CARTA DE PRINCÍPIOS 2013
VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO
Introdução
A violência está em toda parte. Não podemos passar um dia
sem ouvir uma notícia sobre atos violentos nos meios de comunicação.
Entretanto, mesmo ocorrendo em nosso país, em nossa cidade, em nosso bairro, a
questão pode ficar um pouco distanciada e acadêmica, até que sejamos nós mesmos
vítimas da violência, ou até que alguém próximo a nós sofra algum tipo de
agressão. Assaltos e sequestros são cada vez mais comuns, deixando de ser um
pesadelo apenas para os ricos. Uma estatística recente, na cidade de São Paulo,
indica que uma em cada duas pessoas já foi assaltada.[1]
O Dicionário Houaiss define violência como a "ação ou
efeito de violar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou
intimidação moral contra (alguém); ato de violência, crueldade e força."
No aspecto jurídico, é descrita como "constrangimento físico ou moral
exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se a vontade dos outros; coerção."
Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência como "a imposição
de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis".
De que formas a
violência se manifesta?
Seria uma tarefa interminável listar as maneiras pelas quais
a violência acima definida se manifesta. O conceito é muito amplo e inclui
atentados à vida, propriedade, liberdade de consciência, locomoção e de
religião. A lei brasileira tipifica formas de violência como assassinato,
sequestro, roubo, estupro e outros crimes contra a pessoa ou contra a
propriedade.
Aqui incluímos a agressão física resultante de preconceito
racial e de gênero, a violência nas escolas e o bullying, o assédio moral e sexual no trabalho, a violência contra
as mulheres - inclusa a violência doméstica - a violência contra crianças e
idosos, e mesmo a violência do trânsito nas grandes cidades.
Não poderíamos deixar de mencionar também as guerras e os
crimes de guerra que têm acompanhado a humanidade desde tempos imemoriais. E
por que não incluir também o aborto, que é responsável pela morte de milhões de
seres humanos anualmente?
A violência é um
problema moderno restrito a um grupo?
Nenhuma classe social, gênero, raça ou cultura estão isentos
da manifestação de atos violentos em todas as formas descritas acima. Temos
registro de atos violentos desde as culturas mais antigas até as mais modernas
e progressivas em nossos dias. Temos a tendência de sempre olhar o nosso tempo como
o pior que já existiu, mas basta um olhar breve pela história para verificarmos
que a violência, a crueldade e a impiedade sempre acompanharam o ser humano.
Um dos registros mais antigos de violência é o assassinato
de Abel por seu irmão Caim, episódio registrado na Bíblia e que remonta a
milhares de anos (Gênesis 4).
Em nossos dias, mesmo que se considere que as periferias das
grandes cidades sejam os locais de maior violência, onde os índices de pobreza
e de falta de acesso à educação são maiores, não se pode ignorar a manifestação
da violência entre os ricos, educados e nobres, bem como nos países mais
modernos e desenvolvidos financeiramente.
Por que há pessoas
tão violentas?
Há várias teorias sobre as causas da violência. Quase todas
elas têm em comum o conceito de que o ser humano é, intrinsecamente, bom e que
se torna violento devido a fatores e influências externas. Entre estes, a
pobreza, a desigualdade social, o baixo acesso à justiça estatal, a influência
do meio e da criação familiar, os grupos sociais a que se pertence, a falta de
acesso à educação, além da herança genética. Aqui podemos lembrar também que a
sensação de poder, segurança e impunidade de pessoas muito ricas por vezes
conduz ao uso da violência.
Uma visão cristã acerca da origem da violência não descarta
tais fatores, mas aponta como a causa mais profunda da violência a corrupção do
coração humano. Nas palavras de Jesus Cristo,
“Do interior do coração dos homens vêm os maus
pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios,
as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a
arrogância e a insensatez” (Marcos 7.21-22).
De acordo com Tiago, discípulo de Jesus Cristo, as
guerras – uma das mais fortes manifestações da violência – têm origem no
coração humano:
“De onde vêm as guerras e contendas que há entre vocês?
Não vêm das paixões que guerreiam dentro de vocês?” (Tiago 4.1).
A violência se abriga no coração de cada pessoa e
infelizmente pode ser despertada em diferentes graus por diferentes motivos. Pela
graça de Deus, fatores externos como o temor das consequências, por exemplo,
inibem tais manifestações nas pessoas, de forma que normalmente não somos tão
violentos como teoricamente poderíamos ser.
