Uma coisa que eu sempre gostei dos antigos liberais alemães e americanos foi o radicalismo das suas idéias e a criatividade. Ficava impressionado com a coragem deles em cruzar as linhas que claramente demarcavam o solo santo da fé histórica da Igreja. Nunca entendi direito como alguém que não cria que a Bíblia era a Palavra de Deus, que não cria na Encarnação, que não cria na Ressurreição física e literal de Jesus, ainda podia ter algum interesse em estudar a Bíblia. Mas, eles não somente negavam tudo isto e muito mais, como também demonstravam uma criatividade extraordinária em explicar o que acreditavam que realmente havia acontecido na Igreja e em Israel. O bom da coisa é que eu sabia desde cedo com quem estava lidando. As linhas demarcatórias eram claras. Como disse Machen, o liberalismo não é cristianismo, mas uma outra religião. E isto ficava claro nos próprios livros dos liberais.
Mas hoje é diferente. Todo mundo nega que ainda existam liberais. Num sentido, é verdade. Pois o liberalismo teológico, como movimento e metodologia, já foi desacreditado. Os neo-liberais, sucessores dos próprios, são de outra estirpe, todavia. Prefiro os antigos liberais. Os neo-liberais não são radicais e nem criativos. Não tomam posição. Não falam claro. E nem escrevem claro. Preferem o caminho da ambiguidade, da incerteza, da mornidão, do crepúsculo. Você nunca sabe em que realmente um neo-liberal acredita. Nem quando ele fala e nem quando ele escreve. Uma vez um neo-liberal veio conversar comigo sobre a existência de um Adão histórico. Teria existido realmente? Durante a conversa toda fiquei sem saber se ele acreditava ou não que Adão havia existido realmente, se ele estava perguntando porque tinha dúvidas ou porque desejava ouvir os argumentos da minha parte. Os alunos de professores neo-liberais geralmente saem divididos da aula: "O professor acredita na Bíblia!" diz um. "Como?", responde o outro, "ele chamou tudo de mito!".
E a queda que os neo-liberais têm para o pentecostalismo? Aí é que confunde tudo! Acho que os pentecostais não reconheceriam os neo-liberais como filhos legítimos. Ninguém nem sabe se eles acreditam na personalidade do Espírito Santo e se acreditam que milagres aconteceram (e acontecem). Os antigos liberais, contudo, permaneciam geralmente na tradição de suas igrejas. Bultmann (foto ao lado) foi, até morrer, diácono da Igreja Luterana.
Seminários onde não se ensina nem o liberalismo e nem o cristianismo histórico (não usei "fundamentalismo" de propósito), e onde não existe uma linha definida, são fábricas de neo-liberais. Eles saem de lá desacreditando da teologia, pois tantas dúvidas foram semeadas que não sabem mais como acreditar firmemente em alguma coisa. Daí, no ministério e na vida pessoal as opções são o pragmatismo e/ou o pentecostalismo. E em vez de teologia, passam a gostar de poesia.
Os antigos liberais eram impressionantes pela firmeza, pela clareza e pela coragem. Vários perderam seus empregos e ministérios por tomarem posição clara, como Strauss (foto ao lado), que publicou suas idéias acerca do Jesus histórico. Seus herdeiros, os neo-liberais, nem mesmo eles sabem em que acreditam, pois acreditam em tudo. Não se fazem mais liberais como antigamente.
Atitudes para com o nosso Rei-Pastor – parte V
Há 13 horas
8 comentários
comentáriosÉ. Os liberais de antigamente também mostravam a cara. Identificavam-se quando eram contrários a alguma coisa ou a alguém. Agora se misturam e se confundem com os demais. A única coisa que persiste é o veneno letal e o coração carente do sopro regenerador do Espírito Santo.
ResponderSolano
Acho que são uma geração nova e mais aperfeiçoada de anti-cristos, diferente daqueles que João disse terem se espalhado pelo mundo. Os atuais mais mais bem descritos pelas profecias de Judas: rochas submersas.
ResponderFôlton
Há um outro fenômeno que considero interessante: o conservador que quer ser amigo de todos e pensa que o liberalismo é aceitável - mas continua dizendo, "sou conservador". Foi esta classe que permitiu que denominações inteiras se tornassem liberais, em tempos passados. Diríamos, hoje, são moderados. Minha pergunta é: no que? Tem alguns que até se consideram arautos...
ResponderAugustus, você escreveu: "Os neo-liberais não são radicais e nem criativos. Não tomam posição. Não falam claro. E nem escrevem claro. Preferem o caminho da ambiguidade, da incerteza, da mornidão, do crepúsculo. Você nunca sabe em que realmente um neo-liberal acredita." Que "coincidência": igualzinho aos teóricos da modernidade! Talvez haja aí uma boa explicação: todo liberal gosta de filosofia moderna - Kant, Hegel, Sartre, Deleuze. E a moda moderna é perguntar sem nunca concluir, abrir sem nunca fechar, declarar a "fluidez do sentido" sobre tudo. Em vez de liberais, melhor seria que os chamássemos "modernos" - em tudo estão "na moda" do pensamento (?) contemporâneo e sua verborragia inútil, que faz o leitor caminhar em círculos para não chegar a lugar algum - pois, para começar, eles descrêem na possibilidade real de conhecimento... o que é uma grande hipocrisia, aventurar-se a escrever livros (produzindo conhecimento) dizendo que não há conhecimento! Deviam era calar a boca, isso sim.
ResponderParabéns, excelente post!
Amigos, obrigado pelos comentários. E especialmente agradeço a Norma, que estou conhecendo agora, mas cujo blog já visitei. Fantástico! Sobre este assunto, o que mais me assusta, além da falta de clareza dos neo-liberais ou pósmodernos, é a possibilidade de que se trata, na verdade, de incredulidade disfarçada sob a capa de pseudo academicismo. No fundo, é falta de fé, de acreditar, de receber, de se sujeitar à Palavra. Se for isto mesmo, estamos diante de mais uma manifestação da religiosidade humana privada da graça de Deus.
ResponderEu estudo em um seminário cujo os mestres são neo-liberais. Infelizmente e realmente eles não são claros quanto suas crenças. Porém negam ou relativizamm fundamentos centrais da fé cristã. Dizem que são cristãos, mas exaltam Nietzche, Feuerbach, Freud, Marx, Foucalt, Derrida , Gadamer, Ricour e outros que negam a Palavra.
ResponderProf. Nicodemus,
ResponderNão é que estou atrasado para comentar o seu texto! Mas é que só agora descobri que havia algo sobre liberalismo.
No seminário batista havia professores liberais (ou neo-liberais). Como Norma Braga disse, eles "caminham em círculos e não chegam a lugar nenhum". Um deles disse que ficava arrepiado com os textos do Meister Eckhart. E esse professor (de Filosofia) era marxista (vermelho todo), pentecostal e batista (nós, aqui, viramos a cara para ele)... Bom, não gosto do Eckhart porque não entendo o que ele lê - deve ser por isso que só a pós-graduação o procura. Também não consigo entender nada que os alemães escrrevem, meu Deus do céu!
Marcelo Hagah
João Pessoa-PB
Marcelo,
ResponderNunca é tarde para comentários inteligentes. E há muito mais sobre liberalismo no blog, é só fazer um "search" que você vai descobrir posts e mais posts.
Hehehehehehe -- os alemães não são fáceis não, pode crer!
Um abraço.