Todos nós experimentamos, como alunos, os efeitos da secularização profunda do nosso ensino. Ele se mostra não apenas incapaz de produzir uma visão holística de vida, mas também, para os cristãos, promove uma dicotomia entre a fé a as áreas de conhecimento nas quais fomos treinados. Todos os que foram resgatados por Cristo deveriam relembrar os ensinamentos bíblicos sobre o Deus Soberano a quem servem, constatar a abrangência dessas doutrinas em suas áreas de atividades e trazer paz ao pensar e ao caminhar como cristãos em um mundo hostil. Quando falamos de educação e ensino, portanto, temos temas pertinentes a todos nós.
Desde que pisamos nesta terra vivemos um dilema no que diz respeito aos caminhos do conhecimento humano. Quer tenhamos sido encaminhados em lares cristãos, quer tenhamos sido alvo de conversão posterior, encontramos dificuldade em reconciliar o chamado e os princípios cristãos com a carreira. Em compatibilizar as determinações e ensinamentos da Palavra de Deus, com a aquisição progressiva de conhecimentos a que somos submetidos desde a nossa tenra idade e com a profissão à qual nos dedicamos, depois de firmarmos nossos próprios horizontes e interesses.
Desenvolvemos com muita facilidade o pensamento de que as coisas espirituais, as questões relacionadas com Deus, as determinações da Palavra dizem respeito ao nosso futuro espiritual. Por vezes compartimentalizamos esses interesses às ocasiões de culto. Enquanto isso, absorvemos conhecimentos diversos, seguimos uma carreira, educamos os nossos filhos e somos educados em um universo estanque, distanciado e divorciado dos conceitos das Escrituras.
Não é que duvidemos da veracidade da Bíblia – até aceitamos tudo e abraçamos doutrinas contidas na Palavra que, muitas vezes, não entendemos plenamente, mas as recebemos tão somente pela fé. No entanto, deixamos que essas convicções não perturbem muito a nossa vida diária, nem as carreiras e profissões que escolhemos. As questões espirituais são segregadas àquelas épocas e ocasiões que dedicamos à expressão de nossa religiosidade – cultos públicos e devoções privadas.
Se analisarmos com honestidade a nossa postura de vida, vamos nos encontrar, na realidade, em uma situação de conflito mental em muitos sentidos: Justamente por sermos cristãos e desejarmos estar no seio da “vontade de Deus” somos escravos de um complexo de culpa por nos dedicarmos a atividades várias, às demandas da nossa profissão, quando a igreja e o “trabalho do Senhor” clamam por atenção, ação e envolvimento. Somos, portanto:
• escravos de uma visão que separa o secular do sagrado; o ganha-pão da adoração; a honestidade da vida e prática cristã da desonestidade e descaminho dos negócios.
• escravos de uma postura eclesiástica que declara a existência de duas categorias de servos de Deus – os que estão envolvidos em seu trabalho e os que estão servindo ao mundo.
• escravos de uma postura profissional que nos coloca como alienados no meio de uma classe de pessoas integradas com o seu meio, enquanto que nós nos debatemos com contradições metafísicas, em vez de tranquilamente agirmos na redenção da área em que estamos atuando.
No meio desse dilema e dessas tensões as doutrinas resgatadas pelos reformadores, aquilo que chamamos da teologia da reforma, ou de fé reformada, aparecem com todo o seu vigor e poder, como uma força libertadora dessa escravidão, desse conflito e dessa opressão intelectual. É exatamente a teologia calvinista, apresentando a pessoa de Deus em toda a sua soberania e majestade, que liberta, ainda que acusada de promover a escravidão das pessoas, pela sua rigidez doutrinária e subordinação ao conhecimento transcendente encontrado nas Escrituras. A Fé Reformada não trata simplesmente de realizar uma integração entre o secular e sagrado, mas de demonstrar a abrangência das raízes espirituais de cada atividade. Ela apresenta o todo do conhecimento e das atividades humanas como algo abrigado e aprovado pela providência divina, subsistindo o próprio Deus como fonte de todo o verdadeiro conhecimento e sabedoria.
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P.S. - Dentre as múltiplas atividades que levaram às minhas poucas postagens neste BLOG, estive dedicado por vários meses ao término do livro: "O Que Estão Ensinando aos Nossos Filhos?". Ele foi lançado na semana passada (02.10.2012) na Conferência FIEL, em Águas de Lindóia e já está disponível no link abaixo, da Editora FIEL. É destinado a pais, educadores e escolas cristãs e faz uma avaliação crítica da pedagogia contemporânea, apresentando a alternativa da Educação Escolar Cristã.
O livro é dividido em três partes. A primeira, "O Cenário" - examina diversas situações no contexto educacional de nossa época. A segunda, "O Contraste", apresenta a Educação Escolar Cristã, como uma alternativa. A última, "A Proposta", apresenta aos educadores a necessidade de desenvolvermos uma Pedagogia Redentiva, com seus nove alicerces.
Sou grato a Deus por possibilitar a compilação: de quase 30 anos de meditação sobre o assunto, das inúmeras palestras proferidas e de artigos escritos, agora apresentados em forma de livro. Agradeço, igualmente à Editora FIEL por acreditar nesse projeto.
