quinta-feira, janeiro 28, 2010

Mauro Meister

Michael Horton no Brasil em Março (2010)

          Prezados leitores do tempora-mores, vejam quem estará conosco no mês de março! O Dr. Michael Horton.
          Ele virá ao Brasil para participar do Congresso Internacional de Religião, Teologia e Igreja, focando suas falas no tema do liberalismo teológico. Junto com ele, mantendo a tradição do debate, estarão outros palestrantes.

Quem é Michael Horton:
B.A., Biola University; M.A., Westminster Seminary California; Ph.D., University of Coventry e Wycliffe Hall, Oxford.

Professor de apologética e teologia no Westminster Theological Seminary na Califórnia, nos EUA, é presidente do White Horse Media – que promove programas de rádio que analisam questões da teologia reformada no contexto norte-americano –, e editor chefe da revista Modern Reformation. É autor de vinte livros, sendo que vários já foram publicados em português.



          Dr. Horton tem 10 livros traduzidos para o português pela editora Cultura Cristã, dentre os quais
  • O Cristão e a Cultura 
  • A Face de Deus 
  • As doutrinas da maravilhosa graça 
  • Um Caminho Melhor 
  • A Lei da Perfeita Liberdade
  • Creio
AGENDA:
  • Dia 28 de fevereiro, domingo: culto na Igreja Presbiteriana da Lapa, 18:00h
  • Dia 01 de março, segunda: palestra, 20:00h, Mackenzie
  • Dia 02 de março, terça: palestra, 10:30h, Mackenzie
  • Dia 03 de março, quarta: palestra, 10:30h e 19:30h, Mackenzie
  • Dia 04 de março, quinta: aula especial em curso do CPAJ, período da manhã (somente para alunos).
Veja a programação completa do congresso no site: http://www.mackenzie.br/congresso_religiao.html.


Acesse o site do congresso e inscreva-se. As CEM primeiras inscrições são gratuitas.  O prazo final para inscrições é dia 23/02/2009.

Esperamos vê-lo por lá.
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sábado, janeiro 16, 2010

Solano Portela

Chorando pelo Haiti e por nossas tragédias domésticas – reflexões a partir de Lucas 13.1-9


          As lembranças das inundações de 2008, em Santa Catarina, ainda estavam bem presentes conosco, quando testemunhamos as mortes e prejuízos resultantes de deslizamentos, desmoronamentos e alagamentos nesta transição 2009/2010, em nosso Brasil. Depois, nos últimos dias, estamos sendo impactados com o terremoto no Haiti. Temos testemunhado e chorado com o conseqüente sofrimento chocante, intenso e extremamente abrangente, que nos remete ao Tsunami de 26.12.2004, no Oceano Índico, quando pereceram cerca de 220 mil pessoas.

         Não sabemos ainda a extensão da tragédia causada pelo terremoto no Haiti. Alguns falam em 200 mil mortos, sem contar aqueles que ainda enfrentarão as doenças e conseqüências da falta de higiene, alimentos e cuidados médicos. A desagregação de famílias e daquela sociedade, já tão fragmentada pela miséria e ausência de governo, corta o nosso coração. Enquanto vemos as cenas de dor e tristeza, e avaliamos tudo isso, procurando aferir o que podemos e devemos fazer, somos levados às Escrituras para procurar alguma compreensão trazida pelo próprio Deus, para esses desastres.

          Acima de tudo, devemos resistir à tentação de procurar respostas que diminuem a bíblica soberania e majestade de Deus, e consequentemente a sua pessoa. Tais “explicações”, “conclusões” e “construções” aparentam ser plausíveis, mas revelam-se meramente humanas, pois contrariam a revelação das Escrituras. Esse tipo de resposta sempre aparece, quando ocorrem tais acontecimentos; elas não são novidade nem têm surgido apenas em nossos dias.

