolfo da Saxônia (séc. XIV), experimentou visões místicas de Cristo e da virgem Maria. A própria Teresa de Ávila, ícone da espiritualidade medieval, narra em Castelo Interior como, em uma série de experiências místicas, Jesus veio a ela pessoalmente, a partir das quais ela começou a amá-lo apaixonadamente. Neoliberais não têm visões, mas acreditam que a verdade sempre está evoluindo, que Deus está sempre revelando coisas novas à Igreja. Em ambos os casos, místicos e neoliberais buscam a Deus sem a mediação das Escrituras.
A quarta semelhança pode ser o messianismo não-conformista. Muitos místicos se isolaram em protesto contra a corrupção da Igreja de sua época. Eles queriam reformá-la e livrá-la de suas corrupções. Inconformados, retiraram-se em busca de maior comunhão com Deus. O misticismo deles vem dessa vida de isolamento, dedicado à contemplação, fechados em seus mosteiros ou perdidos em cavernas e desertos. Os neoliberais também são messiânicos e se julgam comissionados a reformar por inteiro a Igreja de seus dias, embora adotem a tática de ficar dentro dela, em vez de sair.
Uma quinta semelhança é a crença última na salvação por obras. O misticismo medieval era ascético – algo bastante diferente da doutrina paulina da justificação pela fé somente. Sua busca da espiritualidade nascia da crença medieval de que o homem colaborava ativamente para a sua salvação e ascensão a Deus. Os neoliberais, da mesma forma, acreditam que a salvação não será pelo sacrifício vicário de Cristo, mas pela evolução pessoal do homem.
A última semelhança é o ateísmo lingüístico. Muitos místicos seguiram a idéia de Plotínio de que Deus está acima da razão e das palavras e que só pode ser conhecido quando alguém transcende esse mundo e se torna um com ele, numa união mística. Não se pode falar sobre Deus e nem se escrever sobre ele. De maneira incrivelmente semelhante, o neoliberalismo rejeita a proposicionalidade da revelação bíblica e insiste que não se pode falar de Deus ou se escrever sobre ele de forma significativa (é por isso que neoliberais acabam se tornando poetas, pois só lhes resta a poesia como forma de comunicação). Uma linguagem onde não se pode falar sobre Deus, ou o ateísmo lingüístico, une as duas espiritualidades.
Não me admira que os neoliberais tenham tanto interesse nos monges. Afinal, são pássaros da mesma plumagem. E não é de estranhar que os Reformadores rejeitaram em geral o misticismo medieval. Calvino e Lutero, tinham profundas diferenças com relação aos conceitos dos místicos sobre Deus, o homem e a salvação.
Como reformado calvinista, ainda tenho escrúpulos quanto a buscar modelos de espiritualidade em místicos ascetas medievais, cuja teologia estava impregnada de conceitos errados sobre essas coisas. Se eles oravam mais, jejuavam mais e contemplavam mais, não me impressiona. Como Calvino, digo que deveriam trabalhar mais para não viver às custas dos outros, enquanto ficavam contemplando, meditando e cantarolando.
Creio que o misticismo bíblico – união com Cristo realizada na sua morte, vivida pelo Espírito, celebrada na Ceia e vivenciada pelo uso dos meios de graça – continua sendo o padrão para os cristãos. O que falta em muitos é a disposição para vivê-lo.
Muito bom o artigo, como de costume...
ResponderExcluirMas não tem mesmo NADA de aproveitável ou louvável nesse elevado grau de espiritualidade beirando o misticismo? Os problemas se tornam evidentes e óbvios, mas não tem nada que se possa aprender? Se tem, o quê?
Rev. Augustus,
ResponderExcluirConversando certa vez com um pastor presbiteriano - acredite! -, que segue essa linha de espiritualidade medieval, pude perceber algumas coisas: 1) ele tinha grande dificuldades com o texto Bíblico. Dificuldades de crer nele como Palavra de Deus; 2) ele, de fato, estava envolvido no que é chamade de Diálogo Inter-religioso. O famoso discurso pluralista. Chegando ao ponto de questionar a unicidade de Cristo e a singularidade do Evangelho; 3) a única resposta para esse dilema intelctual, dizia ele, era a mística medieval. Nesse caminho ele não precisava do texto bíblico, da igreja, do Cristo da fé, de nada.
É uma espiritualidade sem Deus. Tão sem Deus que ele pode se unir a qualquer religião em nome dessa espiritualidade.
Abraços.
Caro ANÔNIMO,
ResponderExcluirAprendi recentemente com o Franklin Ferreira, que está inclusive escrevendo um livro sobre Espiritualidade, que havia mais de uma linha no misticismo medieval. Uma delas representada por Thomas a Kempis tinha a cruz de Cristo como centro, e não a busca da visão inefável e direta de Deus. Talvez fosse uma das coisas boas a ser aproveitadas. Contudo, a via moderna de Kempis foi purificada, reformada e alterada pelos Reformadores. Por que voltar àquela época, depois que o bom vinho foi servido por último...
Um abraço.
Nagel,
ResponderExcluirAcho que é esse mesmo o atrativo que o misticismo medieval exerce sobre alguns, a possibilidade de elevação espiritual sem teologia (o que para mim não existe).
