O liberalismo teológico nasceu, alimentou-se e viveu como um parasita, usando o corpo, as energias, os recursos e a vida das organizações eclesiásticas fundadas e financiadas por conservadores. Os primeiros liberais eram ministros de denominações conservadoras – embora já minadas pelas idéias do Unitarismo e do Iluminismo – de onde tiraram seu sustento e onde ganharam respeitabilidade. Mesmo que tenham mudado suas crenças, não largaram o corpo de onde se alimentavam. Pois não teriam para onde ir.
O liberalismo nunca plantou igrejas, nunca aumentou número de membros e nem a receita financeira das igrejas. Só conseguiu reproduzir outros liberais, os quais por sua vez precisavam também sobreviver. O liberalismo teológico sempre teve que achar um hospedeiro que pudesse sugar até que o mesmo morresse, drenado. Hoje assistimos aos estertores mortais das últimas denominações históricas na Europa e nos Estados Unidos que um dia o abrigaram.
O liberalismo sobreviveu à custa do esforço missionário, do zelo expansionista e do sacrifício financeiro dos cristãos bíblicos, que fundaram igrejas, criaram organizações, ajuntaram fundos missionários, abriram escolas teológicas, todas elas ocupadas depois pelos liberais. Sei que isso não ocorreu do dia para a noite e que houve um processo durante o qual as doutrinas basilares do Cristianismo histórico vinham sendo erodidas lentamente nessas denominações. De qualquer forma, o liberalismo plenamente desenvolvido não fundou novas denominações, não abriu novas igrejas, não inaugurou novos campos missionários e nem abriu novas escolas. Não conheço nenhum curso de teologia hoje nos Estados Unidos e na Europa que seja liberal e que funcione numa universidade que tenha sido criada por liberais. Harvard, Union, Princeton, Yale, Amsterdã, Oxford... todas foram criadas por conservadores das mais diferentes linhas. No Brasil, as denominações que nasceram como fruto de dissidências liberais de corpos conservadores são praticamente inexpressivas a não ser quando ganham mídia por algum escândalo.
O caráter parasitário do liberalismo teológico se deveu ao fato de que os liberais não acreditavam em evangelismo e missões. Acreditavam em fazer obra social, em ensinar as pessoas a cultivar as terras, a se organizar politicamente contra a opressão, a abrir poços, a organizar sociedades de tecelões, etc. Embora essas coisas sejam louváveis, não produzem novas igrejas, não aumentam o numero de crentes comprometidos e nem trazem retorno financeiro. Os liberais sempre precisaram de hospedeiros para sobreviver enquanto levavam avante a sua agenda. Sugaram a herança organizacional eclesiástico-financeira de Calvino, Lutero, Wesley e dos puritanos.
O liberalismo teológico faleceu, historicamente, com o advento da pós-modernidade e pela evidente falta de resultados acadêmicos e eclesiásticos. Mas, como um vírus mutante, transfigurou-se no neoliberalismo. Embora diferente em muitos aspectos do antigo liberalismo, o neoliberalismo conserva o caráter parasitário. Pois neoliberais não sabem direito em que acreditam, duvidam da autoridade da Bíblia, estão meio perdidos sem referencial histórico e teológico. Daí, pastores neoliberais dificilmente conseguem fundar novas igrejas, trazer pecadores a Jesus Cristo, aumentar o número de membros, abrir frentes missionárias e melhorar a arrecadação das igrejas. Precisam de hospedeiros, de corpos eclesiásticos de onde tirar o sustento, enquanto ficam refletindo e tentando descobrir em que acreditam, afinal.
Um dos segredos da capacidade de sobrevivência do parasita é o mimetismo. Ele consegue imitar o ambiente onde se encontra para poder passar despercebido. Neoliberais podem virar fundamentalistas, conservadores, reformados, pentecostais e até liberais, dependendo da necessidade do momento. Talvez seja isso que torne os neoliberais mais perigosos que os antigos liberais, como já sugeri em outro post.
Devido à dificuldade em se extirpar parasitas com poderes de misturar-se ao ambiente, pouca esperança resta a não ser esperar a morte do hospedeiro, que representará também a morte do parasita, embora nem sempre. Pastores neoliberais pulam de igreja local para igreja local, deixando atrás de si um histórico de comunidades drenadas, confusas e cicatrizadas.
