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domingo, janeiro 15, 2006

Ortodoxia e Fé, Liberalismo e Misticismo

Aproveitando o post do Augustus, sobre liberalismo, aproveito a deixa para falar do assunto perguntando: Existe diferença quando um Ortodoxo usa a palavra 'fé' e um liberal ou neo-ortodoxo a usa? A resposta é óbvia e a diferença é abismal. Quando um 'crente na Bíblia' usa a palavra fé e diz que a tem, sabe dizer, com objetividade, de onde vem a fé que diz ter, sabe propor esta fé com palavras e tem a coragem de proclamá-la com clareza aos que Deus coloca no seu caminho, mostrando a fonte.

Mas, e o liberal ou neo ortodoxo (neoliberal?), como pode dizer de onde vem a sua fé? Não pode! Não crêem que Deus se revelou de maneira objetiva e nem têm certeza de como é esse deus, afinal, a 'revelação' deste deus no qual acreditam é totalmente subjetiva e só pode ser conhecida, individualmente, no interior do homem. Logo, não podem ter a menor condição de afirmar que o Deus, ou deus em que crêem é o mesmo deus da pessoa ao seu lado. Quando usam a palavra fé, que não é a fé objetivamente revelada nas Escrituras, tornam-se místicos. O que estou querendo demonstrar é que liberalismo e misticismo, tem tudo a ver, não importa a roupagem que use.

Vejam, por exemplo, o caso de David Friedrich Strauss, considerado o precursor da 'nova era' no criticismo bíblico e pai do liberalismo teológico entre os alemães, no sec. XIX. Strauss gastou a sua vida acadêmica toda trabalhando minunciosamente sobre o Novo Testamento, passagem por passagem, usando o grego e os estudos comparativos para 'comprovar' que o texto deveria ser lido como mito e não como história. Seu principal alvo era encontrar os mitos 'fundantes' do material do NT e libertar o cristianismo da leitura dos literalistas. Para Strauss os relatos do Evangelho são uma concha para um conceito religioso. Ao mesmo tempo em que buscava libertar o cristianismo do literalismo estava destruindo o conceito de fé objetiva e entregando o cristianismo ao misticismo. Strauss insiste, por exemplo, que "O nascimento sobrenatural de Cristo, seus milagres, sua ressurreição e ascensão, permanecem como verdades eternas, sejam quais forem as dúvidas que recaiam sobre sua realidade como fatos históricos" (The Life of Jesus Critically Examined).

Mas o que é que pode dar um mínimo de certeza da realidade espiritual destas coisas se não correspondem a algo que aconteceu na história e não se tem a menor certeza de que o Deus da própria Bíblia as revelou? Mal sabemos que há uma casta de iluminados, que tem uma inteligência maior, superior, que 'sabem' estas coisas. Os que as escreveram eram do mesmo tipo, sejam indivíduos ou comunidades, que tinham o 'espírito' e deixaram este legado para que os que ainda não chegaram lá tivessem alguma chance de encontrar esta 'verdade espiritual. '

Qual a diferença de uma concepção religiosa como esta e qualquer outra concepção mística? Na essência, nenhuma. O liberalismo, seja com que roupa aparecer, é uma porta aberta para o misticismo e, consequentemente, para padrões morais anti-bíblicos (com isto não quero dizer que todo liberal é imoral). É por isto que a igreja liberal alinha-se com causas biblicamente imorais e politicamente corretas. E os liberais no meio da igreja ortodoxa? Ou ficam quietinhos para manter a segurança de seus salários ou usam de expedientes que encontram para dizer que os demais são 'obscurantistas', ainda precisam ser iluminados.

Em outro post pretendo mostrar como este misticismo acabou também nas praias pentecostais... mas isto é depois...

14 comentários:

  1. Estimado irmão tenho por você e os demais profundo respeito e apreço, principalmente pela defesa da Fé Reformada. Mas discordo de suas posições quanto a mística (penso que se refere a cristã por conta do contexto). Se não fosse esse anseio (místico) da alma humana que necessita de um encontro íntimo com seu Criador, não seriam as palavras que nos trariam o sentido do existir. Segundo Thomas Merton: "a contemplação infusa constitui um meio poderoso de santificação e está intimamente ligada ao amor puro e perfeito de Deus,que representa a maior dádiva de Deus à alma". O que dizer de homens (místicos) como Henri Nouwen, James Houston, Richard Foster, Eugene Peterson, Ricardo Barbosa e tantos outros que nos edificam com ensinos profundos da mística(espiritualidade) cristã? Não coloquemos a mística cristã ao lado dessa estranha religião chamada liberalismo. Assim como resgatamos o lado bom dos puritanos, resgatemos também a boa espirutualidade do deserto.

