O texto abaixo é do Rev. Dr. João Alves dos Santos, professor do Centro Presbiteriano de Pós Graduação Andrew Jumper. Por sua relação com uma questão bem contemporânea, bem como pelas considerações éticas pertinentes que ele levanta, está sendo publicado neste espaço, sob permissão do autor. O Rev. João Alves, que além de sua formação pós-graduada como teólogo, possui bacharelados em advocacia e letras, é um dos grandes eruditos brasileiros na área de Novo Testamento.
Refletindo sobre a ética futebolística e o caso Zidane
“Foi um jogo dramático, como todo final de Copa, com muitos heróis, mas nenhum tão presente em lances decisivos quanto o já experiente Marco Materazzi, 33 anos, defensor da Inter de Milão... Na sua terceira intervenção valeu a malandragem, a provocação - e o experiente Zidane, já coberto de louros, fazendo o último jogo de sua carreira, caiu. Eram 5 minutos da segunda fase da prorrogação, e os dois tiveram um atrito em uma disputa de bola. Materazzi saiu desfiando xingamentos - segundo o "Fantástico" da TV Globo, teria chamado de prostituta a irmã de Zidane, entre outras baixarias - e o francês se descontrolou. Voltou-se subitamente, deu-lhe a cabeçada fatal. O quarto-zagueiro caiu de modo exagerado, tornando ainda mais indefensável a agressão”. É como analisa Luís Augusto Mônaco, em artigo no Estado de São Paulo de ontem (10/07/2006) sob o título “Materazzi, o reserva que decide”.
“Na sala de imprensa em Berlim, Zidane, de 34 anos, era muito mais falado do que os personagens campeões. Por que teria agredido o adversário daquela forma? De acordo com Domenech, ele provavelmente foi ofendido. Essa era a única explicação para sua atitude. Mas, claro, nada justifica o que fez. Jornalistas e torcedores franceses não acreditaram no que viram. E a maioria colocou Zidane como o grande vilão da final. ´Ele não poderia ter feito aquilo de jeito nenhum, mesmo que tivesse sido xingado pelo Materazzi, foi uma atitude impensada’ , opinou David Opoczynski, repórter do Le Parisien”. É o que disseram Eduardo Maluf, Wilson Baldini Jr. em matéria denominada “Zidane perde a esportiva”, na mesma edição.
A repercussão do fato foi grande porque Zidane era considerado um jogador disciplinado e exemplar – um gentleman. Só uma ofensa muito grave “o teria tirado do sério”, diziam comentaristas e articulistas. Conforme as notícias de hoje (11/07/06) “de acordo com comunicado oficial divulgado pela Fifa, a entidade ´vai abrir uma investigação disciplinar sobre a conduta de Zidane para tornar claras, da forma mais exata possível, as circunstâncias que envolvem o incidente’. O comunicado é uma resposta à enorme repercussão que o caso teve, com insinuações de que Materazzi teria proferido palavras de cunho racista em alusão à origem argelina de Zidane - nascido em Marselha (França), o craque é filho de pais provenientes do país africano. Ontem à noite, Materazzi admitiu ter insultado o francês, que teria esbanjado "arrogância", mas não revelou o conteúdo de suas palavras, dizendo que proferiu "um insulto desses que se ouvem dezenas de vezes e que geralmente nos escapam no gramado" (texto “Fifa abrirá investigação disciplinar sobre o caso Zidane” do site Uol de 11/07/06 e Gazzetta dello Sport). O mesmo site, no artigo intitulado “Materazzi admite insulto ao ´arrogante’ Zidane”, traz a admissão de Materazzi: “Zidane estava muito arrogante e o insultei”. Só não especificou qual foi o insulto.
O que fica demonstrado nesse episódio é que ofender verbalmente durante uma partida de futebol pode, de acordo com a ética futebolista. O que não pode é revidar fisicamente. Materazzi foi considerado um herói por alguns da imprensa não só porque jogou bom futebol mas porque também conseguiu desestruturar com xingamentos e ofensas pessoais o seu adversário, causando a sua expulsão. A expulsão, como é opinião geral, desestruturou também toda a equipe da França, que jogava melhor e tinha chances de vencer a copa. “Valeu a malandragem”, como disse o articulista acima citado.
Outro ponto a ser considerado é que enquanto os xingamentos estavam sendo considerados como daqueles que envolvem “apenas” a honra da família (no caso a da sua irmã), nada de grave parecia haver. Era, como disse o próprio “herói” Materazzi, “um insulto desses que se ouvem dezenas de vezes e que geralmente nos escapam no gramado” Mas quando surgiu a hipótese de a ofensa ser de natureza racial, então a Fifa resolveu investigar.