Sei que neoliberais não são o único tipo de parasita no Corpo. Pastores reformados ineptos podem ter o mesmo efeito prático. E sei que pastores reformados no Brasil ainda têm um longo caminho pela frente até conseguirem colocar em prática a visão calvinista de missões. Contudo, pela extraordinária capacidade de se transformarem no que quiserem conforme a situação requeira, parasitas neoliberais são os mais difíceis de serem identificados e tratados.
O assombro da imaginação criadora
Há 50 minutos
17 comentários
comentáriosAugustus... o pior é que para continuar o parasitismo, o liberalismo se faz como anjo de luz e acusa ao conservadorismo de 'obscurantista'. Seu post me inspirou para escrever outro no tema. Virá em breve.
ResponderUm autor meio neoliberal escreveu um texto que circula na internet com o título "estou cansado". Neste texto ele fala algumas verdades, embora geralmente ele despeje muitas bobagens por aí. Minha vontade é escrever um texto com o título "estou revoltado". Especialmente com a postura dos liberais parasitas. Não implantam igrejas, mas destroem os rebanhos com sua doutrina perniciosa. Seminários que antes defendiam a ortodoxia, hoje estão ao lado dos liberais. Ficou revoltado com isso. Liberalismo de um lado, neopentecostalismo de outro, para onde iremos nós?
ResponderAugustus,
Respondera 3 anos convivo com neo-liberais no seminário aonde estudo, que é um dos principais da denominação aonde sirvo. Vejo os parasitas no dia-a-dia e tenho militado contra o pensamento deles (minha luta não é contra carne e nem sangue...).
Tem sido difícil e digo o porque:
Aonde eles pastoream, não assumem suas posturas realmente como o fazem em sala de aula e admitem isso com um certo orgulho do feito. Assisto os aplausos dos colegas de classe. Negam inerrância e a divindade de Cristo, porém na igreja se assumem como evangélicos e cristãos. Não é discordância em questões secundárias e sim centrais na fé cristã.
Seu post é oportuno e louvado seja Deus pelos profetas que não dobram joelhos a baal.
Oi, Augustus!
ResponderEstou para escrever no meu blog sobre o liberalismo teológico, e para isso este seu post será de grande valia - ainda não o li, mas esta mensagem é só para lhe dizer que postei minhas desculpas a você no meu blog, na entrada sobre o blog do Gondim. Aquela patota que se denomina "nós" foi longe demais na quantidade de comentários, no desrespeito e na falta de consistência, e infelizmente eu estava sem poder acessar a internet para pôr "ordem na casa". Agora já está tudo bem: ativei a moderação de comentários e estou muito satisfeita com essa decisão. Confusões como aquela, não mais!
Continuo a leitora assídua de sempre (agora é recuperar o tempo perdido longe da net).
Grande abraço!
Norma,
ResponderFico feliz que meu texto pode ajudar. Esse assunto é muito necessário e precisa ser bem esclarecido. Quanto aos que baixaram o nivel da discussão no seu blog, achei sua decisão muito correta. Quanto a mim, percebi que não adianta esclarecer nada, como por exemplo o que falei sobre os arminianos no seu blog, pois já deturparam completamente. Eu iria apenas dizer que perguntaria a um arminiano se ele espera se salvar pela graça de Deus ou pela decisão pessoal dele. Se ele ou qualquer outro disser que sua esperança de salvação está na sua decisão pessoal tomada com seu livre arbítrio, a menos que seja inconsistente, nunca entendeu o caminho de salvação e portanto não crê para a salvação, como a Bíblia diz. Mas, acho que nem vale a pena.
Fico honrado em ter uma leitora como você. Isso só aumenta minha responsabilidade em produzir textos que valham a pena.
Um abraço!
Obrigada, Augustus!