          Por exemplo, em novembro de 1755 a cidade de Lisboa foi praticamente arrasada por um grande terremoto. A conclusão emitida por padres jesuítas foi a de que: “Deus julgou e condenou Lisboa, como outrora fizera com Sodoma”. Voltaire (François Marie Arouet), que era um deísta, escreveu em 1756 “Poemas sobre o desastre em Lisboa”. Ali, ele culpa a natureza e a chama de malévola, deixando no ar questionamentos sobre a benevolência de Deus. Jean Jacques Rousseau, respondeu com “Carta sobre a providência”. Nela ele culpa “o homem” como responsável pela tragédia. Ele aponta que, em Lisboa, existiam “20 mil casas de seis ou sete andares” e que o homem “deveria ter construído elas menores e mais dispersas”. Ou seja, procurando “inocentar a Deus e a natureza” ele coloca a agência da tragédia no desatino dos homens.[1]


          Sobre o terremoto no Haiti, à semelhança do que ocorreu no Tsunami, vi alguns depoimentos de pastores, falando sobre a “mão pesada de Deus, em julgamento”; opinião semelhante à emitida quando do acidente com o avião que transportava o grupo “Mamonas Assassinas”, em 1996.

          Ainda outros, procuram uma teologia estranha às Escrituras, para “isolar” Deus da regência da história. São os mesmos que, quando da ocorrência do Tsunami e do acidente ocorrido com o Vôo 447 da Air France em junho de 2009, emitiram a seguinte conclusão: “Diante de uma tragédia dessa magnitude, precisamos repensar alguns conceitos teológicos” (veja as excelentes reflexões sobre esse último desastre, no post do Augustus Nicodemus, neste mesmo blog). No entanto, em vez de formularmos nossa teologia pelas experiências, voltemo-nos ao ensinamento do próprio Jesus.

          Em Lucas 13.1-9 temos instrução pertinente sobre vários tipos de tragédias. A primeira tragédia tratada é aquela gerada por homens (Vs 1-3). Certos galileus haviam sido mortos por soldados de Pilatos. A Bíblia diz que “alguns” colocaram-se como críticos e juízes (a resposta de Jesus infere isso); deduziram que aqueles que haviam sofrido violência humana, sangue derramado por armas (em paralelo às situações que vivemos nos nossos dias) seriam mais pecadores do que os demais. O ensino ministrado é o seguinte: Não vamos nos colocar no lugar de Deus. Não vamos nos concentrar em um possível juízo ou julgamento sobre as vítimas. Jesus, em essência diz: cuidem de si mesmos! Constatem os seus pecados! Arrependam-se!

          Mas ele nos traz, também, um segundo tipo de tragédias. Esta que é referida é semelhante, guardadas as proporções, à ocorrida no Haiti. São tragédias geradas por “fatalidades”. Ele fala da Torre de Siloé. O texto (Vs 4-5) diz que ela desabou, deixando 18 mortos. Jesus sabia que mesmo quando, aos nossos olhos, mortes ocorrem como conseqüência de acidentes, isso não impede que rapidamente exerçamos julgamento; não impede que tentemos nos colocar no lugar de Deus. E Jesus pergunta: “Acham que eram mais culpados do que todos os demais habitantes da cidade”? O ensino é idêntico: Não se coloquem no lugar de Deus; não se concentrem em um possível juízo ou julgamento sobre as vítimas; cuidem de si mesmos! Constatem a sua culpa! Arrependam-se!

         O surpreendente é que Jesus passa a ilustrar o seu ensino com uma parábola (Vs.6-9). Ele fala de uma figueira sem fruto. Aparentemente, a parábola não teria relação com as observações prévias, mas, na realidade, tem. Ela nos ensina que vivemos todos em “tempo emprestado” pela misericórdia divina.

Figueiras existem para dar frutos - o homem vinha procurar frutos - essa era sua expectativa natural. Todos nós fomos criados para reconhecer a Deus e dar frutos. Esse é o nosso propósito original.

Figueiras sem frutos “ocupam inutilmente a terra”. O corte é iminente, e justificado a qualquer momento.

O escape: É feito um apelo para que se espere um pouco mais, na esperança de que, bem cuidada e adubada, a figueira venha a dar fruto e escape do corte.• Lições para o vizinho? Jesus não apresenta a figueira como um paralelo para comparação com outras pessoas – cujas existências foram ceifadas como vítimas de violência ou fatalidades. Ele quer que nos concentremos em nós mesmos, em nossas próprias vidas, pecados e na necessidade de arrependimento.