Abraços.
interessante essa comporação. os neoliberais gostam tanto de posar arrogantemente como aqueles que vivem e apresentam algo contemporânea, enquanto são os pobres reformados que ainda vivem uma religião atrasada e medieval... irônico.
ResponderExcluiro curioso é que neste feriado de carnaval, ao acompanhar um grupo de músicos de minha igreja em alguns congressos e acampamentos, tive bastante contato com igrejas neopentecostais. Ao ler o post, percebi claramente como os dois grupos (neopentecostais e neoliberais) são semelhantes. Especialmente os pontos 1, 3, 4 e 5 podem ser ditos dos neopentecas sem qualquer problema. Conheci uma "profetisa" que teve experiências semelhantes às de Teresa de Ávila.
Não sei se já foi postado algo sobre isso aqui, mas me parece que no final das contas essas duas vertentes do "cristianismo" são irmãs, filhas do misticismo.
Josaías,
ResponderExcluirA relação entre liberalismo e pentecostalismo foi sugerida faz algum tempo por estudiosos que perceberam traços comuns entre eles, como por exemplo, a tendência de reduzir a religião cristã à experiência individual. O assunto merece um post à parte, sim.
Um abraço.
É quando percebemos que liberalismo, neopentecostalismo e pelo menos parte do misticismo medieval são planetas em torno do mesmo sol: o subjetivismo.
ResponderExcluirMas confesso que tenho ainda muitas perguntas sobre a Idade Média, pois reconheço haver muita controvérsia sobre o assunto - e uma certa leitura equivocada por parte dos teóricos da renascença e que se seguiram, a quem devemos o epíteto de "idade das trevas".
Taí um excelente assunto para discussão! Mas confesso que, nela, mais aprenderia que contribuiria. :-)
Abração, Augustus!
Oi, Norma!
ResponderExcluirDurante muito tempo prevaleceu a idéia de que a Idade Média foi marcada por toda sorte de obscurantismo, falta de criatividade. Hoje já se tem um olhar diferente, de fato. E nesse revisionismo, algumas surpresas têm vindo à tona. Nisso tudo, o Cristianismo sai ganhando um pouquinho.
É nessa onda de resgate da Idade Média, inclusive percebida em Hollywood que tem faturado muito em cima de filmes desse período, que o misticismo medieval tem sido redescoberto, e com ele a alquimia, a magia, etc.
Um abraço.
Augustus, Josaías e Norma...
ResponderExcluirDe fato, o misticismo tem tudo a ver com o liberalismo e algumas vertentes do pentecostalismo e com todas do neo-pentecostalismo. Ambos se afastam da Escritura, um pela esquerda e outro pela direta (sem conotações políticas), fazem um percurso circular, e encontram-se do outro lado.
Quando escrevi o post "Ortodoxia e Fé, Liberalismo e Misticismo" a intenção era continuar e mostrar a mesma relação do misticismo com o pentecostalimso, respondendo à questão do Josaías. Ainda estou em dívida!
Outro lado interessante é que há um grande movimento evangélico que está enveredando rapidamente por este caminho, fomentado pela cultura do pós-modernismo, voltando para a parte obscura da idade média, que, estou descobrindo, não foi tão obscura assim...
abs
Mauro
Augustus,
ResponderExcluiracho que seria interessante colocar referenciais de espiritualidade que visa uma espiritualidade bíblica.
Humildemente cito alguns aqui, gosto muito mesmo do "Medita essas coisas" de Richard Baxter (Ed classicos Evangélicos) e o "Verdadeira Vida Cristã" de Calvino (Ed. Novo Século).
D.Martin Loyde Jones tinha vários insights de espiritualidade bíblico-reformada em seus escritos.
Mais Augustus e demais autores, seria interessante depois de bater, assoprar, :), sugiro que escrevam algo da espiritualidade bíblico-reformada em detrimento desses modelos medievais ai. Fica minha sugestão!
Abraços!!!!!!!!!!!!
Caro Rev. Nicós (se o senhor me permite chama-lo assim aki...);
ResponderExcluirSeria a espiritualidade mística um referencial para a santidade para os liberais, ou seja; pois pelo q me consta, não há referencial a santidade para os liberais (ou neo-liberais), até pq suas práticas são havessas a este quesito. Assim, seria possivel tb, q a aproximação à espiritualidade mística fosse uma tentativa de suprir esse vazio?
Olá,
ResponderExcluirNão podemos generalizar nestas coisas. Há uma diferença entre o misticismo moderno e medieval que me parece marcante:A postura. Hoje as pessoas não criam mas imitam, não meditam (na maior parte das vezes),mas fingem.Os desertos e mosteiros de hoje são outros, mais sofisticados e barulhentos.São as distrações deste século que controlam a maior parte de nosso tempo.Não sobra espaço e silêncio para longos momentos a sós com Deus.Creio que Jesus era um místico das madrugadas e um grande observador da natureza. As parábolas que ele contava refletem esse lado. Tudo isso leva-me a pensar que nós seres humanos temos necessidades(ao nível do pensamento) não meramente racionais mas transcedentais. Com isso não falhamos mas alimentamos um lado ainda obscuro de nosso ser.