ResponderAgora li o texto e os comentários. :-)
Sobre o assunto, gostaria de falar um pouco sobre o que tenho percebido de todas essas querelas sobre o pr. Gondim e o neoliberalismo. Eu me converti e recebi ensinamentos de uma igreja presbiteriana (a missão Plena do pr. Antônio Carlos, no Rio), e ali o arminianismo sempre foi tratado como heresia, enquanto o calvinismo preservava a soberania de Deus acima de tudo. Sempre fui orientada por esse princípio e nunca saí dele. Hoje, um pouco distante dos últimos debates estritamente teológicos (entretida com meus estudos de pós em literatura - em que percebo sobretudo a matriz perversa para a mente relativista e imanentista de nossa época), vejo que há uma querela gigantesca entre o neoliberalismo e o calvinismo - este, que os membros da Betesda parecem rejeitar com horror (segundo os comentários que deixam no meu blog). Assim, ocorrem ataques de nariz torcido, e termos que sempre vi como positivos desde que me converti, há dez anos - fundamentalista, calvinista - estão sendo usados (como nunca presenciei antes) para desprezar a postura de quem parece longe de um raciocínio mais "livre" (diga-se: em consonância com as relativizações modernas). Parece-me um panorama muito evidente, e me espanta que eu não tenha me dado conta dele há mais tempo. Isso porque julguei, na minha inocência, que todos os cristãos evangélicos brasileiros, calvinistas ou não, viam-se tranqüilamente como fundamentalistas e não-relativistas, menos os liberais (mas a esses não consideramos cristãos). O advento dos neoliberais - que não se assumem como tal - bagunça todo o coreto e torna a paisagem bem mais tenebrosa.
Esse comentário gigantesco, então, serve para duas coisas: para lhe agradecer pela visão acurada desse fenômeno tão sutil do neoliberalismo e também para lhe sugerir um post futuro sobre a gênese da palavra "fundamentalista" e sua negativização na igreja brasileira atual - uma das evidências do neoliberalismo, creio, e uma doutrinação que parece dar muito certo, vide o ódio que esses meninos da Betesda demonstraram por posturas no meu blog que julgaram "fundamentalistas" e "calvinistas".
Abraços!
Caríssimo irmão Rev. Augustus, é com grande respeito que lhe dirigo a palavra, oxalá tivesse a oportunidade, assim como Paulo, ser instruído aos seus "pés" assim como o Apóstolo o foi aos pés de Gamaliel... bem, fico no sonho! Quanto ao assunto do seu post ouso a refletir mas sob uma outra perspectiva que talvez outros ainda não tenham atentado para este fato. Não teria o surgimento do liberalismo contribuído para que a ortodoxia investisse em conhecimento e pudesse ter maiores bases para sua defesa pró-escritura? ou seja, não havia há época do surgimento do liberalismo um certo "relaxamento" por parte da ortodoxia? e o surgimento desta que confrontava as bases da fé ortodoxa não contribuiu de uma certa forma para um despertamento da teologia ortodoxa, de maneira que pudessem refutar essa corrente? nos fale um pouco mais sobre isso amado, são dúvidas que permeiam minha mente de pensador reformado..rsrs ...Abraços!
ResponderCom todo respeito e carinho,
Lindemberg
Fortaleza-Ce
Norma,
ResponderSeu testemunho é impressionante. Fiquei feliz em saber que você conhece o Antonio Carlos, a quem muito estimo.
De fato, está se configurando no horizonte do evangelicalismo brasileiro novas frentes de batalha entre partes que recentemente se tornaram conscientes de algumas implicações de suas convicções. Peço sempre a Deus sabedoria para entender o que realmente está em jogo e para saber como contribuir, não para aumentar o fogo do combate, mas a luz que alumia.
Os ataques que vc sofreu em seu blog da parte de evangélicos que têm simpatia pela teologia relacional, embora nem conheçam essa teologia profundamente, sinaliza uma dessas frentes.
Obrigado pela sugestão de uma postagem sobre fundamentalismo. Eu já estava pensando em alguma coisa sobre isso. Sua sugestão em animou.
Um abraço.
Lindoberg,
ResponderObrigado pela sua visita ao nosso blog!
Quanto à sua sugestão de que o liberalismo tenha contribuído para que a ortodoxia investisse em conhecimento e pudesse ter maiores bases para sua defesa pró-escritura, concordo plenamente.
Não sei se é defeito ou virtude, mas a igreja cristã conservadora sempre foi reativa. Ou seja, ela só produziu seus credos, confissões, teologia, e só criou sua tradição em reação aos Marciões, Manis, Pelágios, Sociniuses, papistas, Bultmanns, Boffes, liberalismos e outros, que serviram como estímulo para que a Igreja reflitisse e produzisse material sobre os mais diversos temas.
