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quarta-feira, março 22, 2017

Perdemos a guerra cultural?

Solano Portela

Uma das questões menos compreendidas nas últimas décadas é o impacto do cristianismo na civilização ocidental. Pessoas simplesmente assumem valores que conservam a sociedade coesa, como se sempre tivesse sido assim e como se isso fosse continuar para sempre. Crentes se alienam em exercícios semanais de devoção e excitação espiritual com poucos reflexos morais e nas atividades do dia a dia. Vivem em staccato, de domingo a domingo, ansiando pelos ajuntamentos, sem serem verdadeiramente sal da terra e luz do mundo. Esquecem-se das lições da história, de que a Reforma do Século 16 tirou a civilização ocidental das trevas características da idade média, com a sua mensagem e influência.

Descrentes querem viver a vida moral dissoluta, mas dentro de uma estrutura da sociedade que garanta sua segurança, seus bens, seu progresso profissional, sua voz de reclamar, de reivindicar, de usufruir do avanço da ciência e dos bens de consumo, de desfrutar as benesses do “capitalismo”, sem se aperceberem que tais “direitos” vieram exatamente porque a sociedade ocidental, ou a cultura judaico-cristã influenciou a construção dessa sociedade em que vivemos e na qual estamos acostumados a coexistir. Estão cegos quanto ao obscurantismo que impera nas regiões onde a influência do cristianismo cessou de existir, ou onde ainda não chegou. Não enxergam os exemplos presentes e que a norma, para uma humanidade caída em violência e pecado, é a desvalorização da vida que se observa onde impera o islamismo, ou o hedonismo cruel das ditaduras despóticas que adoram algum “líder supremo”, que assim se autoelege.

Na medida em que valores cristãos vão sendo ridicularizados e descartados essa sociedade vai se fragmentando cada vez mais. Não é surpresa para ninguém que a falta de ênfase primária à questão de segurança tem levado à criminalidade desenfreada (pelos valores cristãos, este seria o propósito principal do governo, segundo Romanos 13.1-7). A ignorância do valor da honestidade (pelos valores cristãos, a cobiça é condenada) permeia não somente os políticos e empresários corruptos, mas o dia a dia das pessoas, que também querem levar vantagens indevidas. O descaso pela instituição do matrimônio (pelos valores cristãos, é a união entre um homem e uma mulher), tem desfigurado a célula mãe da sociedade e desnudado um futuro grotesco onde o comportamento pecaminoso é glorificado e elevado como expressão máxima da liberdade individual, que se coloca acima de qualquer padrão ou princípio. O desrespeito à propriedade (pelos valores cristãos, o mandamento “não furtarás”, continua válido, como os demais que regulam as relações entre os semelhantes), tem levado a protestos ou reivindicações com quebra-quebras, invasões, apropriações e espoliações do que é alheio.

Nesse cenário, algumas vozes, conscientes dos benefícios de uma sociedade firmada em cima de princípios cristãos, têm proclamado que estamos em outra era. Devemos mesmo é esquecer essa sociedade que conhecemos e admitir que perdemos a guerra cultural. O mal venceu. A situação não vai melhorar e estamos irremediavelmente fadados ao ostracismo, à rejeição, ao ridículo e até à extinção como tribo defensora de valores e princípios ultrapassados. Nem todos, mas muitos evangélicos, desde os rincões mais arminianos até os bolsões conhecidos como reformados, têm abraçado esse entendimento.

O que fazer, então? A escritora Leah Farish[1] aponta algumas respostas que têm surgido de autores fora do campo evangélico. O russo-ortodoxo Rod Dreher escreveu um livro intitulado The Benedict Option (A Opção Benedito), que vem causando furor e muita discussão, até em meios reformados. Nesse livro, analisando a sociedade norte-americana, ele aponta a perda inexorável dos limites de civilidade e a crescente hostilidade aos princípios cristãos, de tal maneira que não há mais clima de diálogo, promoção ou aprendizado dos valores cristãos. A solução, para aqueles que ainda presam esses valores, seria se fecharem em comunidades nas quais esses princípios pudessem ainda ser observados. Um outro autor, desta feita católico romano, Alasdair McIntyre, também tem ideias semelhantes e advoga essa clausura de autopreservação para que essa nova idade negra, na qual reinarão bárbaros filosóficos, possa ser atravessada.[2]