De acordo com essa ética, não é grave chamar a irmã de alguém de prostituta, se essa foi mesma a ofensa. O que é grave é chamar alguém de terrorista (supõe-se que este tenha sido o xingamento de conotação preconceituosa, já que Zidane é filho de argelinos). Esta é a ética da Fifa e da imprensa, em geral.
Não parece muito diferente da ética que algumas vezes encontramos na igreja, infelizmente. Só é grave e punível aquilo que transparece aos olhos da platéia, os pecados públicos, os que “estragam o espetáculo”. As ofensas que dizem respeito ao relacionamento pessoal, como difamação, desprezo, orgulho e outras ("dessas que se ouvem dezenas de vezes e que geralmente nos escapam no gramado"), essas podem passar despercebidas. Mas são essas, muitas vezes, as que tiram os “zidanes espirituais” do sério e provocam a sua expulsão.
João Alves dos Santos
Caro Solano,
ResponderExcluiresse texto faz-me lembrar o episódio da demissão de Jonathan Edwards em sua igreja, quando disciplinou jovens por questões de imoralidade e deixou de servir a ceia do Senhor aos não crentes, qual escrevi em algumas postagens atrás lá no blog.
Legal essa percepção do pastor em que só é punido o erro que expõe e não o erro dos bastidores, só se disciplina a irmã que engravidou antes do casório e não o líder que oprimiu o fraco na fé para viabilizar seus projetos pessoais e alimentar seus ídolos pessoais gerados por egocentrismo.
Como diz Blaise Pascal: "a verdaderia moral zomba da moral".
Deus o abençoe irmão e lhe aguardamos ansiosamente aqui na igrejinha em setembro (Franklin me disse que pregará aqui).
Caros Juan e Sílvia:
ResponderExcluirVou referir estes e demais comentários ao Rev. João, para suas considerações. Obrigado.
Juan - estou agendado para estar com os irmãos nos dias 16 e 17 de setembro - só aguardando a confirmação e os detalhes do Franklin.
Abs
Solano
Olá Solano
ResponderExcluirParece que existem alguns tipos de "erros" que se tornam os pecados capitais....sabemos muito bem quais são....
Quem nunca viu alguém lá na frente pedindo perdão porque fez uma dessas cabeçadas a la Zidane..
Ora é visível e condenável...
Ora quem não gosta de se eximir e se justificar com as cabeçadas alheias???? Ora quem é o culpado??
Isso é de praxe em nossas igrejas....
Enquanto que nos bastidores reina a hipocrisia, e outros "erros", tidos como menores, e chegam a ser piores, pois difamam o caráter, orgulhos e mais orgulhos, materialismo e mais materialismo, fofoca e mais fofoca.....
Inimizades e mais inimizades...
Secularismo e mais secularismo....
Pergunta......em sua opinião Solano qual é a razão e explicação para essa situação tão comum, olhar apenas as cabeçadas a la Zizou....
Abraços
JP
Agradeço ao Solano a gentileza de publicar este meu modesto texto e, agora, o privilégio de interagir com os irmãos e amigos que se beneficiam, como eu, deste valioso blog.
ResponderExcluirAgradeço ao Juan, à Sílvia e ao JP pelos comentários. Confesso que fiquei indignado com a hipocrisia com que esse caso Zidane foi tratado e achei que ele poderia servir para ensinar lições para nós próprios, no trato das questões eclesiásticas.
Por que não nos indignamos também com as ações (às vezes invisíveis e inaudíveis) que provocam as reações "escandalosas" na igreja? Ou por que valorizamos mais alguns tipos de ofensas do que outros? É verdade que a visibilidade das cabeçadas(pecadões)é maior do que a dos xingamentos (pecadinhos), mas muitas vezes o poder de destruição destes últimos é maior e mais danoso. Acho que a resposta é mesmo nossa hipocrisia religiosa.
Aliás, gostaria de pedir licença para acrescentar alguns comentários àquele texto (um follow-up). Segundo matéria do Uol de ontem (12/06), sob o título "Zidane diz que Materazzi xingou mãe e irmã", Zidane disse que não se conteve porque o italiano disse "coisas muito pessoais que afetavam minha mãe e minha irmã. Quando você escuta uma vez, vai embora. E foi o que fiz. Mas quando ele continuou dizendo, duas, três vezes... As palavras me atingiram no que há de mais profundo. Antes de tudo sou um homem e preferia ter recebido um soco na cara, afirmou".