Quando temos paz, nos preocupamos em evangelizar, fazer missões, abrir novas igrejas. Como os liberais não acreditam nisso, eles ficam procurando chifre em cabeça de cavalo para passar o tempo. E ai começa tudo de novo
Um abraço.
Querido Rev. Augustus, Obrigado pela Resposta! este comentário é apenas para pedir-lhe que continuem nesse projeto (blog) assim poderemos indicá-lo e oferecer um teologia realmente de Qualidade, só para o Sr. ter uma idéia já indiquei ao meu Pastor e ao meu ex-professor de introdução a bíblia no semeste passado (ele é neo-liberal) e as reações foram execelentes (produziram reflexões) e isso é ótimo! parabéns e continuem firmes e fortes no Senhor! estarei orando por vocês!
ResponderSem.Lindemberg
IB Planalto Caucaia
Após ler seu post, estive a refletir.....
ResponderSeriam os neoliberais como os Saduceus no período neotestamentário?
- Provinham da linhagem sacerdotal (Como muitos sobrenomes de neoliberais hoje);
- Eram mundanos (fonte: Bíblia de Estudo NVI);
- Políticos;
- Não eram teologicamente ortodoxos, rejeitando quase tudo que a maioria dos judeus piedosos acreditavam (fonte: W.A. Elwell e R.W. Yarbrough);
- Fizeram do templo e de sua administração seu interesse primordial;
- Eram inclinados a fazer acordos com líderes seculares e pagãos (fonte: BENVI);
- A mensagem de Jesus era uma ameaça a posição privilegiada que ocupavam. (Neste caso, com os parasitas, dá-se exatamente o contrário, i.e. a mensagem de Jesus os mantém em suas posições eclesiásticas – mesmo não concordando).
Desisti da idéia !
-Descobri que eram contrários a contemporização da lei, pois queriam manter seu status quo (fonte: R.H. Gundry);
- Davam importância a Torá como único plenamente autoritativo e desprezavam a lei oral dos rabinos não-sacerdotais (fonte: idem anterior).
Não! Eles não são como os Saduceus. São piores!
Ficam ofendidos quando os chamamos de liberais, mas não se definem.
Se os Saduceus foram chamados por Jesus de “raça de víboras”, fico sem nomenclatura para estes.
Sendo esta a realidade parasitária em nossas igrejas, recorramos à “botânica esperança” apresentada figuradamente por Jesus, através do evangelista Mateus:
.... toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins.
Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo. (Mt 7.17 e 19)
Pior que estes lobos disfarçados de ovelhas (como no JPEG do post do Solano) nem “Senhor, Senhor!” dizem, a não ser quando estão “camaleando” diante de suas comunidades.
Grande abraço;
Sem. Marcelo Gomes da Silva - RJ
Gláucio,
ResponderObrigado por seu comentário. Opiniões divergentes do que postamos aqui são bem vindas, desde que colocadas de forma respeitosa e com conteúdo. É o caso do seu comentário, que passo a responder.
1. O sentido essencial que você atribui ao termo “fundamentalista” (discriminação, intolerância, violência) é um sentido posterior e mais recente. Como o próprio termo indica, “fundamentalista” tem a ver com fundamentos, com bases, com inícios, enfim, com aquilo que é fundamental. E foi exatamente nesse sentido que o termo foi primariamente aplicado aos cristãos conservadores do início do séc. XX que se negaram a abrir mão do que consideravam fundamental no cristianismo bíblico (veja a lista em meu post). A intransigência desses irmãos resumiu-se em não abrir mão dessas doutrinas e estarem dispostos a perder suas posições nas igrejas e seminários por causa disso. É bastante diferente do fundamentalismo islâmico, político-ideológico que você mencionou, que realmente se utiliza da violência para obter seus fins.
2. Há um sentido em que o cristianismo é intransigente. Jesus disse que é o único caminho para Deus e chamou os fariseus de filhos do diabo. Os apóstolos foram intransigentes e intolerantes para com os judaizantes, com os nicolaítas, os gnósticos, os seguidores de Balaão e para com os falsos mestres. Recomendaram em suas cartas que as igrejas não recebessem em casa quem negasse a encarnação de Cristo e proibiram os crentes de comer com quem fosse falso irmão. Entregaram a Satanás quem dizia que a ressurreição já havia acontecido. Consideraram como anátema quem ensinasse outro evangelho. Chamaram de anticristos os defensores do docetismo. Diante disso, preocupa-me quando os evangélicos de hoje recuam com horror diante da necessidade da disciplina eclesiástica, da denúncia dos erros teológicos, da oposição aos falsos ensinamentos e mesmo á exclusão da comunhão dos que negam pontos centrais do cristianismo.