As referências da Opção Benedito, são, em parte, a pontuações feitas pelo atual Papa[3] (Benedito, ou Bento XVI). No entanto a lembrança é levada, mais especificamente, ao Benedito (ou Bento) do 6º Século d.C. (480-547 – não confundir com o Benedito do século 16, 1526-1589), quando os cristãos fugiram dos bárbaros e se agruparam no deserto, carregando consigo o germe redentor da civilização que estava em perigo. A referência é que a barbárie demanda o retorno a um isolamento em mosteiros.

Mas será que essa análise está correta? Sem descartar a precisa visão dos problemas filosóficos, éticos e comportamentais que nos assolam, as soluções apresentadas não parecem se harmonizar com a visão de uma compreensão bíblica adequada, resgatada pela teologia da Reforma do Século 16. A Bíblia não ensina o monasticismo como solução à pecaminosidade do mundo (Assim orou Jesus: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal”, João 17.9), mas o envolvimento firmado na verdade para que sejamos “sal da Terra” (Mateus 5.13), preservando a sociedade na qual vivemos; e “luz do mundo” (Mateus 5.14); luz no meio das trevas, apontando os caminhos e revelando a iniquidade pelo contraste com a verdade proclamada.

Com isso parece concordar Leah Farish, que diz, no artigo já citado, “a Opção Benedito contrasta com as raízes da fé reformada”! As 95 teses de Lutero foram um manifesto explosivo contra a cultura reinante; Calvino lutou para reformar o pedaço de civilização sobre o qual tinha autoridade e sua influência sobre a cultura do mundo ocidental é imensurável. Pode haver alguma validade na sugestão dos crentes verdadeiros se agruparem, em reflexão, para estudarem a Palavra e delinearem estratégias sobre a batalha na qual já estamos envolvidos, mas nunca recorrer à formação de um gueto cristão. Leah Farish relembra que os Judeus, na Polônia, inicialmente ficaram satisfeitos em serem colocados em comunidades reclusas, os guetos. Afinal, iam poder viver em paz, sem perseguição e praticar sua religião. Mas, o extermínio foi o passo subsequente.

Como Paulo, reivindiquemos nossa “cidadania romana”, e proclamemos o que temos de proclamar!



[1] Artigo postado no site da World Reformed Fellowship (WRF): Is The Benedict Option an Option?, disponível em: http://wrfnet.org/articles/2017/03/wrf-member-leah-farish-asks-benedict-option-really-option#.WNJ8rYWcGP8
[3] Por exemplo: “Estamos nos movendo em direção a uma ditadura do relativismo, que não reconhece nada como certo e cujo objetivo supremo é o ego e os desejos de cada um”, citado em: http://www.catholic.org/news/national/story.php?id=34057

10 comentários:

  1. Excelente texto. Parabéns Presb. Solano Portela. DEUS é SENHOR (Ele tem todo o Controle, toda Autoridade e Ele está Presente/Presença Aliançada).

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  2. Que grande contribuição a leitura desse texto. Deus o abençoe Presbítero e a todos quantos tem sido úteis para a proclamação dos Valores do Reino. Obrigada por essa pérola.

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  3. Esse blog está desativado?

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  4. Obrigada!!! Excelente contribuição para meu trabalho e vida. Abraço.

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  5. Obrigado pelas palavras de coragem. A igreja atual deve promover promover por meio da proclamação do evangelho do Reino de Deus, e o Espirito Santo, nos concederá forças para que as portas do inferno não prevaleçam.É necessário uma resistência e um combate as inúmeras ideologias anticristãs.