    Um forte abraço fraterno!

    rev Raniere

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  2. Prezado Raniere, o que estou tentando fazer no post é exatamente mostrar a diferença entre espiritualidade BÍBLICA e o misticismo do liberalismo. A espiritualidade bíblica é sadia, verdadeira, corresponde ao que a Escritura ensina... a 'espiritualidade' do liberalismo é misticismo, como qualquer misticismo. Se não fui claro, me perdoe. Meu ponto, afinal, é que misticismo é crer sem a Escritura. Em lugar nenhum eu desprezei a verdadeira espiritualidade! Sem Escritura, até Djavan é crente: "andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar"
    Abs

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  3. Pastor Mauro,

    um bom texto para se entender o que é fé subjetiva é "A dinâmica da fé" de Paul Tillich ed. Sinodal. Para eles a fé é cega, uma entrega a algo que não se sabe exatamente o que, porque não crêem na revelação.

    Outro bom texto para saber o que é fé, porém fé objetiva (o famoso texto de Hebreus 11:1) é a Bíblia Sagrada, nossa regra de fé e prática.

    Os liberais e neo-liberais dizem que tem fé na fé, porém o que é fé para eles? (vide a idéia de Tillich de um Deus impessoal)

    Os ortodoxos tem fé em um Deus pessoal e soberano que se relaciona com a criação e se revela nas Escríturas.

    Oxalá os liberais sejam sinceros com eles mesmos!

    Quanto aos autores citados pelo colega acima, creio que todos são saudaveis menos Henri Nouwen, porque embora suas idéias sejam muito bonitinhas e confirmada por textos das Escríturas, ele era neo-liberal e universalista, mas isso não fica claro em seus livros porque ele trabalha espiritualidade e não doutrina/teologia.

    Prefiro os puritanos que não separavam uma da outra, rs. (Espiritualidade Bíblica como Pastor Mauro escreveu).

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  4. Querido Irmão muito obrigado por sua atenção e gentileza em me esclarecer seu ponto de vista.

    Esse tipo de diálogo contrói pontes e admiração nas relações, especialmente naqueles que tem o compromisso de defender e ensinar a Fé Reformada. Talvez não fosse necessário, mas gostaria que o irmão soubesse que estou ligado a Organização "Reform" na Inglaterra.

    Saudações fraternas,

    Raniere

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  5. Pastor Mauro,
    Desculpe-me, mas, por gentileza, esclareça-me o sentido da frase "O Tempora, o Mores!"
    É que já pesquisei e não encontrei seu significado.
    Obrigado!

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  6. Mauro,

    Com sua permissão, vou postar aqui um parágrafo de meu livro A Bíblia e seus Intérpretes que fala de F. Schleiermacher, considerado o pai do liberalismo protestante. Veja só:

    "É importante mencionar, em conjunto com a hermenêutica de Schleiermacher, a sua teologia. Para ele, religião era simplesmente “o sentimento e o gosto pelo infinito” e consistia primariamente nas emoções. A experiência humana marcava os limites do que se podia especular acerca da realidade. O essencial do sentimento religioso é o senso de dependência de Deus, que produz consciência ou intuição da sua realidade. Fé e ação eram coisas secundárias. Portanto, na adoração religiosa as pessoas não encontram nada além de si mesmas. O sentimento religioso é algo universal, isto é, cada ser humano é capaz de experimentá-lo. É esse sentimento que dá validade às experiências religiosas.
    A partir deste conceito, Schleiermacher fez uma profunda revisão nas doutrinas cristãs tradicionais, e o resultado foi um novo tipo de religião, não o cristianismo. O “novo” cristianismo proposto por Schleiermacher usava termos consagrados como redenção, salvação, perdão, reconciliação — mas com um conteúdo completamente diferente. Religião (e o cristianismo, obviamente), nas mãos de Schleiermacher, tornou-se uma experiência puramente subjetiva.
    Schleiermacher abriu o caminho para a concepção liberal posterior de Jesus como um homem divinamente inspirado, que tinha uma alta consciência divina. Para os liberais, que seguiram o pensamento de Schleiermacher, o que fazia de Jesus uma pessoa especial não era sua pretensa divindade, mas a sua profunda experiência de dependência de Deus. Schleiermacher também abriu o caminho para hermenêuticas centradas no leitor, que tem como um de seus princípios o conceito de que a verdade é relativa e que reside em cada um de nós."

    Seu post é muito pertinente e esclarecedor. Mostra como alguém pode ser liberal e ao mesmo tempo religioso.

    Um abraço.

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  7. Prezado Anônimo... imagino que seja o Raniere...

