Tortura Mineira
Nota Histórica: Há pouco mais de dez anos, trabalhei em um grupo do ramo automotivo. Eu havia sido colocado no lugar de um senhor que, mesmo desligado formalmente, prestava ainda alguma consultoria e se fez presente, durante alguns anos, nas empresas da organização. Os meus contatos com o referido senhor, que era de Minas Gerais, nunca eram muito agradáveis. Ele se empenhava em ressaltar as suas realizações, em creditar tudo que estava certo às suas decisões, e em definir tudo que estava errado como sendo incompetência de outras pessoas. Referia-se com freqüência ao “seu tempo”; como fazia todas as coisas de forma diferentemente mais eficiente; como era mais perspicaz e inteligente e como tinha feito uma diferença significativa por onde passara.
Hoje, fazendo um balanço de minha carreira de mais de 30 anos de trabalho, em vários tipos de organizações, verifico que esse tipo se faz presente em todas as eras, ocasiões e instituições. Uma pessoa, ao ler o texto, disse: "conheço de quem você está falando"! Será? A verdade é que a descrição se aplica a muitos, de qualquer estado ou região. A quantidade de pessoas que considera a auto-exaltação um mecanismo de sobrevivência e modelo de vida, nunca terá fim. Assim, estou fazendo este “post” por considerar que o texto abaixo, escrito em 06 de fevereiro de 1998, captura momentos que são vividos por muitos de nós e ainda é pertinente:
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Fui dormir com dor de cabeça. No final da tarde uma sessão de verborrágica megalomania capitaneada por um ex-integrante (o torturador) do grupo empresarial ao qual me acho ligado chamuscou a ponta dos meus neurônios. Durante mais de duas horas fui submetido à mais cruel das torturas mineiras, na qual o ponto crucial da dor subsiste em infligir ao infeliz ouvinte (o torturado) um extenso monólogo, acompanhado de amplos gestos ilustrativos, pegadas de braço, contato fisico para chamada de atenção e intermitentes — mas generosas — cusparadas, algumas das quais atingem a região próxima aos ouvidos e olhos do torturado, sem dó ou misericórdia.
O propósito do monólogo, é desfilar um rosário de pseudo-realizações, no qual as qualificações, verdadeiras ou não, do super homem que está a falar, sejam expressas e fiquem indelevelmente marcadas na mente da pessoa encurralada. Não é importante se as realizações já foram formuladas no passado, se as qualidades do torturador já foram alvo de auto-divulgação pública, se os fatos relatados são distorcidos e exagerados. O importante para o torturador é que ele possa magnificar ad nauseam as suas realizações, transmitindo a impressão de quão agraciado é o torturado, por estar tendo esses raros momentos em sua presença. O objetivo da tortura é promover uma lavagem cerebral completa, finda a qual o torturado chegará à surpreendente convicção de que o torturador é, realmente, a dádiva de Deus à raça humana.
Um acessório fundamental, à sessão de tortura, é a comparação dos feitos do torturador, de forma velada ou explícita, com as infinitésimas, desprezíveis, incompetentes, inadequadas, errôneas e equivocadas realizações do torturado. Se fatos puderem ser levantados, nos quais haja alusão a perdas substanciais monetárias, causadas pela suposta ignorância do torturado ou por sua falta de ação, a tortura adquire mais eficácia. Obviamente todas essas serão contrapostas aos incríveis lucros gerados pelo torturador ao grupo empresarial do torturado, quando o torturador dele ainda fazia parte. O torturador é exímio no levantamento das incríveis oportunidades empresariais que descobriu, nos mirabolantes negócios imobiliários que aconselhou e na esperteza dos contratos que formulou. No final da sessão o torturado é pressionado a chegar à assombrosa conclusão de que o império econômico que lhe paga os honorários não é devido perspicácia, competência ou senso de negócios do fundador, mas aos atos do torturador.
O torturador tem certeza que o minúsculo cérebro do torturado não consegue enxergar a necessidade de auto-afirmação que motiva as suas colocações. Com o bom senso totalmente cauterizado, fruto de bem sucedidas e incontestadas sessões intermináveis de tortura, o torturador segue à frente na sua missão. Torturados em potencial apressam-se em bajular e exaltar de pronto a pessoa do torturador, na esperança de escapar da sessão que se avizinha. Gestores de maior escalão, empurram o torturador em reuniões de negociação com futuros parceiros de negócios, no sentido de mais rapidamente minar a resistência desses e de enfraquecer a oposição. O torturador não percebe que é manipulado naquilo que aparentemente é sua maior fortaleza - a empáfia, e que a cada passo de sua vida fica mais inchado em si, mais distanciado da realidade, mais cruel, mais mentiroso e cada vez mais só.