Tempo emprestado: O que ele está ensinando e ilustrando, aqui, é que nós, você e eu, como os habitantes do Haiti, vivemos em tempo emprestado; vivemos pela misericórdia de Deus; vivemos com o propósito de frutificar, de agradar o nosso proprietário e criador.

          Creio que a conclusão desse ensino, é que, conscientes da soberania de Deus e de que ele sabe o que deve ser feito, não devemos insistir em procurar grandes explicações para as tragédias e fatalidades. Jesus nos ensina que teremos aflições neste mundo (João 1.33) - essa é a norma de uma criação que geme na expectativa da redenção. 1 Pe 4.19 fala dos que sofrem segundo a vontade de Deus. Lemos que não devemos ousar penetrar nos propósitos insondáveis de Deus; não devemos “estranhar” até o “fogo ardente” (1 Pe 4.12).

          Assim, as tragédias, desde as locais pessoais até as gigantescas, de características nacionais e internacionais, são lembretes da nossa fragilidade; de que a nossa vida é como vapor; de que devemos nos arrepender dos nossos pecados; de que devemos viver para dar frutos.

          Também, não cometamos o erro de diminuir a pessoa de Deus, indicando que ele está ausente, isolado, impotente. Como tantas vezes já dissemos, “Deus continua no controle”. Lembremos-nos de Tiago 4.12: “um só é legislador e juiz - aquele que pode salvar e fazer perecer”. Não sigamos, portanto, nossas “intuições”, no nosso exame dos acontecimentos, mas a Palavra de Deus. Como nos instrui 1 Pe 4.11: “ se alguém falar, fale segundo os oráculos de Deus”.

          Em paralelo, não podemos cometer o erro de ser insensíveis às tragédias - Pv 17.5 diz: “o que se alegra na calamidade, não ficará impune”; mesmo perplexos, sabendo que não somos juízes nem videntes. Devemos nos solidarizar com as vítimas, na medida do possível. Um dos nossos comentaristas, em outro post, falou em começarmos uma campanha para auxílio às vítimas do Haiti. Não temos estrutura para fazer isso, como Blog e como blogueiros. No entanto existem aqueles que, chamados para tal, estão estruturados. De nossa parte, estamos procurando motivar os funcionários e alunos da instituição na qual trabalhamos (um total de 47 mil pessoas) a auxiliar de duas maneiras:


1. Para auxiliar os atingidos pela inundação de São Luís do Paraitinga, a mais próxima a nós, trazendo à capelania universitária (Prédio 50, do Mackenzie) doações de não-perecíveis, roupas e produtos de higiene.

2. Para auxiliar as vítimas do terremoto no Haiti: Ajuda através da organização de raízes cristãs, Visão Mundial (CNPJ: 18.732.628/0001-47), por depósito nas contas - Bradesco (Ag.: 3206-9 / CC: 461666-9), ou Banco do Brasil (Ag.: 0007-8 / CC: 16423-2).

“Se alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em necessidade, não se compadecer dele, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade” ( 1 João 3.17-18).

Solano Portela



[1] Folha de S. Paulo 28/12/2004; Jornal do Commércio - Recife - 2/1/2005, de onde foram extraídas as citações desse trecho.
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Adaptado de estudos e sermões proferidos em 2005
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segunda-feira, janeiro 11, 2010

Solano Portela

O deslumbramento com a erudição católico-romana.

Recentemente, chamou-me atenção a utilização, por um pastor presbiteriano, de um livro texto de um autor católico-romano para ensinar ética cristã em um curso de Escola Dominical. Os alunos foram incentivados a adquiri-lo e a tê-lo como base de instrução. O caso é intrigante, pois existem diversas obras bem escritas e fundamentadas, no campo reformado e evangélico sobre ética cristã. Por que não utilizar essas? A questão é tão amorfa e indefinida assim, que qualquer base interpretativa serve de alicerce? As cabeças dos alunos, não estariam sendo confundidas, em vez de esclarecidas? Após verificar o livro, em detalhe, fiquei ainda mais espantado, pois a base fundamental dele era a apresentação da Bíblia como uma compilação meramente humana de escritos religiosos, que não retratavam, necessariamente, os fatos ou situações descritas com veracidade ou autoridade. [1] Como desenvolver a compreensão de uma ética bíblica, se a própria Bíblia é colocada em suspeição?

