Uma das palavras que caracteriza a época nova que estamos vivendo é “pluralidade”. É um dos conceitos ícones da nova geração. Eu tenho acompanhado a mudança da minha geração para essa presente, e confesso, não tem sido fácil para mim. Uma das coisas que me deixa perturbado é a facilidade com que “pluralidade” se tornou símbolo desse novo tempo, como pessoas trazem o termo na boca, prontos para usá-lo a torto e a direito, sem a menor reflexão sobre seu sentido.
Admito que há pluralidade no mundo, se entendermos pluralidade como diversidade. Nesse sentido, a criação de Deus é plural, a humanidade feita à Sua imagem é plural, as culturas são plurais, as idéias são plurais. Há uma enorme e fascinante diversidade na realidade que nos cerca. Com esse significado relativo e limitado, recebo e amo a pluralidade que encontramos num mundo que faz sentido e que se sustenta em cima de unidades, de princípios universais e absolutos. É, para mim, uma expressão da riqueza, poder e criatividade de nosso Deus.
Todavia, muita gente usa o termo no sentido absoluto, para negar toda e qualquer unidade, igualdade, harmonia e coerência que porventura existam no mundo, nas idéias, nas pessoas e nas culturas. Na verdade, o conceito subjacente que o termo pluralidade, usado modernamente, pretende desconstruir, é o de verdade absoluta, de conceitos e idéias e princípios que sejam válidos em qualquer lugar e a qualquer tempo. Nesse sentido, pluralidade é a testa-de-ferro do relativismo que infesta a mentalidade moderna: a existência coerente de verdades contraditórias que devem ser igualmente aceitas, sem o crivo do exame da veracidade.
Para mim, como cristão reformado, a pluralidade, entendida como diversidade, traz um monte de coisas boas. Se entendida como relativismo total ou variedade contraditória, tenho algumas dificuldades com ela.
1) Nenhum defensor da pluralidade consegue viver de forma coerente com sua crença de que tudo é relativo. Na prática, ele precisa compartilhar com os demais seres humanos determinados valores, convenções, costumes e leituras em comum, sob o risco de não conseguir se relacionar, comunicar e sobreviver. Todo relacionamento precisa de regras comuns e aceitas por todos, como contratos de trabalho, tabela do táxi, leis de trânsito e uma ética ainda que mínima. Mesmo os relativistas mais radicais são obrigados a capitular diante da inexorável realidade: a vida só pode ser organizada e levada à frente com base em princípios físicos e leis universais e que são observados e reconhecidos por todos.
2) Apesar de Raul Seixas ter preferido ser “uma metamorfose ambulante”, e “dizer agora o oposto do que disse antes”, tenho a impressão que dificilmente o ser humano consegue conviver em paz com a idéia da pluralidade. Existe uma busca interior em cada indivíduo por coerência, síntese e unidade de pensamento, sem o que ele não pode fazer sentido da realidade, encontrar o seu lugar no mundo e nem mesmo saber por onde caminhar. Acredito que este ímpeto é decorrente da imagem de Deus, um Deus de ordem, coerente, completo.
3) O conceito de pluralidade absoluta é internamente inconsistente. A afirmação “não existe uma única idéia certa, mas muitas” pode ser entendida simplesmente como apenas mais uma dessas muitas idéias, relativa e portanto não válida para todos ao mesmo tempo.
4) A defesa da pluralidade está longe de ser o discurso da tolerância, da igualdade e da convivência pacífica de idéias diferentes – ela esconde a busca pelo poder, pela instalação e dominação de uma única idéia e exclusão das outras. O melhor exemplo disso é a academia. Na universidade e nas escolas modernas, embora o discurso seja da convivência com o contraditório, o que existe na prática é a dominação ideológica por parte de um grupo que lentamente vai excluindo outras linhas de pensamento. Isso ocorre na psicologia, na biologia, no direito, na filosofia, etc.