    Ó tempora, ó mores! é uma frase de Cícero que siginifica, Que tempos, que costumes! Está bem abaixo do título do blog...
    abs
    Mauro

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  8. Olá Juan,

    A expressão 'fé na fé' e uma das chaves nisso tudo. Os liberais crêem na fé, no eu divino e mais uma pilha sem fim de de convicções que não passam de idolatria, a quebra dos dois primeiros mandamentos. A diferença é que são mais sofisticados intelectualmente do que aquele que adora uma estátua... mas é só sofisticação para a mesma velha idolatria. Os chamados 'templos do saber' são uma manifestação da idolatria do ego...

    Por outro lado, a 'fé na fé' é também uma manifestação mística que explica bem a forma como alguns pentecostais e neo-pentecostais praticam a sua religião (veja que usei a expressão alguns...). Dai o likn entre uma coisa e outra.

    abs

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  9. Augustus,

    Já observou a tendência que existe para a prática religiosa liberal. Como não há objeto da fé, o ritual pode se tornar um bom substituto para o liberal clássico. Já os pentecostais (em geral... não quero soar dogmático) substituem a fé bíblica pela adrelina...

    abs

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  10. Pastor Mauro,

    sim realmente alguns pentecostais e neo-pentecostais também caminham numa hermenêutica experimental e subjetiva em detrimento de uma fé objetiva como revelação nas Escríturas Sagradas.

    Amado Rev. Raniere,

    que legal que vc defende os princípios da reforma. Uma organização da Inglaterra, hum.....só se deliciando com Baxter, Owen e outros. É muito necessário e abençoador saber que o amado é ligado a um orgão reformado sim (risos). Eu gosto dos autores de espiritualidade, porém quando li Nouwen gostei mas vi os seus pressupostos, por isso dei o alerta, os outros não vi problemas, embora não conheça Foster e sei que Peterson usa o método histórico-crítico, mas não usa em suas obras.

    Abração para todos!

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  11. Raniere,

    vc é anglicano? Eu já ouvi falar de um Raniere daí do nordeste ligado aos puritanos.

    Como um batista reformado sou amigo dos pastores reformados de Caruaru e Pernambuco e já andei pregando nessas igrejas por ai.

    Se puder me escreva em pvt: juancalvin@gmail.com ou no blog, acho que temos amigos em comum, será legal fazermos contato e ai a gente para de pertubar Mauro, Augustus e outros por aqui (risos).

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  12. Querido Rev. Mauro,

    Sinto-me honrado por Deus trazer-me a este espaço e poder refletir algumas coisas sob a pespectiva reformada,ademais em se tratatando de Liberalismo e Misticismo, fato é que este último termo acaba se confundindo com espiritualidade e esta engloba toda sorte de religiões. como bem Explicado pelo o irmão a Espiritualidade bíblica é sã e boa, disso não tenho dúvidas, mas gostaria de levantar uma questão que talvez os amados não tenham ponderado ainda , ou se foi ainda está amadurecendo... o misticismo que se desenvolvel no brasil nos últimos anos ganhou uma roupagem à moda "confissão positiva", os místicos descobriram um caminho que a Ortodoxia não trilhou, ou seja, eles se tornaram a "religião" do povão, através de um esquema bem bolado e copiado dos EUA, usaram o rádio, a televisão, caompraram jornais, editoras e disseminaram sua "teologia", o resultado disso é o que vemos brasil a fora... minha pergunta é: O povão é culpado por isso? penso que não, pois eles não tiveram um parâmetro pelo qual pudessem medir a teologia que lhes eram apresentadas, ou seja, "se não há conhecimento o povo perece!" e se o povo só recebe de uma fonte, como poderiam discernir entre o certo e o errado? penso mais uma vez que os reformadores foram "omissos" nesse quesito, se houvesse naquela época um alerta para esse fato e os reformados tivessem apresentado ao povo uma teologia Pura, ao menos podríamos dizer: "Foi-lhes apresentada a VErdade e optaram pela mentira"...bem, é isso! espero que tanha entendido o que gostaria de falar, se não o fiz com clareza, debite isso a pouca acuidade intelectual deste pupilo que vos fala! com todo o respeito, Lindemberg!

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  13. Interessante perceber nesse post de que forma o subjetivismo moderno, que inunda toda a filosofia especialmente desde o século XVIII, é encontrado em sua vertente teológica. Interessante e triste. São autores que, sem se darem conta, aleijam a realidade da fé ao despojá-la de seu caráter objetivo e histórico. A modernidade gosta mesmo de absolutizar o subjetivo e renegar o objetivo, o geral, o universal. Desse modo, a noção mesma de "verdade" desaparece, e "Deus" vira um símbolo interior, não uma Pessoa com existência autônoma. A interpenetração de teologia e pensamento moderno só significa uma coisa: a morte da fé, ainda que lenta, como no caso dos pastores que não assumem seu liberalismo.

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  14. Tarcizio, Lindoberg, Norma... e outros... perdoem a falta de resposta, mas estou em viagem e sem boas conexões... fico devendo uma resposta!!!

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