Entretanto, é preocupante a afinidade do crente brasileiro com a linha neo-pentecostal. O poder de atrair adeptos e com isso fazer dinheiro é inegável. O ambiente festivo dos cultos, música animada e uma aura mística contribuem. Mas, os pastores favoráveis quando sentem dor de barriga vão ao médico e não praticam cura divina com eles mesmos, por exemplo. Mas, os que estão do outro lado, parecem perdidos em suas convicções, arrogância e hipocrisia. Uma (ou um) mea-culpa não faria mal.
ResponderExcluirJuan,
ResponderExcluirObrigado pelas indicações. É importante também construir e dar opções diferentes. Fica anotada a sugestão de uma postagem sobre a espiritualidade bíblica.
Meu caro ANÔNIMO,
Pode me chamar de NIKÓS. Aliás, vou acrescentá-lo à minha lista de corruptelas do meu nome: Nicomedes, Nicodêmico, Nostradamus, e ultimamente NICO, por uns amigos no Orkut.
Quanto à sua indagação, neoliberais são extrememante religiosos. O ser humano em si é muito religioso.
Daniel,
Boa percepção. O fato que mencionei semelhanças da espiritualidade medieval com o neoliberalismo não quer dizer que eu não creia no valor da meditação, da oração, do jejum e da contemplação. Falarei sobre isso em outro post.
Um abraço,
Augustus
Reverendo Augustus,
ResponderExcluirVai uma sugestão para pesquisa acerca do tema
http://www.vilakostkaitaici.org.br/
Veja o conteudo da revista de dezembro ultimo.Espero que contribua com o objetivo de seu trabalho. A mim o assunto e muito importante. De fato, ainda nao consegui achar um termo adequado para julgar a questao da mistica em otica reformada. O rev. mencionou a imitacao de cristo de Kempis como um caminho... eu apreciei muito a leitura dessa obra, mas tambem la nao achei sossego em termos de conciliar o que la e dito com o que deve ser a postura reformada.O mesmo com castelo interior de Tereza DÃvila e os exercicios de Inacio de Loiola.A aversao a vida contemplativa e realmente necessaria? O que o Rev. diz acerca da chamada lectio divina? Sera que a mistica reformada nao acaba por reduzir-se a meditacao, sem lugar para a atitude contemplativa? E uma meditacao apologetica, instrumental na maioria das vezes? Ha um texto em monergismo, secao vida piedosa, que propoe algo semelhante... Desejo muito organizar minha reflexao nesta area, evitando incoerencias, mas esta dificil...Alias, o assunto e fundamental, porque diz respeito a vida de oracao, e nao posso dizer que nao aprecio ,se nao o conteudo, ao menos a atitude de retiro observada nesses misticos. Se puder ajudar a por ordem na casa, agradeco-lhe...
Caro Rev. Nicós... sou eu kem posta sempre no orkut o teu nome assim. hehehhe.
ResponderExcluirSou o pastor Adalberto, de Cuiabá, q estudou em Goiania, q estuda no Jumper, etc, etc...
Ainda não aprendi direito como funciona o tal do Blog... escrevo meu nome, mas não aparece.
Descobri o "Tempora" esse dias atrás, e to me atualizando ai nos textos. Mas desde já, parabéns a vc ao Mauro e o Solano.
Ps.: desculpe por preenxer o espaço com colocações pessoais, aparte do texto... heheh.
Samuel,
ResponderExcluirDesculpe a demora em responder, estou em Johanesburgo participando da reunião da World Reformed Fellowship.
Não precisa fazer mea culpa por reformados que não são piedosos. Devemos, sim, deixar claro que discordamos deles e dos que pensam que a fé reformada não inclui a devoção a Deus.
Sobre o movimento nos Estados Unidos que a salvação pela graça e pelas obras andam de maos dadas, acho que quem começou foi Tiago, de acordo com o capítulo 2 de sua epístola! :) Falando sério agora, creio que fé salvadora e obras verdadeiras andam de mãos dadas. Onde está uma, lá estará a outra. Só que a relação entre elas é de procedência: as verdadeiras obras procedem da fé verdadeira. De forma que Tiago chega a dizer que o homem é justificado por obras (pois elas mostram que ele realmente é salvo).
Aqui no Brasil já chegou faz tempo a nova perspectiva sobre Paulo. Eu mesmo estou escrevendo um artigo para a FIDES sobre esse assunto. A História da Redenção na verdade é muito antiga e se você se refere a ela como uma abordagem da teologia bíblica ao conteúdo das Escrituras, eu sou dessa linha, junto com Ridderbos, Ladd, Vos e muitos outros. As outras questões, como Auburn Avenue Theology, são desconhecidas por serem realmente questões bem localizadas.
Um abraço,
Augustus
Artur,
ResponderExcluirObrigado pelo link. Já fiz um bookmark para pesquisas posteriores.
Preciso esclarecer que não mencionei a obra de Kempis como modelo. Prefiro as obras de Calvino e dos puritanos sobre a vida piedosa.
Na verdade, acho que qualquer modelo de espiritualidade deve estar estribado no Novo testamento. E nele não acho qualquer fundamento para viver uma vida de contemplação. A espiritulidade bíblica é muito "mundana" -- ou seja, ela nos coloca como gente nesse mundo, onde temos de fazer a diferença como sal e luz. É claro que tiramos tempo, como o Senhor, para orar, meditar e estar com Deus, mas é só um tempo, não a vida toda. Tem muita coisa a ser feita!