5) O princípio subjacente à criação das universidades era exatamente procurar as verdades universais que pudessem unir as diferentes áreas do conhecimento e fazer uma síntese de tudo que existe. Daí o nome universidades. Infelizmente, hoje, as universidades viraram diversidades, abandonando a busca de um todo coerente, de uma cosmovisão que dê sentido e relacionamento harmônico a todos os campos de conhecimento. Quando as universidades surgiram, a cosmovisão cristã fornecia os pressupostos para essa busca da unidade do conhecimento. A teologia era considerada a rainha das disciplinas. Hoje, relegada a um departamento da filosofia, deixou um vácuo até agora não preenchido. A fragmentação do conhecimento tem sido o resultado na Academia, como se as diferentes disciplinas tratassem com mundos distintos, diferentes e contraditórios.
6) A pluralidade modernamente entendida está longe de ser um valor cristão. Muito embora a Bíblia reconheça a pluralidade no sentido de diversidade, quando se trata da revelação de Deus e da verdade, ela se torna intolerante. Outro Evangelho é anátema. O discurso em favor da pluralidade por vezes visa favorecer a legitimação de crenças e práticas que a experiência, a história, a consciência e especialmente a revelação bíblica ensinam que são incorretos, errados e equivocados – para não dizer pecaminosos.
7) Muita gente fala de pluralidade de idéias como se todas as idéias fossem diferentes entre si, ignorando que em muitos casos, elas não se contradizem, apenas se complementam, sendo uma faceta do mesmo diamante, o outro lado da mesma moeda. Em muitos outros casos, idéias que parecem antagônicas são apenas “antinomias” – termo que prefiro a paradoxo. Isto é, a contradição entre elas é apenas aparente, e a falta de harmonização entre elas se deve não a qualquer coisa intrínseca a elas, mas à nossa falta de capacidade de entendê-las e de relacioná-las. Num mundo criado por um Deus todo-poderoso, onisciente e infinitamente sábio é de se esperar que suas criaturas nem sempre entendam racionalmente como as coisas – e elas mesmas – funcionam. O mesmo se aplica à revelação que esse Deus fez de si mesmo nas Escrituras.
8) O conceito de pluralidade não legitima a diversidade de religiões. Apenas constata o óbvio, que existem religiões diferentes, e que dentro dos mesmos ramos religiosos existem diferentes interpretações e compreensões acerca de Deus, do homem, da realidade e do relacionamento destas coisas entre si. Todavia, a pluralidade funciona apenas como uma constatação e não como uma religião propriamente dita, embora muitos já tenham adotado a pluralidade como sua religião. Eles crêem em tudo e por isso mesmo, não crêem em nada.
9) É lamentável que muitos que se dizem seguidores de Jesus Cristo e da Bíblia insistam que a pluralidade é o caminho do cristão. Esquecem as posições firme e claras, e por vezes exclusivistas, que Jesus tomou com relação a outras posições e compreensões religiosas de sua época. Essa atitude foi seguida à risca pelos seus apóstolos. Os escritos neotestamentários denunciam falsos profetas, diferentes compreensões da vida e obra de Cristo e relegam ao campo das heresias aquelas idéias e conceitos que não se conformavam com o ensino original de Jesus e dos apóstolos. Não há qualquer amor à pluralidade – entendida como relativismo pleno e variedade contraditória – nos escritos do Novo Testamento.
Não me entendam mal. Reafirmo a existência e reconheço a realidade da diversidade, variedade, multiplicidade de idéias, conceitos, costumes, e que elas são resultado dos diferentes ambientes vivenciais, experiências e culturas dos indivíduos. Estou questionando o pensamento de que pluralidade implica na total relativização da verdade, na dissolução do conceito de que existem idéias e valores absolutos, princípios e verdades espirituais, éticas, morais, epistemológicas que são universais. Nesse ponto, continuo firme na convicção que o Cristianismo bíblico fornece o fundamento para se ver e entender a realidade como um todo coerente.
Atitudes para com o nosso Rei-Pastor
Há 19 horas
12 comentários
comentáriosRev. Augustos,
ResponderAcho que a ‘Pluralidade´ conforme entende o homem hodierno é fruto deste, em sua ignorância, querer ser o centro de todas as coisas.
Blaise Pascal disse:
“É muito perigoso fazer ver demais ao homem o quanto ele é igual aos animais, sem lhes mostrar sua grandeza. É ainda perigoso fazer-lhe ver demais a sua grandeza sem a sua baixeza. É ainda mais perigoso deixá-lo ignorar uma e outra. Mas é muito vantajoso representar-lhe ambas”.