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  6. Você poderia me dizer em qual parte da Bíblia você viu Jesus protestando contra o modelo de vida das pessoas "do mundo"? Jesus nunca saiu gritando e protestando contra os pecados existentes em sua época. Ele simplesmente recebeu os que se chegaram a Ele pedindo ajuda e aí sim, os ajudava e tratava com amor dos seus pecados. Aos que queriam continuar no pecado, ele permitia.

    Esse discurso de que "devemos protestar cotra os que vão contra os valores cristãos!" nunca existiu na pregação pública de Jesus. À todos ele pregava a mensagem de amor, misericórdia, e graça que o Pai oferecia; Falar de pecados? Apenas aos que vinham a Ele.

    Essa ideia de enfiar goela abaixo a "moral e os bons costumes" cristãos só tem servido para afastar as pessoas da mensagem do Evangelho. Essa onda de cristãos que defendem gente com discurso extremista como Bolsonaro e Malafaia só tem catalizado ódio e mais ódio dos descrentes para com o meio evangélico.

    Jesus nunca foi assim. Aliás, ele se dava muito bem com os descrentes. Ele tinha dificuldade, sim, com os defensores da religião. Esses ninguém merece!

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  7. Caro Thiago:

    Que tal começar o ano de 2018 com o "pé direito" lendo a sua Bíblia? A dissociação do modus-vivendi dos descrentes, no Novo Testamento, começa com João Batista (Lucas 3.2-14) confrontando as diferentes profissões, e indicando que há uma forma de caminhar (culturalmente) diferente para os cristãos, em solidariedade, honestidade, frugalidade. Não há muita evidência, aqui, desse tratamento "amoroso" e permissivo para com o pecado, ou pecadores. Na realidade, João os chamou de "Raça de Víboras"!! Os religiosos hereges, também não escapavam - sobrava para todos. Bem contundente, não é?

    É claro que você pode ser um daqueles que diz que "a mensagem de João é uma e a de Jesus é outra" - um grande erro teológico. Mas a de Jesus nunca foi de conivência com o pecado ou de suavizar o que não deveria ser suavizado. No próprio Sermão do Monte ele traça dois caminhos contrastantes e não se dirigia apenas aos "religiosos" da época, mas à multidão. Suas referências históricas estão difusas... No templo (Mateus 21.12–17, Marcos 11.15–19, e Lucas 19.45–48), Jesus expulsou os mercadores e vendilhões (não eram os "religiosos") a chicotes, com palavras duras. Bem diferente de sua descrição de que ele "nunca saiu gritando e protestando contra os pecados existentes em sua época"!

    Paulo, intérprete a aplicador dos ensinamentos de Cristo, em Romanos 12, insta os cristãos a não tomarem a forma "deste mundo", mas a serem transformadores, começando com sua forma de pensar. Em Gálatas 1, ele não tem palavras suaves para os que querem adicionar idéias e maneiras à mensagem do evangelho, mas diz, textualmente, que eles sejam amaldiçoados (anátemas). A não ser que você seja um daqueles que diz que a mensagem de Paulo é diferente da de Cristo, que Paulo não compreendeu a Cristo adequadamente, tem de admitir que "permitir" que o pecado continue, não faz parte da mensagem dos cristãos.

    Portanto, essa ideia romanticamente falsa, de que a verdadeira religião é passiva, esperando os pecadores virem "pedindo ajuda", sem a devida proclamação do evangelho do arrependimento, é o início da vereda que leva à perdição da alma e a uma geração de crentes amorfos e culturalmente desfigurados.

    Obviamente, o amor faz parte do caminhar cristão, mas nunca em prejuízo da proclamação da verdade. Vamos nos ater à Palavra.

    Feliz 2018.

    Solano

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    1. Só complementando a palavra do irmão, não há nada mais claro do que: "ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura". Se a vontade de Cristo fosse outra, como sugere Tiago, a ordem seria: "esperem os pecadores virem até vocês e preguem o evangelho somente a eles, os outros deixai continuar a pecar"

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  8. Discordo da obscuridade e das teses de lutero na realidade se nao fosse a igreja catolica voces nunca teriam o cristianismo. Sobre as comunidades vamos ter ficar sim serao tempos digicieis e temos que aprender azse defender

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