A lectio divina é um tipo de leitura "espiritual" da Bíblia e outros livros religiosos, praticada pelos monges. Depois da leitura passam à sua meditação, contemplação e ao diálogo com Deus. Não vejo problema nisso, se for excluido todo misticismo e se a Palavra for usada como meio de orientar minha oração, noq ue pedir, o que agradecer, etc. Creio que isso é praticado por muitos evangélicos. Eu mesmo gosto de "orar" os Salmos.
A mística reformada só vira meditação se os reformados esquecerem que Deus é o alvo maior de tudo. Soli Deo gloria. Meditamos para poder conhecê-lo melhor e nos dirigirmos a ele melhor. Somente liberais e reformados do tipo "geladeira" trocam a oração pela meditação.
Fica difícil por a casa em ordem, mas minha sugestão é essa: toda e qualquer espiritualidade que não seja moldada pela espiritualidade expressa no Novo Testamento deve ser rejeitada.
Que o Senhor o abençoe na busca da plena comunhão com ele.
Um abraço.
Grande Adalberto,
ResponderExcluirAh, então é você?! Bem vindo ao nosso blog e não precisa se desculpar por colocar questões pessoais. Isso torna o blog mais humano...
Um abraço!
Reverendo,
ResponderExcluirTenho lido com muita atenção os teus artigos e comentários, principalmente acerca dos liberais e neo-liberais.
Tenho reparado em comentários como "os liberais não são mais como antigamente", "eles nunca assumem que são liberais","nunca se sabe o que um liberal pensa...", etc...
É óbvia a tua preocupação e de outros ministros com a influência "liberal" sobre os que abraçam a fé reformada.
Mas a minha pergunta é a seguinte: Será que, de fato, há liberais no seio da igreja?
Os que realmente são já não romperam com a instituição?
Ora, se não se fazem mais liberais como antigamente, e se nunca se sabe o que eles pensam, e se eles nunca se auto-reputam liberais, não seria mais ético e justo conceder o benefício da dúvida e considerá-los irmãos em Cristo, em vez de expurgá-los do Livro Sagrado da Vida, e ainda com a pecha de hereges, falsos mestres e apóstatas?
Sou carioca, e o Rio é considerado reduto liberal. Em minha participação ativa na IPB durante 30 anos, nunca ouvi afirmações de amigos pastores e seminaristas negando a ressurreição de Cristo, sua morte vicária e a remissão de nossos pecados, nem insinuações contra a trindade ou a pré-existência de Cristo.
Afinal, o que é necessário para a a salvação e para ser considerado um cristão legímito? Os fundamentos que eu citei, e a fé salvífica, a despeito da opinião pessoal de cada um acerca da existência de mitos e fábulas na Bíblia, ou será que o imprescindível é seguir a ortodoxia?
Outrossim, apenas para arrematar, o senhor e outros alegam que os "liberais" renegam os valores morais. No entanto, o que eu percebo e noto são que estes "réus" são pais e maridos amorosos, profissionais éticos, monogâmicos, ilibados, probos, transparentes, defensores da igualdade e da justiça social.
Ou eles não são definitivamente liberais, ou o liberalismo nada tem a ver com renegação de valores morais. Mas aí o senhor entraria em contradição, já que afirmaste que estes não costumam se pautar por valores morais.
Ou será que os valores que citei não são valores morais cristãos?
Surge outra possibilidade: A de que, mesmo eles vivendo de forma idônea e afirmando não serem liberais, seriam hipócritas e mentirosos.
Mas se o senhor o afirmasse, não seria um juízo um tanto temerário?
Aguardo os teus esclarecmentos, pois estou confuso diante de tantos paradoxos.
Um abraço em Cristo,
Flávio
Meu caro Flávio,
ResponderExcluirNós dois estamos quebrando o protocolo. Seus comentários são enormes e minhas respostas não são menores. Pensei em não publicá-lo e responder-lhe em particular. Mas, como você levanta algumas questões que podem ser de interesse dos amigos que visitam nosso blog, resolvi responder o que parece ser a questão central, com alguma brevidade.
Você deve ter notado que nos meus posts sobre neoliberalismo, puritanismo, fundamentalismo, etc., tentei ser o mais genérico possível e não citar lugares, nomes e instituições (posso ter falhado aqui ou ali). O meu alvo não é atacar indivíduos ou instituições, mas ajudar nossos amigos que nos visitam a formar suas próprias conclusões. Assim, eu esperaria que você mesmo pudesse responder se há liberais, fundamentalistas, puritanos ou outras categorias na igreja (IPB?).
É por isso também que sua pergunta sobre ser mais ético com liberais fica no vácuo. Bem como a questão de fazer juízo temerário. Estou tratando do liberalismo em tese. Não individualizei, não localizei e nem personalizei ninguém. E certamente não foi aqui no nosso blog que o irmão leu que o Rio é um reduto liberal.
Você disse que em 30 anos nunca ouviu alguém dizer alguma coisa que identificasse essa pessoa como liberal. Só posso dizer amém! Mas logo em seguida, você diz que conhece "réus" (creio que você se refere a liberais) que são exemplos de amor e ética. Como fica, então? Existem ou não liberais?