Realmente uma das principais características do homem pós-moderno é a falta de referenciais. Isto é fruto dele ter destruído através dos séculos todos os modelos que apontam para uma orientação padrão, e nisso inclui-se a Lei de Deus.
Assim, desnorteado que anda, alijado de referências, como que sem norte, sente-se paradoxalmente livre e inseguro ao mesmo tempo, diante de suas escolhas incertas, a que chama de pluralismo.
Battista Mondin , comentando sobre isso afirma:
“Perdeu a referência que lhe sirva de orientação e não consegue mais encontrar parâmetros válidos sobre os quais fundar seus juízos. Não sabe mais distinguir entre o bem e o mal, entre o verdadeiro e o falso, entre o belo e o feio, entre o justo e o injusto, entre o útil e o prejudicial, entre o lícito e ilícito, entre o descente e o inconveniente(...) As antigas certezas culturais e morais jazem por toda terra; os valores sobre os quais e fundava a nossa civilização foram como que esmagados e dissolvidos; os pontos de referência do progresso e da ação perderam sua consistência”
Acrescento eu ao que disse Mondin: perdeu a referência correta do plural, no sentido de diversidade, e plural no sentido leviano que aplicam.
P.S: utilizei com base do comentário anotações de classe feitas em aula ministrada pelo rev. Hermisten Maia, e não poderia deixar de citar a famosa ilustração que ele cita (as vezes até mais 3 vezes para uma turma, esquecendo que já contou...rs):
“Uma pessoa chega ao estacionamento de um shopping para estacionar o seu carro. Curiosamente, não existe carro nenhum além do dele. E além disse, nenhuma marca no chão, nem aquelas famosas listas amarelas para separar as vagas. O motorista então passa a ter dificuldades para estacionar o carro com todo aquele espaço. Razão: falta de referencial”.
Abraços!
Alexandre
Augustus,
ResponderEm anos de graduação e pós (Letras), nunca ouvi tantas vezes o termo "pluralidade", em aulas, congressos, discussões de leituras! E o mais tragicômico disso é que há uma uniformidade incrível por trás desse conceito: são todos dizendo as mesmas coisas, mas falando de "pluralidade"! É para rir.
Abração!
Então, o que está atrás desse grande cenário da pluralidade ? sem dúvida, uma grande uniformidade.
Responderrecentemente entrei no site plurall.org e visitei os ideais de uma sociedade plural. bem, é interessante notar que não ha diferança alguma entre as pessoas pertencente a esses grupos, se eu pedir para tocar uma funk ou uma música sertaneja seria apedrejado. É claro que se eu participasse dessa comunidade, fosse a suas festas, bem como nos seus rituais espirituais, como um cristão reformado, nao seria tao bem aceito assim, ainda mais se eu começasse a opinar. ou seja, a pluralidade pregada pelos pluralistas exclue aqueles que não pensam como eles.
seguindo o pensamento de Pascal apresentado no primeiro comentário, vejo assim a dupla natureza do homem tendo em vista a pluralidade: a pluralidade no homem é em relação à sua miserabilidade, enquanto que a grandeza do homem está na sua unidade, na sua concordância com o que de fato é verdadeiro, pois tudo que é construido e sustenta uma sociedade é fruto da união de idéias não divergentes. Ou seja, quando estamos abrindo o campo para toda e quaisquer manifestações de idéias, ações, sentimentos, religiões, na verdade estamos dividindo uma força. Parece que sou pouco kantiano, mas se cada um estacionar o carro no estacionamento do shopping como quiser dificil será para sair depois.
Nele que aprendi a ser misericordioso e pedir misericordia.
Igor Menezes
Penso que o pluralismo religioso é um sinal da riqueza do Misterio Divino . A existencia de outras religiões atesta ao mesmo tempo a abundancia de DEUS e a multiforme resposta da humanidade nas diversas manifestações culturais. Como explica o teólogo Claude geffre '' O pluralismo religioso deve ser acolhido com gratidão, como um sinal das superabundantes riquezas do mistério divino que transborda sobre a humanidade como uma excepcional ocasião de enriquecimento recíproco, de fecundação cruzada e de tansformaçao das próprias tradições. É PRECISO APROFUNDAR O DIÁLOGO NA BUSCA DE UMA NOVA TEOLOGIA. Não quero chegar a uma religião universal, que nada mais seria do que um amontoado de ritos superficiais e sem identidade. Quero afirmar o contárario, a manutençao da pluralidade, sob o diálogo religioso e teológico, a partir das pertenças religiosas e culturais. A teoria da presença de Cristo nas religioões, conhecida como inclusivista afirma a presença de Cristo nas religiões sem eliminar suas especificidades.
