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segunda-feira, janeiro 22, 2018

CRISTIANISMO NA UNIVERSIDADE (14)

CRISTIANISMO NA UNIVERSIDADE (14) 

Universidade, Educação e Corrupção

Um dos temas que tem dominado o cenário brasileiro em anos recentes é a questão da corrupção.[1] O termo tem sido usado pela mídia e população em geral para se referir ao desvio de dinheiro público, irregularidades graves no emprego de verbas governamentais, desvio de funções para vantagens pessoais por parte de servidores públicos, falseamento da verdade para ganhos ilícitos, acordos subterrâneos e pactos ocultos, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e outras atitudes e atividades ilegais, imorais e injustas.
Neste cenário, é importante destacar o entendimento cristão quanto às causas e consequências da corrupção, bem como as atitudes possíveis visando a combatê-la.
O sentido próprio do termo “corrupção” é deterioração ou apodrecimento. Os sentidos secundários derivam dessa ideia original. Toda vez que alguém deixa de cumprir o seu dever estabelecido diante de pessoas, instituições e mesmo ideais - por interesse próprio ou de terceiros - ocorre a corrupção.
Quase sempre associamos a corrupção aos ambientes estatais. Todavia, a corrupção ocorre também na esfera particular. Há práticas corruptas ao nosso redor, inclusive em nossas próprias ações. Por exemplo: existência de “caixa dois” em empresas, uso de pessoas como “laranjas” em negócios irregulares, compra e venda de produtos pirateados, uso de “softwares” baixados sem permissão dos seus proprietários, pedido e/ou concessão de notas em atividades escolares, com base em amizades ou outra forma de relacionamento. Por isso, o conhecido “jeitinho” brasileiro é, numa análise objetiva e séria, simplesmente corrupção.
A corrupção pode parecer ter um lado bom, especialmente para os aparentemente “beneficiados” por ela. Todavia, não podemos fechar os olhos para o grande mal que traz. A corrupção é fator de injustiça social, porque tira os direitos de muitos, impede o desenvolvimento justo e equânime dos cidadãos, produz um efeito cascata que começa no topo e corrompe a população como um todo, anestesia a consciência, afronta a lei e promove a impunidade. Também frustra a motivação dos que buscam as recompensas materiais dos meios legítimos de conduta, visto o enriquecimento questionável e rápido de alguns.
Além disso, não raramente, a rede de ações corruptas se vale de atitudes violentas para acobertar suas mazelas. Portanto, nada há que realmente justifique a corrupção.
Geralmente as fragilidades da estrutura político-jurídico-financeira são responsabilizadas como a causa da corrupção estatal. Embora existam causas externas para a corrupção, não se pode negar que o problema reside, em última análise, no coração das pessoas. A corrupção é vista pela fé reformada como tendo origem primariamente no coração dos homens. A Bíblia afirma que não há sequer uma pessoa justa neste mundo. “Todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Jesus Cristo disse que é do coração das pessoas que procedem “maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mateus 15.19-20). Quando a causa é identificada, há condições de se buscar o remédio adequado.
Aqui se percebe a insuficiência de éticas humanistas reducionistas, que analisam apenas aspectos sociológicos e políticos da corrupção. Como resultado, as propostas de “redenção” contemplam apenas medidas repressivas, melhorias na educação, uma melhor legislação, as propostas de determinado partido político ou candidato. Tais medidas mesmo sendo necessárias e boas, deixam de contemplar a dimensão pessoal do problema: egoísmo, maldade, avareza, inveja e cobiça. O protestantismo reformado prega uma conversão interior dos governantes e dos governados a Deus e conclama que todos se arrependam do mal e pratiquem obras de justiça.
Por que, apesar de todos os esforços, a corrupção continua e se fortalece? Podemos pensar em várias respostas para esta indagação pertinente. A primeira é a sua banalização. Existe hoje maior divulgação dos casos de corrupção e da impunidade dos corruptos que no passado. Ao que parece, isto tem levado a sociedade a certo grau de indiferença quanto à sua gravidade. Como consequência prática, a luta contra esse mal chega a parecer um trabalho inútil.
Em segundo, existe uma sensação pessoal de culpa, a qual leva à cumplicidade e, portanto, ao silêncio. Apesar das pessoas condenarem os políticos e empresários corruptos, muitas delas também praticam a corrupção ao nível pessoal, como transgredindo as leis dos direitos autorais, usando de suborno, driblando a legislação tributária, entre outros possíveis exemplos.
Pelas causas acima, a corrupção acaba sendo vista e consagrada como “um mal sem remédio”. Isto favorece a sua prática, alimenta os males que ela gera, conserva a impunidade e fomenta a permanência desse nocivo tipo de atividade.