O que é necessário para a salvação? A Bíblia é clara: confissão com a boca daquela fé do coração que Jesus ressuscitou dos mortos (Romanos 10). Se há mitos e lendas na Bíblia, seria preciso definir primeiramente o que se quer dizer com isso. O irmão quer dizer que determinadas histórias da Bíblia não aconteceram historicamente como está registrado, mas que são fruto da imaginação piedosa e da fé de Israel e da Igreja primitiva? Poderia mencionar, por exemplo, o que considera mitológico ou lendário na narrativa bíblica?
Ao final o que aconteceu foi que o irmão tomou meus posts sobre o assunto e colocou a carapuça em pessoas que conhece e que você acha que seriam consideradas como liberais, e ai volta confuso com o que chama de paradoxos nos meus posts, dizendo que o retrato dos liberais que eu pintei não bate com os liberais que você conhece (mas que você diz que não existem). Fica difícil dar-lhe uma resposta pois não conheço essas pessoas. Vamos deixar o assunto no nível da discussão teórica, OK?
Um abraço.
Oi, Augustus,
ResponderExcluirLiberais andaram falando mal de mim no Orkut - de modo um tanto truculento, devo dizer. Mencionaram você e Solano no começo, dizendo que não estranham o fato de eu ser sua "fã". Fiz observações a isso no último post do meu blog.
Da forma mais isenta possível, talvez eu possa dizer que tanto ódio ventilado ali se deva ao fato de que eles se ressentem contra a resistência que nós fazemos ao oba-oba liberal. Sentem-se excluídos e unem a isso o ódio esquerdista (todos eles são).
Muito louco. Mas essa virulência se deve ao fato de que o conteúdo do meu blog está incomodando aqueles que devem ser incomodados, e isso é bom.
Grande abraço!
Norma,
ResponderExcluirÉ o que dá você andar com gente como Solano, Mauro e eu...! Para muitos, somos "fundamentalistas, xiitas, puritânicos, da linha de MacIntire"... vão falar mal de você até você desistir dessa companhia ou abrandar o seu discurso.
O que é gozado é que nunca identificamos aqui no blog ninguém, lugar nenhum, instituição nenhuma como liberal, neoliberal, etc. E de repente aparece gente que toma a defesa do liberalismo.
Eu sinceramente espero que você esteja enganada em sua avaliação. Pois se for realmente ódio o que estão nutrindo, já ultrapassou a possibilidade de uma discussão racional e cristã. Quando criamos nosso blog o alvo não foi combater o liberalismo teológico (tem posts que tratam de outras coisas), mas de expressar o que pensamos sobre assuntos que nos rodeiam no dia a dia. Acabou que eu postei muita coisa sobre três assuntos que considero importantes mas mal compreendidos: neoliberalismo, fundamentalismo e puritanismo. E a partir dai, vieram os comentários de gente de todas as persuasões, defendendo e criticando cada uma dessas posturas. Gostei bastante desse tipo de interação. Mas quando parte para o lado pessoal, fica difícil continuar o diálogo.
Quanto ao seu blog, era de se esperar que também provocasse reações, pois você tem conseguido mostrar uma coisa muito importante e pouco percebida, que é a relação nem sempre clara entre o esquerdismo político e determinadas posturas na agenda do neoliberalismo. Há muitos que se incomodam profundamente com isso.
Mas, continuemos a debater as idéias e não as pessoas. E deixemos que os leitores do blog e do Orkut formem sua própria opinião.
Um abraço!
Professor Augustus Nicodemus
ResponderExcluirJá que o senhor falou que andar com o trio Augustus-Solano-Mauro (pus aqui por ordem cronológico, eu penso), estes três presbiterianos, pergunto-lhe: Como sou batista, com qual trio batista deveria eu andar? Algo como Nilson Fanini-Paschoal Piragine-Ozeas Dias Gomes da Silva? Os senhores são muito bons, como diz um velho pastor batista aposentado: São os nossos primos mais chegados (risos).
Marcelo Hagah
João Pessoa-PB
Rev. Augustus
ResponderExcluirSeria o liberalismo teológico travestido de antinomismo ou o antinomismo travestido de liberalismo teológico? Posso estar errado nesta minha análise, mas estes que se dizem calvinistas e que são abertos ao liberalismo teológico, mais parecem que são antinomianos que querem descansar à sombra da teologia liberal.
Acredito que o antinomismo é fruto de uma concepção errônea das
doutrinas da graça. Este, por sua vez, junta-se à teologia liberal
que parece não estar nenhum pouco preocupada em tratar de assuntos
da piedade cristã, e assim acha campo fértil entre os cristãos que
são apenas sandemanianos, como dizia Lloyd-Jones - isto é, uma fé
apenas intelectual.
Porque será que o ideal puritano é tão incômodo para alguns calvinistas? E, porque estes calvinistas são tão abertos a aceitar o liberalismo teológico e rechaçar a puritanismo genuíno, bíblico? Será o temor da doutrina da santificação como fruto necessário da justificação que ficaria melhor convivida num espírito antinomiano escorado numa teologia que é descomprometida com a ação sobrenatural divina, e por última ánalise, que nada tem a oferecer a respeito da obra santificadora e sobrenatural do Espírito Santo?
Eis a citação de Calvino em 1ª Coríntios 1.30:
"Por que somos justificados pela fé? Porque pela fé apreendemos a
justiça de Cristo, mediante a qual somos reconciliados com Deus. Não
podemos entender isso sem ao mesmo tempo entender também a
santificação. Pois ele fez-se por nós `sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção' (1Co 1.30). Cristo não justifica a quem ao mesmo tempo não santifica. Esses benefícios são unidos por vínculo permanente e indissolúvel, de forma que aqueles que ele ilumina pela sua sabedoria, ele redime; e aqueles que ele redime, justifica;
e aqueles que ele justifica, santifica."