Como já dissemos, a corrupção do coração humano como causa
primária não exclui as causas secundárias, mas nos ajuda a entender a origem do
problema e a diagnosticá-lo mais precisamente.
Devemos sempre ser
contra a violência?
A violência deve ser combatida sempre, em todas as suas
formas, pois representa um atentado à vida, dignidade e liberdade humanas. Algumas
ideologias baseadas numa visão de mundo materialista e determinista terminaram
logicamente no uso da violência como meio para alcançar determinados fins, como
o fascismo, o nazismo e governos totalitários. Da mesma forma, conceitos
errados sobre Deus e a religião têm sido usados para promover o fundamentalismo
religioso e guerras “santas” através dos tempos.
Há ainda a violência contra a religião. Pesquisas recentes identificam
o Cristianismo como a religião mais perseguida no mundo, com cerca de 200
milhões de cristãos submetidos a algum tipo de violência.[2] Todas
estas manifestações da violência devem ser combatidas pelos meios legais e
legítimos.
Qual o papel do Estado
no combate à violência?
A violência, em todas as suas formas, produz danos pessoais,
psicológicos e morais, muitos deles irreparáveis. Além disto, traz pesados
encargos financeiros ao Estado para manter o aparato policial, o sistema
carcerário e o processo judiciário, afora o sistema de saúde, pensões e
benefícios às vítimas da violência e até
para familiares de detentos que a praticaram.
Do ponto de vista cristão a violência está intrinsecamente
instalada no coração humano, como a sua universalidade bem o atesta. Todavia
cremos que podemos diminui-la e minimizar seus efeitos maléficos tratando as
causas externas. Aqui entra a figura do Estado, que, de acordo com a Bíblia, tem
um papel importante no combate e no controle da violência:
“Pois os governantes não devem
ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. A autoridade é serva de Deus,
agente da justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos 13.3-4).
Como agentes da justiça, divinamente ordenados para este
fim, os governos devem tomar medidas visando a diminuir a violência. Isto
incluiria aprovar e fazer cumprir leis justas, melhor policiamento, melhores
condições carcerárias, aprimoramento do sistema judiciário, combate às drogas e
ao tráfico de armas, implantação de projetos sociais e, destacadamente, o
acesso à educação, que resultaria em melhor desenvolvimento social e econômico
dos cidadãos.
Diante do grande desafio que a violência representa para o
Estado, os cristãos deveriam se lembrar da orientação bíblica para que intercedam
em oração pelas autoridades governamentais, pelo ideal de uma vida “tranquila e
sossegada, em toda a piedade e honestidade” – isto é, sem violência (1Tm 2.2).
As medidas oriundas do Estado deveriam ser acompanhadas de
uma mudança interior que produza um novo apreço pela vida e pela dignidade do
próximo. E aqui é que entra a educação confessional.
Qual o papel da
educação confessional cristã?
A educação confessional cristã é aquela que se processa a
partir de valores e princípios éticos, morais e espirituais que têm como
fundamento a revelação de Deus na Bíblia. É disto que fala o Artigo III do
Estatuto da nossa Universidade:
“A Universidade Presbiteriana
Mackenzie tem como característica essencial a adoção de um Código de Ética
baseado nos ditames da consciência e do bem, que reflitam os valores morais
exarados nas Escrituras Sagradas, voltados para exercício crítico da
cidadania”.
Estes valores morais mencionados são o resultado da
compreensão cristã de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus
e que, portanto, tem dignidade e valor intrínsecos. Os direitos humanos
fundamentais são resultantes desta imagem e semelhança e da nossa crença de que
o certo e o errado são realidades externas a nós e que o valor da vida humana
não é algo relativo. Além disto, cremos na realidade do juízo de Deus, que um
dia haverá de estabelecer a plena justiça no mundo.
Na visão cristã de mundo não cabe ao indivíduo ações
violentas como reações à violência. A manutenção da lei e da ordem não pertence
a um grupo ilegal de “vigilantes” ou “justiceiros” que massacram
indiscriminadamente, sob a cobertura de estarem punindo os criminosos. Cidadãos
conscientes não devem apoiar as ações fora da lei, por mais convenientes que
elas pareçam e por mais criminosos que sejam os massacrados. O cristão não se
gloria na guerra de quadrilhas, nem deve passar pelos seus lábios a famosa
frase: “ladrão bom é ladrão morto”. Para o cristão, as autoridades
estabelecidas são ministros de Deus para aplicação dos princípios de justiça e
proteção dos cidadãos.