Apesar de estar tão profundamente enraizada no ser humano e na sociedade, a corrupção tem sido combatida em todas as épocas. Segundo a visão cristã de mundo, a razão pela qual os seres humanos não conseguem conviver tranquila e passivamente com a corrupção é que foram criados à imagem de Deus e que Deus ainda age neste mundo. Esta ação de Deus no mundo em geral é chamada de graça comum (concedida a todos). Segundo este conceito, Deus abençoa a humanidade em geral com virtudes e qualidades, independentemente das convicções religiosas das pessoas. Além disto, Deus instituiu os governos não somente para promover a justiça e o bem comum, mas também para punir os malfeitores e os corruptos (Romanos 13).
No Brasil, os principais órgãos responsáveis pelo combate à corrupção estatal, em todos os aspectos, são o Tribunal de Contas da União (TCU) - principal órgão de fiscalização do dinheiro e dos bens públicos, e a Controladoria Geral da União (CGU), órgão que responde pelo Brasil perante a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e, com exposição recente mais ampla, o Conselho Nacional de Justiça (CJN), que aflorou o fato de que, infelizmente, nem mesmos os nossos juízes estão imunes à corrupção e seus efeitos danosos.
O combate à corrupção, todavia, cabe, também, à população. A sociedade deve agir e cobrar medidas públicas contra a corrupção. É preciso reafirmar o repúdio à prática, enfatizar a necessidade de transparência nas contas públicas, apoiar as iniciativas civis no combate aos desmandos e promover a ética no trato das questões públicas. Na esfera eclesiástica, onde caberia estar o exemplo, é preciso também repudiar as práticas financeiras desonestas de muitas igrejas.
Neste ponto encontramos o papel das universidades confessionais. Uma instituição de ensino que se pauta pelos princípios da visão cristã de mundo poderá contribuir de diversas maneiras para que a corrupção seja pelo menos reduzida. Com relação às suas causas externas, deve incluir o ensino e a transmissão dos valores cristãos tais como honestidade, integridade, verdade, justiça e amor ao próximo. Somos responsáveis por uma boa mordomia dos recursos que Deus nos confiou.
Esse papel de integração da ética à academia é algo que vem sendo reconhecido até nas instituições de ensino superior sem características confessionais, por razões meramente realistas e práticas. Uma reitora, no contexto da crise europeia, que desde 2008 assola o velho mundo, chamou a atenção das universidades para a falta de ética e a aplicação deficiente de práticas saudáveis de negócios. Ela declarou que todos os operadores do sistema financeiro frequentaram os bancos universitários e provocou o incômodo questionamento: será que não falta maior ênfase na ética de negócios, em nossos currículos? Segundo a reitora, “as instituições têm que assumir a sua quota de ensinamento pela vivência de valores que devem reger uma sociedade de bem”.[2]
Nesse caminho, como instituição confessional, devemos ter um interesse redobrado sobre o entrelaçamento da ética com a formação acadêmica, como uma das armas contra a corrupção de nossa sociedade.
Com relação à causa interna, que é a corrupção da mente e do coração humanos, a instituição confessional cristã deve sempre lembrar aos seus alunos que somos responsáveis por nossos atos e que não podemos responsabilizar a sociedade, o governo e os outros pelos nossos desvios de conduta. Por fim, deve anunciar, sempre respeitando a consciência de todos, que Deus em Jesus Cristo nos oferece perdão pelos nossos desvios e uma mudança interior, dando-nos uma nova orientação e esperança na vida, tendo como alvo amar ao próximo e a Deus. Cultivamos uma expectativa realista de mudança sabendo que o nosso trabalho não é vão diante de Deus.
Terminando, o cristianismo reconhece que não é possível a existência de uma sociedade que seja completamente isenta da corrupção. A nossa esperança é o mundo vindouro, escatológico, a ser inaugurado com o retorno de Jesus Cristo, quando as causas da corrupção serão removidas para sempre. O que não significa que não devamos, com todas as nossas forças, lutar para que os valores do Reino de Deus sejam implantados aqui neste mundo, por meio de uma boa educação integral que contemple não somente a formação intelectual e profissional, como também a formação de cidadãos éticos e compromissados com os valores morais que servem de base para famílias e sociedades sólidas e justas.


[1] Este capítulo é baseado no texto da Carta de Princípios da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2012, também da minha autoria.
[2] “As Universidades Têm Um Papel em Minimizar os Efeitos da Crise”, artigo/entrevista de Madalena Queirós, com a Reitora da Universidade de Aveiro, Helena Nazaré, de 17.02.2009, disponível em: http://economico.sapo.pt/noticias/as-universidades-tem-um-papel-em-minimizar-os-efeitos-da-crise_3843.html, acessado em 22.04.2009.

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