Logo, um calvinismo que dissocia a justificação da santificação de
forma alguma representa o que Calvino compreendia das Escrituras e, sem dúvidas, podemos concordar com a intepretação do reformador como legitimamente bíblica.
A confissão Belga (1561), no seu Artigo XXII, época contemporânea de João Calvino, da mesma forma, assim expõe a relação do justificado com santificação. A teologia reformada tem sido puxada por todos os lados, e o pior de todos é o lado antinomiano.
Portanto, creio que basta falar de piedade cristã para levantar as orelhas dos liberais e dos calvinistas que não lêem as obras de Calvino (à la Kendall, por exemplo...)
Charles,
ResponderExcluirSua pergunta foi sobre a relação entre liberalismo, calvinismo e antinomismo. Concordo com sua linha de raciocício, que a deturpação das doutrinas da graça leva ao antinomianismo, que daí se junta ao liberalismo. Mas note que muitos liberais aderem a algum código moral, pois uma vez que o evangelho é despido do sobrenatural, tudo o que resta é uma religião moralista.
Creio que o ódio ao puritanismo da parte de muitos se deve a muitos fatores. Primeiro, muitos nunca nem leram os puritanos. Segundo, acabaram formando um conceito equivocado sobre o puritanismo, geralmente um conceito que é negativo. Terceiro, o movimento puritano histórico não foi monolítico e uniforme, havendo exageros e desvios. As pessoas nem sempre são capazes de separar o joio do trigo e fazem generalizações injustas (a mesma coisa fazemos com os neoliberais). Quarta, o movimento puritano no Brasil nem sempre foi apresentado no seu melhor. E por fim, concordo que a ênfase puritana na necessidade de uma vida pura, santa e reta, associada à fé bíblica, não encontra acolhimento em muitos.
A citação de Calvino é muito apropriada.
Um abraço.
Olá Augustus,
ResponderExcluirSou amigo da "Flor de Obsessão", e venho comentar alguns trechos deste post. Preferiria até mandar um email, mas como não tenho o seu endereço, vai por aqui mesmo. Cito passagens suas:
1) "Por que neoliberais, que acreditam que a verdade evolui e muda, ..."
- A verdade não muda, mas e a nossa compreensão sobre a verdade (ou Verdade)?
2) "Terceira, a abertura para novas revelações. Grande parte das experiências dos místicos medievais consistia em visões ou contemplações diretas de Deus..."
− Qual é o problema, a princípio, de vivenciar revelações, visões e êxtases? Todas as experiências desse tipo são, por definição, doentias/demoníacas/errôneas? (Cf. 2Co 12.1-10) Há alguma passagem no NT dizendo que a visão de João em Patmos foi a última provinda de Deus?
3) "A própria Teresa de Ávila, ícone da espiritualidade medieval..."
− Teresa de Ávila viveu no séc. XVI, nunca poderia ser "ícone da espiritualidade medieval". E trabalhou muito, mesmo, (como uma autêntica puritana...) para reformar a Ordem carmelita, tendo sido perseguida pelos líderes eclesiásticos de sua época – assim como seu companheiro de lutas, S. João da Cruz (que inclusive chegou a ficar um bom tempo preso).
4) "... acreditam que a verdade sempre está evoluindo, que Deus está sempre revelando coisas novas à Igreja"
− As "coisas novas" que Deus estaria revelando não seriam apenas desvelamentos da mesma e única verdade? Naturalmente, nem todos têm, e nunca terão, condições de receberem coisas novas da parte de Deus (coisas novas para o receptor atual, evidentemente. Mas já conhecidas desde a Antigüidade, por muitos e muitos).
5) "... não se pode falar de Deus ou se escrever sobre ele de forma significativa (é por isso que neoliberais acabam se tornando poetas, pois só lhes resta a poesia como forma de comunicação)"
− Ué, a poesia não é uma linguagem significativa? Sempre pensei que um BOM poema fosse o 'significante' mais próximo do 'significado'...
6) "A piedade ascética certamente não era moldada pelas Escrituras, a começar pelos votos de abstinência, a auto-flagelação..."
− Veja-se Mateus 19.12, e as passagens do onde as pessoas rasgavam suas vestes e se feriam em sinal de arrependimento.
− Os melhores místicos e ascetas cristãos de todos os tempos sempre alertaram para os perigos e exageros da abstinência e dos castigos corporais, que nada mais são que uma manifestação de orgulho, mesmo que inconsciente.
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Temos o dever de buscar distinguir a falsa mística da verdadeira (o Diabo se disfarça em anjo de luz!), porque o cristianismo é, sim, uma religião mística, desde o início. Quanto a este aspecto, pelo menos, os Reformadores jogaram fora o bebê com a água do banho, e - data venia - muitos de seus seguidores continuam a fazê-lo.
Repare como a palavra "medieval" tem, na sua pena, o mesmo tom pejorativo dado a "puritano"...
Fraternalmente em Cristo,
Oswaldo
Olá, Oswaldo,
ResponderExcluirCreio que você achará quase todas as respostas às suas indagações no próprio post, mas vamos lá. Tentei responder a todas, na ordem em que foram feitas.