Uma educação confessional cristã deve integrar os valores
morais bíblicos com o processo educacional de forma a preparar para o mundo
pessoas que não somente possam contribuir nas suas áreas de expertise como também fazer a diferença
num mundo marcado pela violência. Aqui o papel do professor em sala de aula e a
progressiva conscientização do aluno são decisivos.
Conclusão
Podemos começar a diminuir a violência do mundo em nosso
próprio ambiente escolar e universitário, enfrentando e combatendo o bullying,
o preconceito racial e social, as agressões verbais e físicas e qualquer outra
manifestação, aberta ou velada, da violência em nosso meio. A atitude dos
estudantes é crucial para isto.
Mas, acima de tudo, busquemos em Jesus Cristo, o Príncipe da
Paz, as forças para perdoar, amar e servir ao próximo. Somente corações em paz
podem evitar a guerra, refutando o uso da violência. Disse Jesus:
“Deixo- lhes a paz; a minha paz
lhes dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe o seu coração, nem
tenham medo” (João 14.27).
Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie
A Chancelaria agradece
a todos os que contribuíram para a elaboração da Carta de Princípios 2013 com
suas sugestões.
Amado irmão Rev. Augustus Nicodemus, mais uma vez, congratulo-o pelo excelente artigo.
ResponderExcluirAcabei de ler o desabafo do irmão Mauro Meister no Facebook, a respeito do medo que está se tornando viver em São Paulo, e, em especial, o drama que envolve os adolescentes e jovens mergulhados nos bares, no álcool e nas drogas, dominando a via pública e sob omissão das autoridades...
O assunto está palpitando, seu artigo é bastante oportuno.
Meu desejo é que um documento como este seja conhecido por todos, sobretudo pela classe média que ignora o ponto crucial da violência, a desigualdade social e o consumismo.
ResponderExcluirEm geral as pessoas combatem os efeitos da violência, ou seja, quando ela chega às vias de fato: estupros, latrocínios, drogas etc. - Por favor, não me entendam que eu não ache que devamos combater isso, eu mesmo já fui vítima de assaltos à mão armada (várias vezes).
Mas acredito que a violência não será combatida APENAS com a diminuição da maioridade penal (o que eu acho que deva ser feito já). Contudo, o maior problema neste país violento é a impunidade e o tratamento desigual com criminosos que possuem influência.
O fim da violência começa com a consciência de classe (ops! revelei meu marxismo), quando a classe média e burguesa (reformada) lutar contra a ideologia consumista de que é preciso ter para ser.
Acredito que promovendo uma educação igualitária, promovendo valores de fraternidade, ou invés de uma educação excludente e valores competitivos, a violência terá o tratamento que a fará diminuir.
Mas um excelente artigo.
ResponderExcluirOlá Reverendo Augustus Nicodemus.
ResponderExcluirsei que não é apropriado fazer essa pergunta neste local, mas é a única forma que encontrei de entrar em contato com o senhor.
Não sou nenhum estudante profundo sobre calvinismo, arminianismo e teologia em geral. Porém creio na doutrina da eleição conforme os cinco pontos do calvinismo.
Tenho um argumento em favor da eleição, porém não sei se o mesmo já existe a muito tempo (provavelmente) ou é inválido, insuficiente, etc. O fato é que ainda não ouvi ninguém falar sobre isso.
Se eu perguntar a um arminiano porque uma determinada pessoa é salva. Fica impossível para ele responder se não for colocar o motivo no Espírito Santo, no contexto cultural, temporal e social em qual a pessoa nasceu e o que a pessoa aprendeu durante sua vida.
Não quero dizer que são estes os motivos da salvação, apenas acho que um arminiano colocaria a salvação em um destes motivos se for indagado. O problema é que em nenhum desses motivos há a escolha deste homem, ele não escolhe o contexto em que nasce, não escolhe a atuação do espírito santo. Desta forma fica pré-determinada a sua escolha.
este argumento é válido? sabe de algum texto que fale disto?
Obrigado
Alan de Oliveira Silva