Quando tive um acidente de moto cerca de três semanas atrás,
fiquei hospitalizado por dez dias, período em que experimentei dores quase
insuportáveis. Havia quebrado o pé e a mão diretos. A mão direita precisou de
uma extensa cirurgia e da implantação de uma placa de titânio. Apesar dos
anestésicos, as dores eram constantes.
Durante os primeiros dias no hospital, não somente as dores
como também o desconforto físico tiveram um profundo efeito sobre minha vida
espiritual. Dúvidas, confusão, incertezas, ansiedade e quase desespero se
apoderaram da minha mente e do meu coração. Cheguei mesmo a rever as questões
mais básicas da minha fé, como por exemplo, o amor de Deus pelos seus filhos, o
seu sistema, que às vezes parece cruel, de submeter os seus filhos ao
sofrimento e à dor, a minha vulnerabilidade e fraqueza diante da realidade, e
especialmente as incertezas relacionadas com o futuro.
Depois de alguns dias debaixo de intenso sofrimento físico,
mental e espiritual, finalmente a luz raiou. Ela veio através do alívio das
dores e de uma percepção que Deus me deu durante a oração de um irmão que me
visitava, com respeito ao seu propósito geral com o sofrimento na vida de seus
filhos.
Em nenhum momento eu havia atribuído a Deus qualquer
responsabilidade pelo acidente. Como calvinista, eu sabia muito bem que o
acidente tinha sido resultado das causas naturais, das leis físicas gerais que
Deus havia criado e estabelecido para governar a realidade. Eu havia quebrado
aquelas leis e agora estava sofrendo as consequências. Eu sabia que nada
acontece sem a vontade de Deus. Mas, a consciência da minha responsabilidade
aqui nesse mundo, que sempre acompanhou a consciência que tenho da absoluta
soberania divina, não permitiu que eu atribuísse a Deus qualquer mal. Ele
sempre é justo e bom. O acidente era a consequência inevitável de eu ter
quebrado leis físicas que ele havia estabelecido - no caso, acelerar sem
calcular corretamente espaço e trajetória.
Mas o ponto que quero destacar foi a percepção que eu tive,
lá no hospital, como nunca antes, da relação inseparável entre o nosso espírito
e nosso corpo. Ou, colocando de outra maneira, a relação inseparável entre bem
estar espiritual e bem estar físico. Não pretendo aqui entrar na eterna
discussão entre dicotomistas e tricotomistas, se o espírito e a alma são duas
dimensões distintas do homem ou a mesma descrita com duas palavras diferentes.
Ambos hão de concordar que a dimensão espiritual e a dimensão física estão
profundamente relacionadas.
Percebi muito claramente que, diante do sofrimento e da dor,
a minha fé havia se estremecido e se abatido. Pensei nos mártires de outrora,
do início do cristianismo. Me lembrei da história que nem sempre é contada, que
nem todos os cristãos primitivos morreram alegremente, cantando hinos nas
labaredas de fogo ou nos dentes das feras. Não poucos morreram gritando de dor,
sem demonstrar qualquer coragem durante seu martírio. Outros, publicamente
renunciaram à fé, para não padecer sofrimentos e encarar uma morte terrível.
Quanto aos que morreram confiantes em Deus, cantando hinos e
dando testemunho do amor e do poder de Deus, e assim entrando nos registros da
história da igreja cristã, a eles foi dada a graça de morrer como mártires,
glorificando a Deus. Eu não mais julgo aqueles outros que, diante da tortura,
da dor e do sofrimento, deram mostra de fraqueza e covardia. Eu posso entender
porque eles fizeram isto. Porque eu mesmo percebi no meu coração, quando a dor
se tornou mais insuportável, uma grande dificuldade de me manter esperançoso,
alegre e confiante nas promessas de Deus.
Vejo vários exemplos desta relação entre corpo e espírito
nas Escrituras. No caso de Jó, Satanás foi direto ao ponto. Ele disse a Deus
que se tocasse no corpo de Jó, este haveria de negá-lo. Pois, segundo o diabo
argumentou, "Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida.