Outra coisa que ele disse para a qual precisamos estar atentos é que "as palavras, às vezes, são mais duras do que os gestos, mas todos prestam atenção apenas à reação. Claro, o que fiz tem de ser punido. Mas se não há uma provocação, não pode haver uma reação. É necessário castigar o verdadeiro culpado e o culpado é quem provocou. Vocês acham que numa final de Copa do Mundo, quando faltam dez minutos para minha aposentadoria, eu faria um gesto desses porque me causa prazer?"
Estamos cansados de saber isso, mas nem sempre nos preocupamos com o que dizemos - só com o que fazemos.
Outro ponto daquela matéria veiculada pelo Uol que causa espanto é que, como a ofensa não foi de natureza racista, a Fifa nada pode ou nada quer fazer. Zidane negou que a ofensa tenha sido dessa natureza. Por conseguinte, a matéria diz: "Como o insulto não foi de teor racista, o resultado da Copa do Mundo não pode ser questionado"
Não tenho qualquer interesse em ver mudado o resultado da Copa, mas me preocupa a ética do raciocínio que está por trás disso.
O insulto, então, só não pode ter teor racista, na ética do futebol? O resto pode, até xingar a mãe e a irmã? E a reação, se houver, tem que ser também de natureza moral, não física? A integridade física, de acordo com esse critério, vale mais que a integridade moral? Acho que estamos perdendo os valores éticos, como cidadãos (os brasileiros que o digam) e, o que é pior, às vezes como igreja. Infelizmente.
Mais um ponto, agora em particular à Sílvia, que conhece até o meu apelido. Só pelo prenome não pude identificá-la. Vc poderia incluir seu sobrenome? Acho que seria o bastante para identificá-la. Mas fico feliz por encontrar aqui alguém mais próximo dos meus "velhos tempos", só que, certamente, bem mais "jovem" do que eu.
Abraços,
João Alves
Que prazer, Silvia! Bastaria esse seu sobrenome "Krentzenstein" (que me evoca saudades de um grande amigo, seu pai)para identificá-la.
ResponderExcluirAbraços, e desculpem a nota pessoal.
João Alves
João;
ResponderExcluirBRAVO!
Continuo a aprender contigo.
ab
Fôlton
Na verdade, a ênfase ai está posta no julgamento. Só há discussão em termos do que julgar. O escritor está preocupado com a desvalorização dos xingamentos relacionados à moral das mães e irmãs e a valorização do xingamento relacionado ao racismo. Mas, uma vez decidido esse detalhe, o jogador mal-criado tem que ser julgado e mais rigorosamente que o agressor Zidane e sua cabeçada argelina, pelo que entendi.
ResponderExcluirTalvez, uma voz pastoral pudesse deter-se em algo como o perdão para os dois pecadores em questão.
Caros irmãos,
ResponderExcluirO noticiário do Globo Esporte informou que tanto Zidane como o jogador que xingou foram multados. Zidane, foi penalizado em 12 mil reais e ainda terá de prestar serviços à comunidade. O outro jogador terá foi multado em 9 mil reais e está suspenso de duas partidas.
Apesar de tardia, achei justa a punição de ambos. Lamentavelmente desonrar a família não foi considerado grave a ponto de merecer um cartão vermelho.
Prezados:
ResponderExcluirFolton,
Obrigado por sua intervenção generosa e, mais do que isto, modesta, como é sempre sua característica. Sinto falta de nossas agradáveis confabulações.
Lou,
De fato, o propósito do texto foi abordar apenas a questão dos diferentes valores éticos que foram dados a esse episódio, sem entrar na questão pastoral. Procuramos avaliar os conceitos éticos da Fifa e da imprensa, como entidades, e não dos jogadores envolvidos, como pessoas físicas, fazendo uma relação com o que às vezes encontramos na igreja, também como entidade. Nesses casos, não se poderia falar em perdão, mas em disciplina, pois o foco do texto não estava no relacionamento pessoal, mas no institucional.
Charles,
Concordo com você. Ambos mereciam o cartão vermelho. Mas ainda que tardiamente, o outro também foi punido (ainda que não com o mesmo rigor), talvez devido ao clamor popular. Isso mostra que não se conformar com injustiças produz efeitos.
Obrigado pelos comentários,
João Alves