O Mackenzie lançou na terça-feira dia 10 de março a décima segunda edição da sua Carta de Princípios anual. Este ano o tema escolhido foi "Universidade, Educação e Corrupção". A Carta é elaborada pela Chancelaria da Universidade e distribuída a todos os alunos, professores e funcionários. Ela funciona como uma posição institucional sobre os assuntos abordados.
O texto de todas as Cartas está disponível na página da Chancelaria do Mackenzie.
Segue abaixo o texto da Carta 2012 na íntegra:
INTRODUÇÃO
Um dos
temas que tem dominado o cenário brasileiro em anos recentes é a questão da
corrupção. O termo tem sido usado pela mídia e população em geral para se
referirem ao desvio de dinheiro público, irregularidades graves no emprego de
verbas governamentais, desvio de funções para vantagens pessoais por parte de
servidores públicos, falseamento da verdade para ganhos ilícitos, acordos
subterrâneos e pactos ocultos, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e
outras atitudes e atividades ilegais, imorais e injustas.
Diante
desse cenário, é importante destacar o entendimento cristão quanto às causas e
consequências da corrupção, bem como as atitudes possíveis de combatê-la. Esse
é o tema desta Carta de Princípios 2012 da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
CORRUPÇÃO:
ORIGENS E ASPECTOS
Definindo
a corrupção
O sentido
próprio do termo é deterioração ou apodrecimento. Os sentidos secundários
derivam dessa ideia original. Toda vez que alguém deixa de cumprir o seu dever
estabelecido diante de pessoas, instituições e até mesmo ideais - por interesse
próprio ou de terceiros - ocorre a corrupção.
Quase
sempre associamos a corrupção aos ambientes estatais. Já em 2005, conforme
notícia publicada no Financial Time, o então presidente da Controladoria Geral
da União do Brasil, Waldir Pires, afirmava que mais de 20% dos gastos públicos
no país são perdidos para a corrupção, o que, somente em 2004, correspondeu a
mais de R$ 18,5 bilhões. A mesma reportagem dava conta de que, em auditorias
realizadas pela CGU em 741 dos 5.500 municípios brasileiros, escolhidos
aleatoriamente, foram descobertas irregularidades graves em 90% deles e algum
tido de irregularidade em todos eles.(1) Os números atuais da corrupção
certamente superam esses dados.
Todavia,
a corrupção ocorre também na esfera particular. Há práticas corruptas ao nosso
redor, inclusive em nossas próprias ações. Por exemplo: existência de “caixa
dois” em empresas, uso de pessoas como “laranjas” em negócios irregulares,
compra e venda de produtos pirateados, uso de “softwares” baixados sem
permissão dos seus proprietários, pedido e/ou concessão de notas em atividades
escolares, com base em amizades ou outra forma de relacionamento. Por isso, o
conhecido “jeitinho” brasileiro é, em uma análise objetiva e séria,
simplesmente corrupção.
Os
efeitos da corrupção
A
corrupção pode parecer ter um lado bom, especialmente para os aparentemente
“beneficiados” por ela, contudo não podemos fechar os olhos para o grande mal
que ela traz para a sociedade. A corrupção é fator de injustiça social, porque
tira os direitos de muitos, impede o desenvolvimento justo e equânime dos
cidadãos, produz um efeito cascata que começa no topo e corrompe a população
como um todo, anestesia a consciência, afronta a lei e promove a impunidade.
Ela também frustra a motivação dos que buscam as recompensas materiais por
meios legítimos de conduta, visto o enriquecimento questionável e rápido de
alguns.
Além
disso, não raramente, a rede de ações corruptas se vale de atitudes violentas
para acobertar suas mazelas. Portanto, nada há que realmente justifique a
corrupção.
As causas
da corrupção
Cremos
ser importante refletir sobre as causas da corrupção, pois quando elas são
identificadas, há condições de se buscar o remédio adequado.
Geralmente
as fragilidades da estrutura político-jurídico-financeira são responsabilizadas
como a causa da corrupção estatal. O ministro-chefe da Controladoria-Geral da
União, Jorge Hage, disse em pronunciamento durante um evento em 2011 que a
corrupção no país decorre principalmente do financiamento privado de campanhas e
de partidos, do sistema eleitoral, dos meandros da elaboração do orçamento
público e impunidade garantida pelas leis processuais penais.(2)
Embora
existam causas externas para a corrupção, não se pode negar que o problema
reside, em última análise, no coração das pessoas. A fé reformada vê o próprio
coração dos homens como a origem primária da corrupção. A Bíblia afirma que não
há sequer uma pessoa justa neste mundo. “Todos pecaram e carecem da glória de
Deus” (Romanos 3.23). Jesus Cristo disse que é do coração das pessoas que
procedem “maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos
testemunhos, blasfêmias” (Mateus 15.19-20).