Estende, porém, a mão, toca- lhe nos ossos e na carne e verás se não blasfema
contra ti na tua face” (Jó 2.4-5). Embora seja pai da mentira, Satanás é
extremamente perspicaz. Ele sabe da relação entre espírito e corpo no ser
humano, sabe que se atingir um, atinge o outro.
Quando o profeta Elias estava extremamente cansado,
sentiu-se deprimido a ponto de pedir a própria morte (1Re 19.4). Jonas, debaixo
de calor insuportável, pediu impensadamente pra morrer (Jonas 4.8). Paulo fala
de um espinho na carne, que o abatia constantemente (2Co 12.7-10). Em outras
palavras, é muito mais fácil termos esperança, coragem, alegria, ânimo e
confiança quando nos sentimos bem fisicamente.
Aqueles dias no hospital me ensinaram pelo menos duas coisas.
Primeiro, que não sou tão forte espiritualmente assim como pensava. Muito da
fortaleza, confiança e esperança que tenho, está relacionada, e de certa forma
dependente, do meu bem estar físico. Assim, se Deus não me sustentar na hora da
doença, da dor e da adversidade, facilmente desanimaria e me abateria ao ponto
do desespero. Somente Deus é quem nos sustenta nas horas da provação e da
aflição.
A segunda coisa que aprendi, é a necessidade de ser mais
compassivo e compreensivo com quem está sofrendo. As vezes chegamos mesmo ao
ponto de repreender irmãos que estão em dores e sofrimento, porque eles não
conseguem estar alegres, esperançosos e se manter calmos e confiantes diante
das promessas de Deus. Só quem experimentou dores profundas, durante um tempo
prolongado, e que sabe como é difícil manter a mente focada nestas coisas
quando o corpo inteiro é uma única dor insuportável.
Por fim, o meu apreço cresceu por aqueles crentes que,
durante períodos de provação, sofrimento, doença, dor e perseguições, consegue
regozijar-se e alegrar-se em Cristo Jesus. Esta é uma verdadeira dádiva dos
céus. Que o nosso Deus conceda que, na dor ou no sofrimento, nós o glorifiquemos
através de uma disposição espiritual agradável a ele, que mostre ao mundo que
há um poder sobrenatural por detrás daquele que crê.
16 comentários
comentáriosPalavras fortes e que nos impulsionam a estarmos sempre, sempre e sempre, e constantemente em oração e súplicas diante as nossas fraquezas! Que Deus nos perdoe e nos ajude sempre. Deus está contigo, irmão!
ResponderCaro Augustus,
ResponderObrigado pela sua sincera reflexão pessoal a respeito do tema. Já há algum tempo, por conta de minhas condições particulares de trabalho, venho refletindo sobre a minha condição física e minha vida espiritual. Tudo começou quando, traduzindo o Dr. Carson, em uma palestra, ele relacionou a questão da disposição física e espiritualidade. Também me lembrei, naquela ocasião, de um outro irmão que traduzi, muitos anos atrás. Perguntei a ele antes de uma última palestra em um longo evento: como está irmão? Ele respondeu: orando para que Deus me de uma dose extra de adrenalina para terminar a pregação com o vigor necessário. Os espirituais provavelmente recriminariam este pregador, dizendo: você precisa pedir é o Espírito Santo!
O que sinto é que meu cansaço físico reflete-se totalmente na minha capacidade de orar, estudar e, consequentemente, pregar. Agora, imagino a dor, o que faria? Aliás, há anos que tenho uma condição nos pés em que tenho dores quase 100% do tempo em que estou em pé, principalmente parado, pregando ou dando aulas. Nesse caso, quando termino, sinto as dores mais intensas e me lembro da minha fraqueza. Que sua reflexão nos lembre a todos de que a proclamação do Evangelho acontece por meio de vasos de barro! Tenho certeza que Solano tem reflexões a respeito. Melhoras colega. abs Mauro
Caro Rev. Augustus,
ResponderFico feliz em saber que está melhor e se recuperando bem. Muito obrigado por compartilhar seu testemunho pessoal perante esta experiência de dor. Vou refletir em cada parágrafo, até porque eu tenho enxaqueca crônica e estou tendo que aprender a conviver com alguns momentos de dor intensa. Tenho pensado muito na questão corpo-espírito nos últimos anos por conta disso e tenho certeza que seu texto vai me ajudar de alguma forma.
