quinta-feira, dezembro 22, 2005

Solano Portela

FOME, capitalismo e a necessidade de precisão na análise.

A fome das pessoas é um problema real, que incomoda os famintos e leva alguns alimentados a procurar aliviá-la. No Brasil criamos um programa governamental pífio e mal-sucedido para, supostamente, erradicá-la da sociedade. No afã de fazer alguma coisa, ou, por vezes, com motivos menos nobres e demagógicos, rotula-se a fome como sendo uma catástrofe gerada por este "mundo capitalista" – como escreveu um amigo meu. Essa análise é falha, pois o mundo é tudo, MENOS capitalista. A fome ocorre genericamente neste mundo onde impera o pecado, exatamente por causa do pecado.

A fome existe nas Ruandas, Somálias, Sudãos e Etiópias da vida (de ideologia amorfa) - onde a exploração genocida, com a visão tribal de uma etnia sobre a outra exterioriza o pecado latente no coração de cada pessoa da forma mais letal - acompanhado de opressões, mutilações, extermínios, estupros, separações familiares e outras tantas barbaridades.

A fome ocorre na Coréia do Norte (um dos últimos dos antigos "paraísos" comunistas) onde o pecado é representado pelo desvio de recursos de um crápula egomaníaco que perpetua uma dinastia de opressão sobre seu próprio povo, mantendo um exército com investimentos desproporcionais ao que o país gera de recursos.

A fome ocorre nos países muçulmanos, escravizados a uma religião mutiladora dos pensamentos e da consciência; contra a qual o mundo treme e poucos têm a coragem de dizer que ela é incentivadora de violência e da exploração de um sobre o outro (especialmente aproveitando-se da fragilidade das mulheres). Fome e carência muçulmana promovida pela oligarquia de poucos regendo sobre muitos, desviando os recursos e riquezas de países que são ricos, mas que servem aos interesses de uma casta cruel. Fome e carência, como a que existe na Argélia, que foi palco de massacres em vilarejos inteiros, com muçulmanos radicais mantendo pessoas simples sob terror.

A fome ocorre quando a individualidade gloriosa com a qual Deus nos fez é subvertida pela compreensão pecaminosa de alguns sistemas e governantes e as pessoas são tratadas como "massa"; tendo a sua liberdade individual tolhida e a iniciativa pessoal e o desejo de progresso esmagado e subjugado à vontade de uns poucos privilegiados. Quando elas são levadas como bois magros a trabalhar em planos coletivos e centralizados mirabolantes, distantes de toda e qualquer realidade, fadados ao insucesso. Quando esses privilegiados constroem para si, em cima de despotismo e corrupção, impérios militares absorvedores de recursos que poderiam estar sendo revertidos em benefício dessas nações. Como os exemplos abundantes que pudemos ver na história de paraísos socialistas, hoje carcomidos e falidos pela própria ineficácia da ideologia e do sistema, que tanto empolgaram os seus apoiadores brasileiros, no passado, e que, tristemente, vemos que ainda empolgam e obscurecem a visão de muitos, em nossos dias.

A fome ocorre nos impérios descaracterizados de ideologia, onde a lei maior é o terror e onde o patriotismo dos cidadãos é cooptado para servir ao interesse dos ditadores, via de regra, a uma família, como era no Iraque. Naqueles onde a religião serve de pretexto para alianças; onde cidades inteiras foram riscadas do mapa quando os seus habitantes cometeram a imprudência de respirar na hora e no lugar errado.

A fome ocorre também, como o pecado é genérico, em países chamados "capitalistas", mas não, precisamente, em função do sistema de promoção da iniciativa e liberdades individuais, mas porque os pontos de controle são relaxados; porque se esquecem que a natureza humana é pecaminosa em todos os sentidos e achará maneiras, também, de expressar essa "individualidade" de forma errada e exploratória; sobretudo, ocorre, por falta de um sistema judicial que aplique punições rápidas, abrangentes, indiscriminadas e justas - mediante a evidência de violência e crimes cometidos - fazendo com que malfeitores vivam uma vida "mansa e tranqüila", sem medo da conseqüência dos seus atos, enquanto que os inocentes vivem sobressaltados e aflitos – exatamente o contrário do ideário Bíblico (Rm 13.1-7 e 2 Tm 2.2).

Assim tem nos ensinado a história ...