          A verdade é que há um deslumbramento em nossas instituições evangélicas de ensino, e em muitos pastores e líderes evangélicos, com a erudição católico-romana. Vários autores são pinçados a dedo como paradigmas da boa metodologia científica e erudição teológica (Croatto, Segundo, Mailhiot. Schökell, Lohfink, Schüssler-Fiorenza, e outros).[2] Há uma conseqüente importação de temas, por vezes já superados nas próprias academias que os originaram: a Alta Crítica (O Pentateuco não é da lavra de Moisés, mas obra de quatro redatores, identificados pelas primeiras letras dos nomes utilizados para designação da divindade ou do período nos quais foram escritos: JEDP), a Crítica da Forma, e – ainda a grande pérola querida da academia – a Crítica do Texto. Todas essas correntes presentes em alguns círculos teológicos do evangelicalismo têm em comum o descartar da Escritura Sagrada como texto inspirado; como revelação em forma objetiva, com proposições aferíveis (revelação proposicional) à humanidade, como Palavra de Deus confiável.

          Procura-se hoje a análise do discurso, como forma de se chegar a uma compreensão da verdadeira mensagem que o autor ou autores procuraram registrar, e que está confundida com mitos, adições e trabalhos redacionais. Segundao esta visão, não existe texto íntegro. Todos estão sujeitos ao escrutínio da mente e especulação humana, que reina soberana postulando e definindo o que deve ser aceito e o que deve ser rejeitado. A simples idéia de uma revelação proposicional – de um Deus que intervém e interage com a produção intelectual da humanidade, por meio das Escrituras, de forma sobrenatural, é tão repugnante à pseudo academia teológica contemporânea, quanto a aceitação prima facie dos milagres registrados nos textos sagrados.

          Interessantemente, enquanto as Escrituras são rejeitadas ipso facto como sendo Palavra de Deus, confiável e livre de erros, outros documentos, de cuja existência não se têm a mínima menção em autores antigos, nem a menor evidência de terem existidos, são aceitos, como por revelação divina. Assim, rejeitam-se diversas cartas de Paulo, como sendo epístolas do próprio (apesar de sua autoria ser declarada no texto), mas não se tem qualquer dúvida da existência de “Q”, como fonte primária dos evangelhos sinóticos (ao lado de “M” e de “L”), mesmo que esses textos sejam meras especulações. Gerados pelas similaridades que a verdadeira erudição cristã sempre identificou nos evangelhos sinóticos, com um razão tão simples quanto veraz: são todos documentos confiáveis, íntegros, ancorados nos fatos históricos da vida de Jesus, cerne de suas narrativas.

          Mas essa verdade simples não serve, pois, partindo-se já da premissa da falta de integridade dos textos que dispomos, horas incontáveis de estudo e pseudo pesquisas são aplicadas no discernimento do pensamento das comunidades lucanas, petrinas, marcanas – supostamente grupos de cristãos responsáveis, como grupo, pelas idéias registradas nos livros que levam os nomes de autores bíblicos, que podem tão somente ser peças de ficção – tanto o texto final, como os autores.

          A Bíblia é, nessa abordagem, um livro meramente humano – cheio de mitos, falhas, contradições e divergências entre si. A teologia de Paulo difere daquela teologia retratada no evangelho de Mateus, pois representa um desenvolvimento adicional do pensamento. Não temos complementação de verdades, mas desenvolvimento de idéias, seguindo tramas e caminhos restritos apenas pela ousadia da imaginação dos autores.