3. Você diz que Hitler e liberalismo são dois conceitos irreconciliáveis por natureza. Acho que seria necessário você explicar o que quer dizer por liberalismo aqui, para que eu possa entender melhor a que você se refere. A mesma coisa quando você diz que o fundamentalismo está por detrás de tudo que se tem mostrado nocivo à humanidade.
Por último, pergunto se você entende que a atitude intransigente da mensagem a seu amigo contra o fundamentalismo é uma forma de fundamentalismo. Se não é, como você a classificaria, e em que ela é diferente da atitude fundamentalista para com, digamos, os liberais?
Agradeço a maneira educada com que discordou de mim e de outros e saiba que aprecio muito o diálogo quando levado nesse nível. Espero que minha resposta ajude.
Um abraço.
Glaucio Santiago disse:
ResponderCaro Rev. Augustus Nicodemus: Saúdo-o na Graça do Senhor.
Agradeço-o, antes de mais nada, pelo aprofundamento da reflexão acerca do significado da palavra "fundamentalismo" no contexto teológico cristão. Apesar de já dominar de antemão um certo grau de conhecimento a este respeito, penso que vossas colocações mostram-se sobremaneira enriquecedoras.
Creio eu, Reverendo, que travamos aqui um saudável debate acerca da "palavra", do signo, qual seja: "fundamentalismo". Minha concepção do termo revela-se talvez mais generalizada, enciclopédica ou dicionarizada do que a vossa (a qual se apresenta mais elaborada sob o aspecto específico da teologia). Considerando que minha visão teológica é contemplada sob o prisma de um leigo em teologia, é provável que a vossa maneira de posicionar o tema em questão (o sentido estrito da palavra em nosso contexto), seja mais apropriada ou acertada que a minha. É neste ponto, Reverendo, que aprecio seus esclarecimentos e seu aprofundamento conceitual em matéria do termo de que aqui tratamos.
Penso, não obstante, que o vocábulo "fundamentalismo" e todos os significados e resultados sociais que evoca, devem ser sempre analisados e considerados com muita cautela, mormente em virtude daquilo que já expus em meu post anterior (não convém fazê-lo novamente, é óbvio, de modo a não tornar este post excessivamente longo e enfadonho).
"3. Você diz que Hitler e liberalismo são dois conceitos irreconciliáveis por natureza. Acho que seria necessário você explicar o que quer dizer por liberalismo aqui, para que eu possa entender melhor a que você se refere."
Quando menciono liberalismo, Reverendo, procuro referir-me a qualquer posicionamento ideológico que preze pela alteridade e pela tolerância à maneira de ser/pensar do outro, do diferente (e por "intolerância", quero significar concepções universais preestabelecidas de Pior x Melhor, Verdadeiro x Falso, Certo x Errado - de modo a desqualificar-se por completo a configuração ideológica do outro, como sendo inútil e lesiva em seu conteúdo. Penso que esta dualidade seja insuficiente à reflexão mais aprofundada acerca do bom diálogo entre os diferentes). É neste sentido que desassocio, por completo, a figura de Hitler daquilo que denomino Liberalismo. Nesta aceção, creio que o senhor poderá estar em pleno acordo comigo.
"A mesma coisa quando você diz que o fundamentalismo está por detrás de tudo que se tem mostrado nocivo à humanidade."
Neste caso, Reverendo, quero referir-me ao sentido geral e "dicionarizado" do termo, conforme já explicitado no início do presente post. São válidos os mesmos comentários.
"Por último, pergunto se você entende que a atitude intransigente da mensagem a seu amigo contra o fundamentalismo é uma forma de fundamentalismo. Se não é, como você a classificaria, e em que ela é diferente da atitude fundamentalista para com, digamos, os liberais?"