Fico triste, portanto, quando vejo cristãos que deveriam ser esclarecidos na doutrina da Palavra, se posicionarem contra questões tão elementares, como o direito à propriedade, enraizado na própria lei moral que recebemos de Deus, como se isso fosse parte da solução. Dói-me ver a utilização, no nosso meio, de chavões ultrapassados e que não resistiram o crivo da história e das evidências mais gritantes, como "capitalismo excludente", como se isso fosse uma tese provada e não um tema de discussão, para defenderem o comunismo e o socialismo. É perturbador ver a introjeção dessa visão nas diretrizes bíblicas e em seus registros históricos. Se estudarmos com seriedade as Escrituras, rejeitaremos essa visão simplista contemporânea que postula o abraçar de uma ideologia socialista moribunda, às custas do incentivo às liberdades individuais, como remédio para os males sociais. Veremos com maior clareza, igualmente, que a exaltação do homem não produz a justiça de Deus. Identificaremos a necessidade de estarmos defendendo princípios de justiça sem sucumbir a uma cartilha política anacrônica, a clichês superados ou a um alinhamento com porta-vozes do aborto e da amoralidade.

Solano Portela

Postado por Solano Portela.

Sobre os autores:

Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.

O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.

O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.

7 comentários

comentários
4/1/06 07:00 delete

Prof. Portela,
Quero reiterar meus parabéns pela iniciativa e pela dedicação (tempo), mas o que vcs estão fazendo produzirá muito frutos.

E ainda mais que permite o livre pensar e o debater.

O que me preocupa nesse tema é que somos refratários quase que gratuitos de pensarmos um pouco além das fronteiras do que já aprendemos e vivemos. E mesmo em não cessarmos de buscarmos uma sempre renovada prática da nossa fé. Há três décadas pelo menos acompanho (com rigor) as nossas manifestações de transformação e causos exemplares de impactos positivos na sociedade - e são cada vez mais raros (sei que é covardia comparar com épocas de reavivamento, mas pera aí, não é o mesmo Deus ... só mudaram seus filhos!)

Olha só o que Schaeffer falou em Lausanne (74):
1. Certamente, devemos ser muito cuidadosos em não cair na solução barata (aquela que parece tão fascinante em primeira instância) de tão somente levar pessoas a se decidirem [por Cristo] sem um conteúdo suficiente, e sem que eles saibam realmente sobre o que eles estão na verdade escolhendo.

E como temos um conteúdo doutrinal forte, devemos praticar o conteúdo, praticar a verdade que dizemos acreditar.

2. Cristianismo demanda que tenhamos suficiente compaixão pra aprender as questões da nossa geração.

3. O verdadeiro cristianismo produz beleza assim como verdade, especialmente destacada nas áreas de relações humanas. Leia o Novo Testamento cuidadosamente com isso em mente; veja como repetidamente Jesus retorna a esse tema, assim como Paulo menciona-o também.
(tradução livre - itálicos do autor, não meus).

Responder
avatar
4/1/06 10:28 delete

Caro Volney:
Obrigado pelos comentários. Você tem razão em identificar o diminuto impacto dos cristãos em nossa sociedade. Grande parte disso vem em função de amoldarmos a nossa fé cristã às correntes do momento em vez de trilhar o caminho mais difícil, mas mais eficaz, de penetrarmos nas Escrituras e firmamos nossas convicções éticas e práticas não pela voz da multidão, mas pelos princípios eternos que o Criador nos legou e registrou em sua Palavra.
Um abraço,
Solano

Responder
avatar
19/6/08 22:00 delete

Josué de Castro analisou mecanismos que engendram a fome crônica e sistêmica, demonstrando os mecanismos artificiais de exclusão e privação dentro da lógica de reprodução do sistema, focando o Brasil neste livro, e pondo em crivo a tese no outro, Geopolítica da Fome, no âmbito da Divisão Internacional do Trabalho.Mostrou as condições estruturai em que ocorre a fome, mostrando que fome crônica generalizada e não episódica é uma característica do capitalismo. Ele aponta também os mecanismos de exclusão, de cadeias mercantis e aspectos da Divisao Internacional do Trabalho. E o grande problema do acesso aos meios de produção e também de adquirir alimentos.Uma questão que passa pela mais justa distribuição dos alimentos, democratização dos meios de produção e dos excedentes econômicos.

No prefácio da sétima edição de "Geografia da Fome", ele colocou: Ao lado dos preconceitos morais, os interesses econômicos das minorias dominantes também trabalhavam para escamotear o fenômeno da fome do panorama espiritual moderno. È que ao imperialismo econômico e ao comércio internacional a serviço do mesmo interessava que a produção, a distribuição e o consumo de produtos alimentares continuassem a se processar indefinidamente como fenômenos exclusivamente econômicos - dirigidos e estimulados dentro dos seus interesses econômicos - e não como fatos intimamente ligados aos interesses da saúde pública. E a dura verdade é que as mais das vezes esses interesses eram antagônicos. Veja-se o caso da Índia, por exemplo. Segundo nos conta Réclus, nos últimos trinta anos do século passado [XIX] morreram de inanição naquele país mais de vinte milhões de habitantes; só no ano de 1877 pereceram de fome cerca de quatro milhões. E, no entanto, de acordo com a sugestiva observação de Richard Temple – “enquanto tantos infelizes morriam de fome, o porto de Calcutá continuava a exportar para o estrangeiro quantidades consideráveis de cereais. Os famintos eram demasiado pobres para comprar o trigo que lhes salvaria a vida”.