         Qual a validade de tais estudos, então? Não representam a busca de um discernimento de proposições prescritivas, que podem auxiliar, como normativa, a postura dos Cristãos, em um caminhar que lhes dê paz, ou que agrade a Deus. Consistem apenas em exercícios acadêmicos; um fim em si mesmo; exercícios mentais de reconstrução historiográfica, partindo da premissa básica de que não existe palavra revelada, ou inspiração divina. Mesmo quando os textos, sob o escrutínio da crítica da forma (formgeschichte), estão estabelecendo modelos comportamentais – proibições e/ou permissões – eles são descartados por uma análise sociológica, ancorando tais prescrições nas condições vigentes, da era, invalidando qualquer aplicabilidade contemporânea. Essa visão segue, em coerência à rejeição da integridade dos textos, o entendimento da não existência de princípios absolutos, permanentes e de validade perene – relativizando todo inter-relacionamento social, às limitações comunitárias da época em que foram formuladas.

          Há também aqueles que não estão tão preocupados com as fontes, mas que se prendem à análise dos textos – quaisquer que sejam esses, porque a sua própria existência e sobrevida demonstram que possuem importância intrínseca. Não, segundo esses acadêmicos, como documentos históricos, de fatos aferíveis, confiáveis ou verificáveis; mas, tão somente, como reflexo de experiências humanas a coisas que aconteceram. Essas questões e fatos não são tão importantes assim – mas o reflexo delas, esse deve ser estudado. Não há validade prescritiva, mas apenas um trabalho, cheio de tédio e verborragia, descritivo dessas narrativas, entremeados com observações que militam contra a integridade do que é dito.

          Toda essa rejeição do texto sagrado está presente no livro ao qual me referi no início deste texto. Mas qual a validade dele, para o entendimento da Palavra de Deus? Como livro de ética, é uma mera coletânea descritiva dos discursos de Jesus, conforme o registro dos evangelhos, e de diretrizes encontradas nas cartas paulinas. No entanto, a integridade dos textos é descartada como premissa. De acordo com o autor deste livro, os evangelhos são mera produção humana, compilados de documentos primários, com trabalho de redação e adição aos eventos históricos, pelos compiladores – que podem até ter sido, mesmo, os evangelistas, Marcos, Mateus e Lucas. As cartas, não são necessariamente de Paulo (não interessa que comecem afirmando a autoria paulina, com uma mentira, dizendo que são – situação ética, que se fosse veraz, seria bem contraditória a qualquer ética, não acham?). Até as cartas que o autor considera que podem ser atribuídas a Paulo, foram embaçadas, na sua opinião, por um trabalho de composição e redação de possíveis escritos menores, com adições prováveis realizadas pelo redator.

         Um livro de ética como esse, ao qual me refiro, não irá derivar regras comportamentais do texto sagrado, pois todos os direcionamentos nele encontrados são pertinentes à era. Tudo pode (e até deve) ser modificado, de acordo com ele. A conscientização da humanidade, a interação social através dos séculos, tudo isso está acima do texto sagrado e justifica a quebra das diretrizes, que não são aceitas nem como divinas, nem como universais e absolutas. Por exemplo, quando Paulo compara a relação social do casamento, à relação espiritual de amor que Cristo tem com a igreja, e daí deriva uma norma universal e perenemente aplicável, o autor diz que: “O Paulo de Efésios com certeza não vai além da estruturas sociais de seu tempo que em geral exigiam que as esposas fossem submissas a seus maridos” (p. 290). Nessa compreensão não temos, mais a palavra normativa de Deus com prescrições sempre atuais, mas um mero “Paulo de Efésios”, cujas diretrizes podem ser descartadas como anacronicamente inaplicáveis, por razões sociológicas.

          É lamentável que tantos se afastem da simplicidade do evangelho e se enredem nessas vias complexas, que levam à confusão, ao ceticismo, ao descrédito da fé. É mais lamentável ainda que o povo de Deus receba esse tipo de ensino e orientação que mina a autoridade da Palavra inspirada do nosso Criador. O Tempora! O Mores!
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[1] MATERA, Frank J. Ética do Novo Testamento: os legados de Jesus e de Paulo. Tradução João Rezende Costa, do original: New Testament Ethics. São Paulo: Paulus, 1999, 379 pp. (professor de Novo Testamento na Catholic University, Washington, DC).

