O pensamento expresso por Dooyeweerd é complexo, mas, simplificadamente podemos dizer que ele os construiu sobre os conceitos já apresentados anteriormente por João Calvino (1509-1564) e, com bastante intensidade, na terminologia e e escritos de Abraão Kuyper (1837-1920). Em resumo, ele ensina que cada instituição criada por Deus (a família, a escola, o estado), possui uma área específica de autoridade e regência, ou seja, são esferas bem delimitadas e específicas.
Isso não significa que tais esferas sejam autônomas. Ainda que independentes, cada uma deve responder a Deus, o doador desta autoridade. A soberania de cada uma quer dizer que elas não devem usurpar ou interferir na autoridade da outra esfera. Cada uma dessas esferas, autoridades em si, é responsável por sua missão e pelas suas ações, na providência divina, perante Deus.
Por exemplo, no caso de uma escola cristã, ela deve entender que não usurpa a autoridade da família, nem da igreja. Muito menos substitui essas outras esferas, mas deve trabalhar conjuntamente, em colaboração e respeito. A esfera da escola, e nisso ela tem autoridade, é ministrar conhecimento, sendo responsável, perante Deus, de transmitir esse conhecimento reconhecendo o Criador em todas as áreas do saber.
Outro exemplo, ao estado não cabe legislar moralidade, mas sim trabalhar com base em princípios universais (que procedem de Deus), reprimindo as atividades criminosas, protegendo os indivíduos de uma sociedade - essa é a sua esfera legítima. No momento em que se imiscui na esfera da família, ou da igreja (postulando o que é certo ou errado), ultrapassa a sua "soberania". O estado não tem poder ilimitado, mas deve se reger sob uma estrutura específica, que emana da Graça Comum derramada por Deus sobre todos os homens.
Essa ação abrangente da Graça Comum de Deus, além de possibilitar a existência da sociedade, é que restringe, também, o pecado na humanidade e faz com que cultura de mérito e qualidade possa surgir nos mais diversos lugares e situações. Sobre isso, Dooyeweerd diz: “Deus, em Cristo mantém a estrutura de sua criação pela graça temporal preservadora”. Demonstrando um preciso entendimento bíblico, Dooyeweerd especifica que a Graça Comum de Deus é que “retém a completa demonização do mundo” e, como resultado, podemos observar em todas as partes “centelhas da glória de Deus, de sua bondade, verdade, justiça e beleza”, até nas “culturas idólatras” (Vernieuwing en Bezinning. Zutphen: J.B. Van Den Brink & Co., 1963, pgs. 36 e 39).
O trabalho de Dooyeweerd já foi abordado por várias obras. Uma das melhores é o resumo do seu pensamento escrito por J. M. Spier no livro, An Introduction to Christian Philosophy (Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1954), 155. Em português temos o seu excelente livro, No Crepúsculo do Pensamento Ocidental (The Twilight of Western Thought), traduzido e publicado pela editora HAGNOS, em 2010, com 304 pgs. e acabo de saber que a Edições Vida Nova publicou, agora em 2014, "Estado e soberania: escritos sobre cristianismo e política", do mesmo autor. Esses livros também podem servir para uma introdução ao pensamento desse grande filósofo cristão, que nos demonstra como a doutrina cristã é para ser testemunhada, vivenciada e experimentada em todas as áreas de nossa vida - incluindo o intelecto.
Solano Portela
Prezado Pr. Solano, saúde!
ResponderExcluirExcelente postagem.
O senhor sabe informar se a obra do filósofo em comento conclui quanto a reciprocidade das definições por ele feitas?
Pois, concordo plenamente com o conceito de que não cabe ao Estado definir moralidade, apesar de ser esta uma das pretensões dos ateus ativistas.
Sendo verdadeira a recíproca neste ponto, também entendo que não é papel da igreja se imiscuir nas funções do Estado, tal qual a ICAR fez e faz há muito tempo.
A laicidade do Estado deve ser objetivada, garantindo-se a ampla liberdade, nos limites da própria regência do Estado (leis), tendo em vista a diversidade de pessoas, cultura e valores, em cada época.
Abs, JD
Graça e Paz Pb. Solano.
ResponderExcluirEstava a procura desse livro e seu respectivo autor. Excelente post, muito grato mesmo. Grande abraço!
Prezado Prof. Solano, saúde!
ResponderExcluirEscrevi comentários sobre o tema, com proximidade ao artigo em comento, quando da ocasião da discutida decisão do juízo federal no RJ que não considerou o candomblé como religião.
Analise e verifique se pode deixar o link nos comentários.
Shalom, João.
http://profjoaodamasceno.blogspot.com.br/2014/05/juiz-diz-que-umbanda-e-candomble-nao_20.html#comments
Muito bom!
ResponderExcluirComo delimitar cada esfera da sociedade a partir das Escrituras somente se nem um corpo de doutrina fundamental se consegue estabelecer dentro da própria igreja ? O que determinaria por exemplo o conceito de família em relação a procriação? O ato conjugal tem como finalidade o prazer ou a procriação? Se é o prazer qualquer relação sexual é válida e portanto a fidelidade conjugal não é necessária pois se obtém prazer fora da relação conjugal, se não é o prazer mas sim a procriação qualquer método contreceptivo se torna pecaminoso logo é impossível se obter uma visão coerente do assunto sem levar em conta a teologia natural como fez Sto.Tomás de Aquino, enfim a soberania das esferas é mais uma bobagem calvinista que só possui uma coerência lógica mas não real , um simples ente de razão sem correspondência com a realidade
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