Sim, caro Reverendo, não nego o caráter intransigente de minha mensagem a meu amigo acerca do fundamentalismo. Igualmente, não hei de negar o caráter "fundamentalista" de meu posicionamento a esse respeito (no que toca à firmeza de minhas convicções "Liberais"). No entanto, quero ressaltar que meu firme posicionamento é voltado contra o fundamentalismo no que diz respeito ao campo das idéias: não contra os seres humanos, ou as pessoas dos fundamentalistas. Todos temos o direito (e a obrigação) de defendermos nossos conceitos individuais perante outros, e isso realmente não deixa de constituir um gênero de "fundamentalismo". Nisto, concordo com o senhor. Porém, há uma sensível diferença entre a defesa de idéias e o ataque direto a uma categoria ou grupo de pessoas. Fazendo-me mais claro: é bom confrontarmos idéias, mas a intolerância lesiva se revela no combate às pessoas, aos indivíduos que defendem as idéias. E creio que este ataque a indivíduos pode revelar-se quando se qualifica um segmento do corpo de Cristo como sendo "parasitas" ou "aproveitadores". Neste último caso, o que ocorre não me parece um confronto de posicionamentos ideológicos por meio do diálogo, mas sim uma adjetivação pejorativa a um determinado grupo de seres humanos (criados à semelhança de Deus, seguidores de Cristo, filhos de um mesmo Pai). Na resposta a meu amigo, penso não constarem agressões desta natureza (dirigida a indivívuos). Há, de fato, uma defesa de idéias e de combate a outras idéias (mas nunca menosprezo direcionado a pessoas, especificamente). Minha igreja local está repleta de fundamentalistas, liberais, neo-ortodoxos e até mesmo neo-pentecostais. Mesmo não compartilhando das mesmas idéias dos fundamentalistas ou dos neo-pentecostas, a título de exemplo, quero-os ali na congregação, louvando e adorando comigo. Todos, sem exceção. Talvez eu não comungue do mesmo posicionamento teológico, mas vejo que é possível (e maravilhoso) que todos possamos viver em comunhão e amor uns com os outros, no templo. Posso não ser igual àquilo que é diferente de mim (perdão pela redundância!), porém, vejo que é possível o convívio em caridade e harmonia cristã.
Finalizando, fundamentalismo e liberalismo são termos de difícil delimitação. Penso que não se pode "encaixotá-los" num determinado território, definí-los de forma perfeita e inequívoca (observar, até mesmo neste ponto, minha atitude de relativização!). Assim, posso ser um "fundamentalista" se o sentido é afirmar que possuo convicções as quais procuro defender (reitero, sem agressão a indivíduos em particular). Por outro lado, Vossa Reverendíssima pode ser definido como um "liberal", na aceção de que assentiu, como moderador, que meus posts fossem publicados em seu fórum, permitindo aqui a entrada de uma opinião divergente da vossa, de modo a termos a oportunidade deste intercâmbio proveitoso de idéias, repleto de ponderação, respeito e mútua consideração. Este é o espírito do diálogo.
Também valorizo tremendamente, caro Rev. Nicodemus, um debate de nível elevado como este que aqui entre nós tem sido levado a cabo. É provável que eu esteja impossibilitado de acessar o blog (ou de respondê-lo, se o caso) durante os próximos dias (devido ao tempo, este "tirano", ou à falta dele). É certo que procurarei acessá-lo tão breve quanto possível. Deixo registrada mais uma vez, entretanto, minha apreciação quanto a esta troca de idéias grandemente positiva que aqui se realiza. Um abraço.
Em Cristo,
Glaucio Alves Santiago (congregado da IPI-SP)
Caro Glaucio,
ResponderObrigado pela resposta. Vou tentar ser breve para não monopolizarmos o espaço. Além do mais, o segredo de um blog são postagens e comentários breves, senão os amigos deixam de visitar...
Quero concordar com você que o termo fundamentalista acabou ficando carregado demais e hoje já não expressa o sentido original, como aliás ocorre com muitas palavras.
A sua definição de liberalismo é elucidativa. Nesse sentido, concordo que Hitler não podia ser um liberal. Mas, quem consegue ser liberal plenamente neste sentido? Jesus não foi. Os apóstolos não foram. Fica parecendo que ser liberal é o mesmo que não ter convicções, ou no caso de tê-las, de não considerá-las dignas de uma boa luta em sua defesa.
Os liberais teológicos não foram liberais para com quem pensava diferente deles, ao ocuparem o poder nas denominações e seminários europeus e americanos.