Aos interessados, o LINK é: http://www.lojafiel.net/produto.aspx?ProCodigo=330
8 comentários
comentáriosGostaria muito de ler este livro, já ouvi comentários de ser muito bom!!!
ResponderExcelente post,presbítero, e imagino também que o livro tenha ficado bom. Só não concordo com o título do "post", pois mesmo que não tenha sido a intenção (e creio que não foi), em minha opinião pareceu bastante pretencioso e prejudicial à comunhão dos santos, dizer que "a fé reformada liberta", quando sabemos que a fé que liberta é a fé bíblica ou, talvez, sendo mais exato, é a Verdade (conforme as Escrituras), apreendida pela fé, que liberta. Um abraço,
ResponderRev. Djaik
Caro xará, Portella, e Guilherme;
ResponderGrato pelos comentários.
Caro Rev. Djaik:
Na realidade, estou exatamente fortalecendo a comunhão dos santos, enfatizando que a libertação de conflitos de consciência entre crença e atividades, fé e ciência, etc., é obtida com a cosmovisão providenciada pela fé reformada. Leia o post novamente e verá que não estou falando de libertação da escravidão do pecado, mas de libertação de uma visão incoerente de vida - que cada crente deveria almejar. Agora, é óbvio que este Blog é de calvinistas. É de se esperar que a fé reformada seja a nossa convicção, como sendo a melhor interpretação, e mais fiel, da Palavra de Deus. Nosso desejo é que consigamos transmitir com amor e carinho o todos os irmãos da fé, especialmente àqueles que discordam de nós, o apreço que temos pelas doutrinas que exaltam a soberania de Deus e a glória a ele em todas as ações, quiçá convencendo-os disso. Prtencioso, talvez - uma pretenção santa, mas zero de arrogância e sempre a favor da koinonia.
Solano
Olá Presbítero,
ResponderMuito obrigado pela atenção. Só quis mostrar que devemos ter cuidado (e penso que a "fé reformada" recomenda isto) para não destacarmos nossa posição teológica (passível de equívocos) acima ou em detrimento das próprias Escrituras (infalível, inerrante e suficiente).
Djaik
Caríssimo Presb. Solano,
ResponderParabéns pelo livro. Ainda não o conheço, mas tenho certeza quanto ao seu conteúdo seguro. Acho que nossos irmãos aqui da terra que militam nessa árdua tarefa de oferecer uma educação diferente vão gostar da iniciativa. As escolas cristãs agradecem.
Grande abraço,
João Eiró
Apenas pegando uma carona na resposta ao comentário de "Adailton, Djaik e Paulo", e a partir da segunda manifestação destes, me parece que nunca se pretendeu - nem se descuidou disso - colocar a fé reformada acima das Escrituras, mas ressaltar, como dito pelo Presbítero Solano Portela, a correção da interpretação e da aplicação que a fé reformada faz das Escrituras ante as interpretações das mesmas Escrituras feitas por outras linhas teológicas.
ResponderAs Escrituras, indubitavelmente infalíveis, inerrantes e suficientes, são interpretadas, como é sabido, das formas mais inusitadas e, quanto ao aspecto salientado no post - cosmovisão cristã -, geralmente em apoio à dicotomia combatida pelo autor.
A suficiência das Escrituras, dada a imaginação corrompida do homem, não pode apenas ser mencionada, mas precisa ser efetivamente considerada na interpretação das mesmas, não se dispensando, assim, o instrumental de leitura adequado, sugerido no post como a teologia reformada, sem exclusão de algum eventual outro que possa existir.
A paz do Senhor a todos.
Olá Luciano, ainda que o autor não tenha pretendido colocar a fé reformada acima das Escrituras, a afirmação dele de que a fé reformada liberta, claramente deu esta impressão. E já que você falou de "instrumental de leitura adequado", diferente do que você diz, o que a fé reformada faz melhor é precisamente afirmar e, até, submeter suas próprias afirmações à suficiência, inerrância e infalibilidade das Escrituras e, mais uma vez insisto, já que, até, a teologia reformada é passível de erros, como a nossa preciosa confissão de fé afirma,é melhor nos limitarmos a afirmar que quem liberta não é a fé reformada, mas a fé bíblica. Pois se assim não o fizermos corremos o risco de cair no mesmo erro de outros sistemas que se colocam acima das Escrituras.
Responder"E já que você falou de "instrumental de leitura adequado", diferente do que você diz, o que a fé reformada faz melhor é precisamente afirmar e, até, submeter suas próprias afirmações à suficiência, inerrância e infalibilidade das Escrituras..."
ResponderA partir dessa citação do último comentário de "Adailton, Djaik e Paulo" eu concluo que devo ter dito o contrário no meu comentário, ou seja, que a teologia reformada subsume a seus postulados as Escrituras Sagradas.
Acho que não o fiz, mas se o fiz, desfaço-o agora... só pra não restarem dúvidas e pra não transformar os comentários a uma postagem tão esclarecedora como essa num longo debate sobre uma suposta mal compreendida afirmação de "a salvação pela fé reformada" ou "a superioridade da fé reformada às Escrituras".