1) Se a verdade não muda, mas a compreensão dela muda, no final dá no mesmo, pois só temos acesso à verdade mediante a compreensão. Reconheço os condicionamentos históricos e culturais das compreensões humanas, mas sou mais da linha de Hirsch do que Gadamer e Derrida. Hirsch defende a objetividade e a validade nas compreensões.
2) Em princípio, o problema com novas revelações é que introduzem na igreja e vida do indivíduo uma nova fonte de autoridade e de conhecimento de Deus além da Escritura. Como reformado, sigo o Sola Scriptura. No período bíblico havia visões, revelações e êxtases, é claro, inclusive aquele que você mencionou, de Paulo. Note contudo, que Paulo só revelou o conteúdo daquele êxtase à contragosto, e mesmo assim após 14 anos do ocorrido, ao contrário de muitos que vivem contando essas coisas e se promovendo. E nos seus escritos aos cristãos, onde é que Paulo os incentiva a buscar essas coisas? Em lugar algum. Ao contrário, Paulo sempre os encoraja a viver pela Palavra, pelo bom senso. Não há nada no NT dizendo que a visão de Patmos era a última, mas como não há também nada dizendo que era a primeira de uma série a ser dadas à igreja após os apóstolos, fico com as Escrituras somente.
3) Sobre Tereza de Ávila (1515-1582), se você não quiser considerar o período da vida dela como era medieval, não faz mal, esse não é meu ponto. Meu ponto é que ela é ícone da espiritualidade proposta por muitos e que se baseia prioritariamente na mística medieval. Nem meu ponto foi negar o trabalho dela como reformadora de sua ordem. Meu ponto é que as visões e êxtases que ela teve se constituem como modelo da espiritualidade para muitos que acham que espiritualidade não tem conteúdo teológico.
4) Concordo com a sua interpretação desse ponto 4. Se considerarmos a doutrina da justificação pela fé como uma coisa nova que Deus revelou à Igreja na Reforma – nova porque era desconhecida da maioria na época embora fosse tão antiga quando a Bíblia – não tenho problema algum. Mas não é isso que muitos pensam quando falam em novas revelações.
5) Eu não disse que a poesia não era uma forma de comunicação significativa, apenas disse que é a única que resta aos que rejeitam os demais gêneros literários que fazem proposições ou declarações sobre Deus.
6) Não vejo problemas em alguém adotar o celibato como forma de vida, desde que não imagine que o celibato é mais espiritual do que o estado de casado e desde que não se imponha essa decisão pessoal aos demais. Os votos de abstinência a que me referi como não sendo moldados pela Escritura são aqueles obrigatórios nas ordens medievais e até hoje. O costume das pessoas rasgarem as suas vestes e se ferirem em sinal de arrependimento não justifica de forma alguma a auto-flagelação em busca da mortificação do corpo e de maior espiritualidade. Eram expressões pessoais, dentro da cultura oriental. Elas jamais, jamais, são exigidas dos cristãos na literatura do Novo Testamento, como sinal de piedade e contrição. Ao contrário, o que se pede é o rasgar do coração.
Por fim, antes de concordar ou discordar de você que “o Cristianismo é uma religião mística desde o início” seria necessário definir o que você quer dizer com religião mística. E sua acusação de que os Reformadores deformaram esse Cristianismo místico, bem como seus seguidores (o “data venia” seria porque você me inclui entre eles?), dependerá também do que você quer dizer com “religião mística”.
Eu não descreio do misticismo cristão. Veja o que escrevi no post: “Creio que o misticismo bíblico – união com Cristo realizada na sua morte, vivida pelo Espírito, celebrada na Ceia e vivenciada pelo uso dos meios de graça – continua sendo o padrão para os cristãos. O que falta em muitos é a disposição para vivê-lo.”
Tanto o medievalismo como o puritanismo têm admiradores e inimigos, os quais sempre verão reparos a um e a outro como sendo pejorativos.
Um abraço.
Rev. Augustus,
ResponderExcluirGostaria de explorar mais este tópico, por isso volto a escrever. Não sou de forma alguma uma autoridade em mística cristã, nem na teoria ou na prática. Mas procuro ler sobre o assunto, e tenho visto (e até certo ponto vivido) coisas absolutamente fora do comum. Comento suas respostas pela ordem:
1. Concordo inteiramente com o Hirsch também, contra outros autores, conforme está no livro do Moisés Silva e Walter Kaiser Jr, “Introdução à Hermenêutica Bíblica”. Porém, dizer “a compreensão da verdade muda” não dá no mesmo que dizer “a verdade muda”, pois a compreensão é subjetiva, é ‘nossa’, ou seja, nós é que mudamos – ou melhor: a verdade é que nos muda! O melhor exemplo disso, creio, está em Jó 42:5-6. Ou, mais simplesmente, a nossa compreensão muda também quando nos descobrimos equivocados a respeito de qualquer coisa.