Que Deus continue abençoando sua vida, família e ministério.
Grande abraço, em Cristo!
Ruy Marinho
Caro pastor, graça e paz.
ResponderFaço questão de destacar em primeiro lugar que "O Tempora, O Mores" é para mim, em especial, fonte de aprendizado, conhecimento e compartilhamento.
Também sou uma pessoa que convivo com a dor constantemente e que em breve irei passar por uma cirurgia. Suas palavras sinceras e oportunas foram muito edificantes para mim.
No meu caso, em especial, eu nem poderia ficar de pé pregando, mas quando prego, sinto alívio das dores por conta do que me explicaram tratar-se de liberação de dopamina pelo meu organismo por estar fazendo algo que eu goste. Achei estranha a explicação, mas é a única que tenho para o estranho fenômeno.
Permita-me o atrevimento e a colocação de um link meu bem oportuno para o momento de sua reflexão que gostaria de sua atenção, se possível, uma vez que refletindo na dor, no sofrimento e na vida espiritual é que produzi o texto a seguir: http://issuu.com/danielbarreto4/docs/pregacao-propositos-com-capa/1
A sua visualização é amigável e muito simples. Obrigado por este momento. Estimo as suas melhoras.
Imagine o momento da dor mais atroz. Agora pense que o inferno seria essa sensação por toda eternidade. Agora imagine Deus sendo glorificado por tal situação na via de incontáveis bilhões de pessoas, simultânea e ininterruptamente. É plausível? Deus quer isso mesmo por todo o sempre, e sempre, e sempre? É assim que será, ou podemos estar enganados acerca de nossa concepção de inferno? Deus precisa desse sofrimento todo? Ele criou isso e levará isso a cabo?
ResponderQuão confortante foi ler sobre a sua reflexão diante da dor irmão Nicodemus.
ResponderGraças a Deus que se agradou em usar o senhor para trazer consolo a um pecador em sofrimentos!
Obrigado meu irmão, por não se prender ao orgulho ou hipocrisia.
Deus o abençoe na recuperação!
Pastor Augustus,
ResponderO sr. falou tudo, "é muito mais fácil termos esperança, coragem, alegria, ânimo e confiança quando nos sentimos bem fisicamente."
Tenho aprendido muito em momentos de dificuldades, gosto muito de uma frase de Spurgeon que diz mais ou menos assim: "A segunda maior bênção que Deus pode dar a cada um de nós aqui na Terra, é a saúde. A primeira, é a enfermidade. Esta, tem sido mais útil aos santos do que a saúde."
Creio que ele disse isso porque são nesses momentos que mais dependemos de Deus e reconhecemos a nossa impotência, isso, mesmo que seja difícil por conta da dor, nos faz exaltar a Deus e nos põe com coração contrito. Nos aproxima dele e nos faz sentir a sua presença.
Como já tive oportunidade de dizer ao irmão: "Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Romanos 8:28 (NVI)"
O sr. teve grande humildade nessas palavras, aprendi com isso, não sei se faria o mesmo, digo também que a minha igreja esteve orando pelo irmão durante esse período, especialmente neste final de semana, o querido pastor sabe disso.
Continuamos em oração!
Graça e paz!
Rodrigo
Reverendo,
ResponderConfesso que jamais gostei de motocicletas, e cresci com a ideia de que elas são intrinsecamente perigosas, pois o condutor fica exposto, o que é mais complicado em países como o Brasil, em que o trânsito é o que a gente conhece. No entanto, pilotar motos parece ser uma paixão para o senhor, além de uma forma mais ágil de se mover em São Paulo. Fiquei preocupado, mas parece que o senhor está bem, o que é muito importante. Que Deus o abençoe mais e mais. Fique bem!