ResponderQuem quizer conhecer mais é so procurar teólogos como: JACKES DUPUIS, Claude Geffre, K Raner, jb libanio etc .
PP
Resposta ao comentário do "Anônimo" 27/02/07 16:40
ResponderTodos reconhecem, certamente, que a maioria daqueles que falam em dialogo entre religiões, agem de boa fé. Entretanto, parece haver um certo dirigismo central neste movimento, partindo que pessoas que não falam abertamente de suas motivações e agendas. É relativamente comum, hoje em dia, que movimentos que parecem espontaneos, tenham sido planejados, ou se não, apropriados por grupos com interesses totalitaristas.
Se estou errado, nenhum mal faço, visto que com ou sem diálogo, acredito no respeito às outras pessoas, e no direito de crerem diferentemente de mim. Cada um na sua. Quem quiser vir discutir educadamente será bem vindo, e ouvirá também o que creio. Mas não creio em produzir uma "sintese" entre o cristianismo e outras religiões. A "obrigação" de produzir uma "teologia" que agrade a todos é parte deste totalitarismo que denuncio.
Renato U Souza
Olá a todos...
ResponderVejo um forte componente mal dimensionado no pluralismo teológico, no que tange a posições mais ortodoxas.
Posso citar exemplos de minha "denominação". Há uma série de decisões aprovadas e são vistas como plurais, no entanto, muitas delas desagradam os mais ortodoxos, por exemplo, ordenação feminina.
Sob essa decisão é dito que a igreja local tem autonomia sobre a aplicação ou não das regras, ou seja, viva o pluralismo!!
No entanto, como foi uma decisão tomada e definida no estatuto, se em uma igreja com teologia mais ortodoxa, uma presbiterável quiser assumir o cargo, a liderança não pode barrar. Ou seja, o pluralismo
vem com o ar de democracia, mas há uma forte concepção de verdade, no entanto, relativa.
Abraços
JP
Caro Igor,
ResponderObrigado por seu comentário, muito revelador.
Acho interessante que defensores da pluralidade estejam unânimes. A rigor, a unanimidade é incompatível com a pluralidade. Se todos concordam que não existe uma verdade única, mas muitas, e que a verdade depende do ponto de vista de cada um, essa unanimidade já é uma exceção à regra.
Concordo totalmente: os pluralistas costumam excluir os unívocos. A pluralidade, em si, é também relativa, e só vale quando interessa.
A figura do estacionamento no shopping é muito boa e diz tudo.
Um abraço.
Meu caro JP,
ResponderOs mais ortodoxos geralmente não são pluralistas, embora sempre exista em alguns conservadores uma certa tolerância para pensamentos divergentes.
Concordo: o pluralismo vem com cara de democracia, mas na hora do vamos ver, é verdade relativa mesmo.
Abraços.
Olá Nicodemus
ResponderAcho que a primeira parte do texto escrevi mal...vou reformular...
"Vejo um forte componente mal dimensionado no pluralismo teológico. Mesmo que a concepção e a pregação do pluralismo seja de uma diversidade de pensamentos, acredito que existe uma forte reação e retaliação a ortodoxia. E esse fato, dentro dos pressupostos do pluralismo não deveria acontecer, ou seja, há uma enorme contradição ou é intencional."
Poderiamos dizer "Ditadura do Relativismo"....
Abraços
JP
eu gostaria de saber se existe alguma universidade no brasil por exemplo que nao exista essa pluralidade ? pois realmente o aluno cristao enfrenta um tremendo golias nas universidades de hoje.
ResponderOlá Nicodemus
ResponderPosso usar o seu texto sobre Pluralidade em uma oficina que vou dirigir em um Congresso de Estudantes?
O senhor sugere outro link sobre o assunto Diversidade x Pluralidade?
Abraços
JP
JP,
ResponderDesculpe a demora -- sim, claro, pode usar o texto. No momento, não me ocorre uma indicação adicional sobre o assunto, fico devendo!
Um abraço.