2. Deus se revela a quem quer, quando quer e da maneira que quer, desde o princípio dos tempos e até os nossos dias. Evidentemente, se essas experiências vierem realmente dele, não vão contrariar em nada a sua própria Palavra – muito embora possam contrariar o entendimento que nós ou nossa Denominação tínhamos, ou pensávamos que tínhamos, dela (a “nova fonte de autoridade” seria o próprio Deus!). Lembremo-nos também que Paulo reclamava com seus leitores que “não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a meninos em Cristo”. É fato, porém, que o bom senso paulino é muito mais essencial do que êxtases, mas uma coisa não se opõe à outra. A prudência é a mãe de todas as virtudes, dizia Tomás de Aquino.
3. Concordamos, ou quase, neste ponto. O problema é a espiritualidade sem conteúdo teológico (correto) de tantos, o que leva a enganos terríveis – e não as visões e êxtases da grande Teresa de Ávila.
4. Não podemos comparar experiências místicas com a elaboração ou a (re)descoberta de doutrinas, porque estas são fruto de meditações e estudos árduos, um trabalho intelectual, ao passo que aquelas são supra-racionais - embora possamos ter visões sobrenaturais em meio a um trabalho mental, o que inclusive pode lançar novas luzes sobre o problema em que estamos debruçados.
5. De fato, é bobagem, no mínimo, pretender falar sobre Deus usando apenas poesia.
6. Novamente, você está quase totalmente certo. A mortificação corporal é basicamente uma expressão pessoal, e assim como não pode ser imposta a ninguém, também não pode ser proibida a ninguém. Ninguém era, nem é, obrigado a ser ou a permanecer monge. “Rasgar o coração” é uma metáfora, claro, mas será que é mais fácil rasgar o coração do que rasgar as vestes, ou mesmo se autoflagelar?
Finalmente, com "religião mística" quero dizer que êxtases, visões sobrenaturais de Deus ou do universo, e os dons do Espírito estão em princípio (e a critério do Pai) ao alcance de todos os cristãos – sem que isso seja algo obrigatório. Um excelente princípio, aliás, está no Salmo 131: “Não ando à procura de grandes coisas, nem de coisas maravilhosas demais para mim”. Porém, louvemos a Deus pelas suas maravilhas reveladas a seus escolhidos. E haja discernimento para “julgar as profecias”!
Talvez possamos descrever o misticismo bíblico-cristão desta forma: “União com Deus, realizada pela nossa participação nos sofrimentos de Cristo, vivida pelo Espírito, através dos sacramentos e da comunhão dos santos”.
Isso transcende todos os fenômenos extraordinários e, é claro, só se realizará plenamente com a morte dos que perseverarem até o fim.
Abraços,
Oswaldo
Oswaldo, querido.
ResponderExcluirAcho que você já entendeu minha posição e eu já entendi a sua. Será que vale a pena ficar repassando os argumentos e reafirmando aquilo que nós dois já afirmamos nos comentários anteriores? De qualquer forma, resolvi publicar seu comentário e fazer as minhas considerações finais. Pois é, privilégio de dono de blog é ter sempre a última palavra em seus posts!
Fico feliz que podemos concordar integralmente em várias coisas e concordar quase que totalmente (usando suas palavras) em outras.
Mesmo que você inicou seu comentário dizendo que não é expert no assunto, contudo a certa altura, comentando minhas posições, disse que eu estava quase que totalmente certo. Fiquei lisongeado...
Já ficou claro que nosso principal ponto discordante é quanto à definição de "mística". Para você, é êxtases, visões sobrenaturais de Deus ou do universo e os dons do Espírito (você não disse, mas presumo que se refere a línguas profecias, etc.). Eu discordo, pois não vejo isso na Bíblia. Em lugar nenhum os cristãos são ensinados que a espiritualidade consiste em ter essas coisas, desfrutá-las. Não são encorajados a buscá-las. Ao contrário, a mística bíblica é bem desse mundo, bem "mundana", por assim dizer. O misticismo bíblico pode ser resumir como uma vida de obediência à Palavra de Deus escrita, obediência esta gerada pelo Espírito em nossos corações, e que tem como alvo a semelhança de Cristo. Ele se mede e é dinamizado pelo fruto do Espírito, mencionado em Gálatas 5, e que não inclui nenhuma das coisas que você mencionou. Aliás, o amor é maior que êxtases, manifestações, profecias, segundo 1Coríntios 13. Veja Colossenses 2:18.
Acho que com isso nos entendemos perfeitamente -- isto é, um ao outro. Resta continuar a amizade apesar das divergências.
Um abraço.
Obrigado, Augustus! O mais importante é o amor, sempre.
ResponderExcluirGrande abraço!
Reverendo Nicodemus,
ResponderExcluirGostaria de parabenizá-lo e aos demais componentes do BLOG pelos artigos que têm sido postados, sempre muito pertinentes.
Minha oração é que o nosso Deus nos ensine a cada instante para que de fato sejamos suas testemunhas em todas as nossas ações.
A propósito enviei-lhe uma mensagem pelo endereço do "Terra" e retornou.Como faço para entrar em contato com o senhor?
Um grande abraço,
Sueli
Interessante seu texto, mas acho que há algum engano quanto aos místicos e a não possibilidade de falara diretamente com Deus.
ResponderExcluirAté onde compreendo, essa idéia de não falara ou poder nomear é para manter o próprio Deus fora de reduções que acabariam por definhar a experiência, seria uma tentativa de manter viva dentro delels mesmo a possibilidade de uma surpresa... Uma vez experimentado, Deus memso 'dita' o caminho... e isso ´que os distingue tanto do homem 'comum'...