Na
análise feita pela sociedade, é possível perceber a insuficiência de éticas
humanistas reducionistas, que analisam apenas aspectos sociológicos e políticos
da corrupção. Como resultado, as propostas de “redenção” contemplam apenas
medidas repressivas, melhorias na educação, uma melhor legislação, as propostas
de determinado partido político ou candidato.
Tais
medidas, mesmo sendo necessárias e boas, deixam de contemplar a dimensão
pessoal do problema: egoísmo, maldade, avareza, inveja e cobiça.
O
protestantismo reformado prega uma conversão interior dos governantes e dos
governados a Deus e conclama que todos se arrependam do mal e pratiquem obras
de justiça.
Por que a
corrupção continua e se fortalece?
Podemos
pensar em várias respostas para essa pertinente indagação. A primeira é a sua
banalização. Existe hoje maior divulgação dos casos de corrupção e da
impunidade dos corruptos que no passado. Ao que parece, isso tem levado a
sociedade a certo grau de indiferença quanto à sua gravidade.
Como
consequência prática, a luta contra esse mal chega a parecer um trabalho
inútil.
Em
segundo, existe uma sensação pessoal de culpa, a qual leva à cumplicidade e,
portanto, ao silêncio. Apesar de as pessoas condenarem os políticos e
empresários corruptos, muitas delas também praticam a corrupção na vida
pessoal, como, por exemplo, transgredindo as leis dos direitos autorais,
praticando o suborno, driblando a legislação tributária, entre outros.
Pelas
causas acima, a corrupção acaba sendo vista e consagrada como “um mal sem
remédio”. Isso favorece sua prática, alimenta os males que ela gera, conserva a
impunidade e fomenta a permanência desse nocivo tipo de atividade. Nas palavras
de João Calvino, “a impunidade é a mãe da libertinagem”.(3)
O combate
à corrupção
Apesar de
estar tão profundamente enraizada no ser humano e na sociedade, a corrupção tem
sido combatida em todas as épocas. Nas palavras de Celso Barroso, “tão antiga
quanto à corrupção é a luta contra ela; em toda parte se dá valor à
integridade, e sempre se deu. Podemos desrespeitar os valores morais, porém não
chegamos a negá-los”.(4)
Segundo a
visão cristã de mundo, a razão pela qual os seres humanos não conseguem
conviver tranquila e passivamente com a corrupção é porque foram criados à
imagem de Deus e porque Deus ainda age neste mundo.
Essa ação
de Deus no mundo em geral é chamada de graça comum (concedida a todos). Segundo
esse conceito, Deus abençoa toda a humanidade com virtudes e qualidades,
independentemente das convicções religiosas das pessoas. Além disso, Deus
instituiu os governos não somente para promover a justiça e o bem comum, mas
também para punir os malfeitores e os corruptos (Romanos 13).
No
Brasil, os principais órgãos responsáveis pelo combate à corrupção estatal, em
todos os aspectos, são o Tribunal de Contas da União (TCU) - principal órgão de
fiscalização do dinheiro e dos bens públicos, e a Controladoria Geral da União
(CGU), órgão que responde pelo Brasil perante a Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção e, com exposição recente mais ampla, o Conselho Nacional de
Justiça (CJN), que aflorou o fato de que, infelizmente, nem mesmo os nossos
juízes estão imunes à corrupção e seus efeitos danosos.
O combate
à corrupção, todavia, cabe também à população. A sociedade deve agir e cobrar
medidas públicas contra a corrupção. É preciso reafirmar o repúdio a essa prática,
enfatizar a necessidade de transparência nas contas públicas, apoiar as
iniciativas civis no combate aos desmandos e promover a ética no trato das
questões públicas. Na esfera eclesiástica, em que deveria estar o exemplo, é
preciso também repudiar as práticas financeiras desonestas de muitas igrejas.
Diante
desse necessário combate, encontramos o papel das universidades confessionais.
O PAPEL
DA UNIVERSIDADE CONFESSIONAL
Uma
instituição de ensino que se pauta pelos princípios da visão cristã de mundo
poderá contribuir de diversas maneiras para que a corrupção seja pelo menos
reduzida. Com relação às causas externas, deve incluir o ensino e a transmissão
de valores cristãos, tais como: honestidade, integridade, verdade, justiça e
amor ao próximo. Somos responsáveis por uma boa mordomia dos recursos que Deus
nos confiou.
