CRISTIANISMO NA UNIVERSIDADE (24)
Sal da Terra e Luz do Mundo
“Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser
insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado
fora, ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a
cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la
debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na
casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as
vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5.13-16).
Essas famosas palavras de Jesus aos seus discípulos no Sermão do Monte têm
sido entendidas pelos cristãos como um imperativo para influenciarem o mundo
através do Evangelho, da mesma forma que o sal e a luz influenciam e
transformam os ambientes onde penetram.
Provavelmente, nenhum outro movimento cristão na história melhor compreendeu
esse mandato do que a Reforma protestante ocorrida no século XVI. A Reforma não
foi somente um movimento espiritual e eclesiástico. Teve também aspectos e
dimensões políticas e sociais.
Os Reformadores deram atenção aos problemas sociais de sua época. Eles
se esforçaram para entender qual deveria ser o papel da Igreja cristã na
reconstrução de uma sociedade justa que refletisse a vontade de Deus em termos
de justiça social. Essa questão (que era essencialmente teológica) era
extremamente aguda para os Reformadores, particularmente pelo fato de viverem
numa época e numa situação de grandes problemas sociais.
Os Reformadores eram acima de tudo pastores,
teólogos, homens da Igreja. Não eram políticos, ativistas sociais, mas
essencialmente pastores e estudiosos das Escrituras. Seu pensamento social
desenvolveu-se dentro da estrutura de seus pressupostos teológicos e bíblicos.
Eles construíram sua teologia social a partir da sua convicção de que Cristo é
Senhor de todos os aspectos da vida humana, e de que a Palavra de Deus deve
regular todas as áreas da vida. Por esquecerem este ponto, alguns acabam
representando erroneamente as ideias sociais dos protestantes reformados, bem
como os motivos que os levaram a se envolver com atividade social na sua época.
Fundamental para entendermos o pensamento
dos Reformadores nesta área é termos em mente que para eles as causas da
pobreza, miséria e a opressão, bem como da perversão e da corrupção da
sociedade humana, estavam enraizadas na natureza decaída do homem, que por sua
vez. O caos econômico é causado pela ganância dos homens, e pela incredulidade
de que Deus haverá de nos suprir as necessidades básicas, conforme Cristo nos
promete em Mateus 6.
Um princípio que norteava a teologia social
dos Reformadores era que o Cristo vivo e exaltado é Senhor de todo o universo.
Portanto, a obra de restauração
realizada por Cristo não se limita apenas à nova vida dada ao indivíduo, mas
abrange a restauração de todo o universo — o que inclui a ordem social e
econômica.
Mas, os Reformadores eram homens de ação e
não somente de discurso. Tomemos como exemplo a ação de Calvino em Genebra.
Persuadido por Guilherme Farel, Calvino se deixa ficar em Genebra para auxiliar
nas reformas necessárias. Logo ficou claro que, para ele, isto incluía ir além
das reformas eclesiásticas. O Hospital Geral, fundado por Farel, dá assistência
médica gratuita aos pobres, órfãos e viúvas, com médicos de plantão pagos pelo
Estado. É criada a primeira escola primária obrigatória da Europa. Os refugiados
chegados a Genebra recebem treinamento profissional e assistência médica e
alimentar, enquanto se preparam para exercer uma profissão. Os pastores
intercedem continuamente diante do Conselho de Genebra em favor dos pobres e
dos operários. O próprio Calvino intercedeu várias vezes por aumentos de
salários para os trabalhadores. Os pastores pregavam contra a especulação
financeira, e fiscalizavam parcialmente os preços contra a alta provocada pelos
monopólios. Debaixo da influência dos pastores, o Conselho limita a jornada de
trabalho dos operários. A vadiagem é proibida por leis: vagabundos estrangeiros
que não tem meios de trabalhar, devem deixar Genebra dentro de três dias após a
sua chegada. E os vagabundos da cidade devem aprender um ofício e trabalhar,
sob pena de prisão. O Conselho institui cursos profissionalizantes para os
vadios e os jovens, para que eles possam entrar no mercado de trabalho.
E finalmente é digno de nota que havia uma
vigilância da parte de Calvino e demais pastores de Genebra contra a má
administração pública. Houve inclusive o caso de um funcionário corrupto que
foi despedido por influência de Calvino.
Os Reformadores levavam uma vida modesta,
apesar de todo o seu prestígio e influência. Na prática, procuraram viver
intensamente os princípios que defenderam em sua teologia social. A sua
influência estendeu-se além do seu tempo. A influência do pensamento social da
Reforma ficou patente na Confissão de Fé de Westminster e nos dois catecismos
adotados pelas igrejas presbiterianas no mundo. A exposição no Catecismo Maior do sexto mandamento, “Não
matarás”, inclui como deveres exigidos “... a justa defesa da vida contra a
violência... o uso sóbrio do trabalho e recreios ... confortando e socorrendo
os aflitos, e protegendo e defendendo o inocente”. Como pecado, são incluídos “...
a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação
da vida... o uso imoderado do trabalho... a opressão... e tudo que tende à
destruição da vida de alguém”.
No Brasil o pensamento protestante reformado
quanto às questões políticas, econômicas e sociais ainda é grandemente
desconhecido, muito embora sua influência seja perceptível na fundação de
escolas e universidades de natureza confessional protestante.