Pastor Nicodemus,
ResponderEu li o seu texto e gostei muito, lembrei de quando estava doente e desejava a morte, não parava de orar, no meu desespero era a única coisa que eu conseguia fazer. Deus o abençoe ricamente pelo seu testemunho, sei que o Senhor tem te usado de maneira MARAVILHOSA, inclusive para nos mostrar que seja na fraqueza seja na saúde, é Ele quem nos sustenta e Ele está no controle de todas as situações !!
Desejo-lhe melhoras....um abraço carinhoso,
Amanda Victória
Pastor Augustus Nicodemus,
ResponderOro a Deus pela sua recuperação e O louvo pela Sua maravilhosa capacidade de nos trazer novos ensinamentos e perspectivas, ainda que através da dor. Seus textos e pregações têm me edificado bastante. Deus te abençoe!
Graça e paz, pastor!!!
ResponderLamento saber que o senhor passou por tão lamentável episódio. Tenho muito apreço pelo senhor e tenho aprendido muito com seus estudos e suas pregações. Desejo rápido restabelecimento e louvo a Deus por saber que sua fé saiu fortalecida e então cumpriu-se o que a bíblia diz: Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que são do Senhor... Conte com a nossa oração!!!!
Caro amigo
ResponderAbro uma rápida exceção a uma promessa feita, para lhe desejar uma boa recuperação.
Há tempo para tudo debaixo do sol, talvez seja o tempo de vender a moto.
Já tenho certeza absoluta que na dor intensa, fora da Graça, nenhuma fortaleza se sustenta, nenhuma confiança é inabalável.
Mas pela Graça, e somente por Ele, se o Senhor a desejar dar, somente então seremos vitoriosos.
É uma lição de humildade.
Hoje a noite antes de dormir, orarei pela sua saúde.
Retorno ao cumprimento da promessa e me calo.
Abraço!
Graça e Paz!
ResponderJuntarei minha oração à dos outros irmãos pela recuperação do Reverendo.
A agradecer a Deus por sua vida e ensinamentos, mesmo nos momentos de dor.
Louvado seja Cristo, nossa vida e Senhor!
Rev., lendo seu artigo, pude parar e pensar quão importantes é, para nós, passarmos por esses momentos.
ResponderEu sofro de depressão, tenho que tomar meus remédios todos os dias, contudo, há dias em que parece que os remédios não são tão eficazes e me deixam um pouco pra baixo.
Tenho percebido também, que nesses dias fico mais sensível. É nesses dias em que meus pensamentos se voltam para uma reflexão mais profunda e tenho percebido também, que nesses dias, parece que meus ouvidos ficam mais sensíveis à voz de Deus.
Hoje, penso que, aprendi a viver com minha depressão, e vejo que ela tem sido uma benção de Deus na minha vida e todas as vezes que esses momentos chegam, a primeira pergunta que faço é: O que Deus está querendo me falar? O que tenho para aprender com Deus hoje?
Meu estimado pastor me desculpe, mas não quero ensinar o padre a rezar, como comumente se diz, mas tenho percebido que Deus às vezes nos faz parar com nossas atividades para ficar a sós conosco, temos que aproveitar ao máximo esses momentos, por mais estranho que possa parecer.
Um forte abraço e que Deus o restabeleça física e espiritualmente.
Maurício
Rev. Augustus,
ResponderTexto maravilhoso!
Parabéns pela sinceridade e pelo reconhecimento, mais uma vez, de que Deus está no controle de tudo. Por mais adversa que seja a situação, ele jamais abandona seus servos (Hebreus 13.5).
Que Deus continue cuidando do senhor, proporcionando seu total restabelecimento e fortalecendo a sua fé.
Abraços,
Brunno.
Sinceridade extrema!!!
Responder