Esse
papel de integração da ética à academia é algo que vem sendo reconhecido até
nas instituições de ensino superior sem características confessionais, por
razões meramente realistas e práticas. Uma reitora, no contexto da crise
europeia, que desde 2008 assola o velho mundo, chamou a atenção das
universidades para a falta de ética e a aplicação deficiente de práticas
saudáveis de negócios. Ela declarou que todos os operadores do sistema
financeiro frequentaram os bancos universitários e provocou o incômodo
questionamento: será que não falta maior ênfase na ética de negócios, em nossos
currículos? Segundo a reitora, “as instituições têm que assumir a sua quota de
ensinamento pela vivência de valores que devem reger uma sociedade de bem”.(5)
Nesse
caminho, como instituição confessional, devemos ter um interesse redobrado
sobre o entrelaçamento da ética com a formação acadêmica, como uma das armas
contra a corrupção de nossa sociedade.
Com
relação à causa interna, que é a corrupção da mente e do coração humanos, a
instituição confessional cristã deve sempre lembrar aos seus alunos que somos
responsáveis por nossos atos e que não podemos responsabilizar a sociedade, o
governo e os outros pelos nossos desvios de conduta. Por fim, deve anunciar,
sempre respeitando a consciência de todos, que Deus, em Jesus Cristo, nos
oferece perdão pelos nossos desvios e uma mudança interior, dando-nos uma nova
orientação e esperança na vida, tendo como alvo amar ao próximo e a Deus.
Cultivamos, assim, uma expectativa realista de mudança sabendo que o nosso
trabalho não é vão diante de Deus.
CONCLUSÃO
O
cristianismo reconhece que não é possível a existência de uma sociedade que
seja completamente isenta da corrupção. A nossa esperança é o mundo vindouro,
escatológico, a ser inaugurado com o retorno de Jesus Cristo, quando as causas
da corrupção serão removidas para sempre. O que não significa que não devamos,
com todas as nossas forças, lutar para que os valores do Reino de Deus sejam
implantados aqui neste mundo, por meio de uma boa educação integral, que
contemple não somente a formação intelectual e profissional, como também a
formação de cidadãos éticos e compromissados com os valores morais que servem
de base para famílias e sociedades sólidas e justas.
Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie
NOTAS
1. Cf. Financial Times, 25 de abril de 2005.
2. www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2011/noticia22511.asp (acesso em 23/01/2012).
3. CALVINO, João. Exposição de Efésios. São Paulo: Parakletos, 1998, p.186.
4. LEITE, Celso Barroso. Sociologia da Corrupção. Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p. 16
5. “As Universidades Têm Um Papel em Minimizar os Efeitos da Crise”, artigo/entrevista de Madalena Queirós, com a Reitora da Universidade de Aveiro, Helena Nazaré, de 17.02.2009, disponível em: economico.sapo.pt/noticias/as-universidades-tem-um-papel-em-minimizar--os-efeitos-da-crise_3843.html , acessado em 22.04.2009.
Sabe Reverendo Augustus, louvo a Deus pela vida do Senhor.
ResponderExcluirSeus posts têm me ensinado muito acerca da Igreja, de Deus e da sociedade.
Esse post é muito pertinente diante de tudo que temos visto no Brasil.
Sabemos que a corrupção é algo bastante comum para as pessoas que não conhecem a Deus,
todavia sabemos também que existem pessoas que não o conhecem mas apresentam
um comportamento exemplar.
Acredito que isso seja consequência daquilo que os teólogos chamam de graça comum,
gostaria que o senhor falasse dela em um próximo post, abordando aspectos como
artes, filosofia, literatura e tantas outras áreas.
Graça e Paz.
Allann Bruno
Boa tarde Pr. Nicodemus.
ResponderExcluirO que vem a ser eisegese?
Grato, abraços?
Carlos A. Mendes
Caro Rev. Graça e Paz. Seus posts são sempre muito claros, profundos e desafiadores. Deus continue a abençoar o senhor em seu ministério. Um forte abraço. Marlon.
ResponderExcluirPastor,
ResponderExcluiras posturas que o senhor vem tomando na Universidade tem demonstrado um verdadeiro testemunho cristão. Deus continue abençoando o senhor e esteja certo de que orações de minha parte não vão faltar!
Amplexos!