Você disse que seu fundamentalismo é diferente dos fundamentalistas porque você combate idéias, e eles, pessoas. Contudo, no seu primeiro comentário, você não hesitou em criticar pessoas. Veja sua citação: "Stálin e seus "gulags" (também não existe conotação possível em que Stálin possa ser chamado de liberal), o fundamentalismo étnico dos sérvios que gerou inúmeras mortes, estupros e demais atrocidades, Bush e seu fundamentalismo xenofóbico e bélico-religioso, causando mortes inúteis no Iraque e em outras partes do mundo.... "
Quando Jesus chamou os judeus de filhos do diabo, e os fariseus de raça de víboras e sepulcros caiados, certamente não estava sendo liberal. Nem Paulo, quando chamou os judaizantes de cães e falsos profetas, apóstolos de Satanás. Não costumo insultar quem pensa diferente de mim, apesar de ter sido chamado de tudo por quem discorda de mim. Mas não receio em empregar termos como "parasitas" genericamente, como fiz no meu post. Quem quiser que use a carapuça...
Querido irmão, acho que já me alonguei muito. Você tem o direito de responder. Só peço que o faça curtinho por amor aos nossos leitores.
Um abraço.
Glaucio disse...
ResponderCaro Reverendo Augustus,
Não hei de me alongar muito (com a graça de Deus!).
De fato, evito dirigir-me pejorativamente a qualquer pessoa quando do embate de idéias. Defendo que a agressão à imagem pessoal de um indivíduo (ou grupo) em nada acrescenta ao desenvolvimento do debate. Assim, quando me refiro a "Stálin e seus "gulags", ao "fundamentalismo étnico dos sérvios" e a "Bush e seu fundamentalismo xenofóbico", depreendemos que minha crítica não é assim "pessoal" como o senhor a entendeu. Na realidade, meus desafetos não se dirigem nem mesmo ao homem Stálin: critico a sua postura político-ideológica e seus "gulags". O mesmo em relação aos sérvios: não os abomino. Abomino, sim, seu "fundamentalismo étnico" que gerou horrendos massacres. Quanto a Bush, o que combato e aborreço, de fato, é o "fundamentalismo xenofóbico" daquele presidente (e não a pessoa dele em si: por mim, congregaríamos a mesma igreja e conversaríamos sobre as diferenças de nossos pontos de vista, em plena cordialidade). Perceba a sutileza da questão: por mais que discorde do posicionamento daquelas pessoas, não as menosprezo. O que aborreço são determinadas atitudes das mesmas. Ademais, o que afirmei sobre os atos de Stálin, dos Sérvios e de Bush não se embasa em preconceitos ou opiniões pessoais minhas. Os jornais e a própria história dão o testemunho: trata-se de esfera do conhecimento comum.
Não creio ser correta a atitude de buscar "extirpar" de nosso meio pessoas com conceitos distintos dos nossos. Qualquer que aja assim posiciona-se contra o amor em Cristo, chame-se liberal ou fundamentalista. Quanto à carapuça, é evidente que o termo "parasita" não foi assim tão "genericamente" empregado. O senhor dirigiu-se explicitamente a todos os cristãos que se chamam liberais.
Concluindo, Rev., ressalto que mais importante que a discrepância entre nossas opiniões pessoais é o amor fraternal em Jesus Cristo, nosso Senhor. Como diz a letra do cântico, "somos um no amor de Jesus".
"Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste." João 17:21
Um grande abraço, Deus o abençoe ricamente, e a todos os participantes do fórum.
Glaucio Santiago (IPI - SP)
Gláucio,
ResponderCreio que nossos posicionamentos ficaram claros no decorrer do diálogo e não há mais necessidade de continuar a debatê-los. Penso que entendi sua posição o suficiente. E espero que o reverso seja verdadeiro.
Obrigado pela diplomacia e cuidado com que expressou suas discordâncias. Apreciei bastante.
Até a próxima!
Glaucio disse:
ResponderObrigado pela oportunidade, Reverendo Augustos. Quanto ao debate, concordo plenamente; e afirmo-lhe que a recíproca é verdeira. Também aprecio a maneira clara e respeitosa como foi expresso o seu posicionamento. Um abraço, e que o Pai nos abençoe a todos em sua infinita Graça.