E com todo o respeito, sua metodologia de inquirição me pareceu mais rigorosa, ampla, fundamentada e menos estereotipada.

E a questãod eve ser tratada como de Segurança Alimentar e Direito Humano à Alimentação Adequada.

Responder
avatar
19/6/08 22:09 delete

"A fome ocorre nos países muçulmanos, escravizados a uma religião mutiladora dos pensamentos e da consciência; contra a qual o mundo treme e poucos têm a coragem de dizer que ela é incentivadora de violência e da exploração de um sobre o outro (especialmente aproveitando-se da fragilidade das mulheres)."


Cara, que falácia? Quer dizer que todos estes problemas é característica própria do islamismo? Bem, graças a Deus são poucos, já imaginou multidões de Olavos de Carvalho, Reinaldos Azevedo?
Bem, vamos dar uma olhada na história do nosso cristianismo e ver o quanto se vê também de expoliação e opressão. E vamos voltar no tempo quando a cultura e a beleza floresciam no mundo islâmico ante a sua periferia européia "cristã"...
Vejo que nad disso é característico nem do islamismo, nem do cristianismo, mas do contexto do sistema histórico e também microssociológico em que as pessoas estão inseridas.

Responder
avatar
25/1/13 22:49 delete

Concordo em gênero, número e grau com você Rodrigo... aliás, era de se esperar que essa espécie de de apologia camuflada do capitalismo típica da maioria dos cristãos, principalmente os de linha calvinista, que contribuiram significativamente para a construção deste sistema que contraria a Bíblia, com a sua práxis do acúmulo (vide A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo de Max Weber). Portela, não te conheço pessoalmente, apenas acompanho seus pensamentos neste blog e tenho concordado com quase todas elas. Mas desta vez você disse uma bobagem sem pretendentes ("Assim como a mosca morta produz mau cheiro e estraga o perfume, também um pouco de insensatez pesa mais que a sabedoria e a honra" (Ec. 10.1)). Leve este pensamento para ambientes acadêmicos e verás a insensatez de suas palavras, desacompanhadas de um espírito inquiridor, típico dos pensadores.

Responder
avatar
25/1/13 23:56 delete

Caro Éder:

O Rodrigo (e você) pinça o que é conveniente e coloca a parte como um todo - péssimo recurso argumentativo. É uma pena que você optou por cooptar as verdades bíblicas para ter em troca o conforto e aconchego da academia humanista, em sua visão de mundo.

Solano

Responder
avatar
11/12/13 11:57 delete

Um leitor, do ES, enviou o seguinte comentário pertinente, por email:

Caro Rev. Solano,

Excelente texto.
1.Por quê as maiores nações do planeta (e mais ricas) são capitalistas em mais ou menos grau, enquanto as maiores des-Graças econômicas com consequências sociais nefastas são socialistas? Socialismos só geraram ditaduras. Socialismos só geraram morte, terror, campos de trabalhos forçados e... FOME, algo em que socialistas gostam muito de falar com ares de afetação emotiva.

2. Quando entro num supermercado e vejo inúmeros produtos para vários tipos de bolsos, para todos os gostos possíveis, vejo o mercado em ação. Quando vejo marcas competindo pela minha preferência em qualidade e preço, vejo o mercado.

3.Quando entro num Shopping Center e vejo inúmeros produtos à minha disposição e vejo que sou totalmente livre para consumir o que quero e o que posso, vejo o mercado. Se eu consumo mais que posso, se eu idolatro coisas que consumo, a culpa é inteiramente minha e não do mercado. Sou livre, totalmente livre, para consumir o que quero e posso num sistema capitalista de livre mercado.

4. Quando vejo, por exemplo, as Casas Bahia focando em vendas para a população pobre com facilidade de pagamentos a perder de vista, vejo o mercado. Quem disse que empresários capitalistas não se importam com pobres? Pobres são um grande mercado!

5.Empresários capitalistas sobem morros, favelas etc, atrás de pobres que lhes comprem mercadorias e serviços. O empresário lucra com a venda e o pobre sai satisfeito em alguma medida com o que foi comprado.

6.Quem faz mais pelo pobre: o mercado ou Estado? O Estado como empresário traz corrupção, greves, vira cabide de emprego de uma burocracia ineficiente por falta de concorrência com o mercado. Tudo isso em mais ou menos grau, mas sempre tem.

7. Margaret Tachter estava certa: “O socialismo só dura enquanto dura o dinheiro dos outros”.

Forte abraço do irmão assembleiano calvinista,

Gustavo - Vila Velha/ES.

Responder
avatar