[2] Alguns autores católicos muito utilizados e suas obras mais comuns – disponíveis em português:
• GIRARD, Marc. Como Ler o Livro dos Salmos: Espelho da vida do povo. São Paulo: Paulinas, 1992. (Frei Marc Girard, canadense, professor na Universidade de Quebec).
• MAILHIOT, Gilles-Dominique. Os Salmos: Rezar com as palavras de Deus. Trad. Odila Aparecida de Queiróz. São Paulo: Loyola, 2008. (Frei dominicano, falecido em 2008, ensinou no Colégio Universitário Dominicano de Otawa, no Canadá).
• ALONSO SCHÖKEL, Luis. O Espírito Santo e os Salmos. Salmos e Exercícios. Trad. Maurício Ruffier. São Paulo: Loyola, 1998. (Católico espanhol, falecido em 1988. Estudou no Pontifício Instituto Bíblico, do Vaticano).
• SCHÜSSLER-FIORENZA, Elisabeth. “Exemplificação do Método Exegético”. In: SCHREINER, Josef (ed.). Palavra e Mensagem: introdução teológica e crítica aos problemas do Antigo Testamento, pp. 497-526. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1978. (Elisabeth Schussler-Fiorenza é professora da Harvard Divinity School e identifica-se como católica).
• LOHFINK, Gerhard. Agora entendo a Bíblia. Para você entender a Crítica das Formas. Trad. Mateus Rocha. São Paulo: Paulinas, 1978. (ex-professor da Universidade de Tubinguen, na Alemanha. Católico, renunciou em 1986 para trabalhar com comunidades – livro escrito, nesse período: Jesus e Comunidade).
• BROOK, Wes Howard & Anthony GWYTHER. Desmascarando o Imperialismo: Interpretação do Apocalipse ontem e hoje. Trad. Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus e Loyola, 2003. (jesuíta, ex-advogado do Senado Norte-Americano, decidiu estudar teologia depois de uma carreira bem sucedida como advogado. Ensina na Seattle University)
• BEAUCHAMP, Paul & Denis VASSE. A violência na Bíblia. Trad. Maria Cecília M. Duprat. São Paulo: Paulus, 1994. (Exegeta francês, jesuíta, já falecido).
• SEGUNDO, Juan Luis. A História Perdida e Recuperada de Jesus de Nazaré: dos Sinóticos a Paulo. Trad. Magda Furtado de Queiroz. São Paulo: Paulus, 1997. (autor uruguaio, jesuíta, já falecido).
• CROATTO, J. Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa - uma introdução à fenomenologia da religião. Trad. de C. M. V. Gutiérrez. São Paulo: Paulinas, 2001. 513p. (Argentino, jesuíta).
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quarta-feira, janeiro 06, 2010

Mauro Meister

“O Deus que intervém não existe”



          Renato Vargens publicou um post sobre o deus do teísmo aberto: Eu não acredito no Deus do teísmo aberto. É uma crítica à teologia do inglês Tom Honey. Como Vargens, também não acredito nesse deus, mas parece que ele está se tornando popular. Recentemente foi divulgado no Brasil um texto trazendo a expressão que "o Deus que intervem não existe", defendendo um Deus que lamenta, se solidariza, mas não intervem no curso da história. Essa é mais uma investida do teísmo aberto com ares tupiniquins, trazida por pensadores brasileiros que têm recebido fama e acolhida em muitas revistas evangélicas e circuitos de palestras.

          O "Deus que intervém" (tradução do título de um livro de Francis Schaeffer para o português – "The God Who Is There") é o Deus da Bíblia e só posso supor que o deus do teísmo aberto não é o Deus da Bíblia. Fico pensando que esse deus é um outro deus e não o Deus que ao longo da história mostrou-se, ao intervir, o Senhor dela, apesar da visível dor humana que tanto nos marca. O problema do deus do teísmo aberto é a sua incapacidade de intervir.

          Mas, segundo a Escritura, a intervenção de Deus, no que podemos conhecer dela, começa na criação, ainda que tenha nos amado antes da própria fundação do mundo. A partir de então, não parou de intervir, seja falando, agindo, alterando, mudando, fazendo tudo o que condiz com os seus propósitos eternos. Se a Escritura é de fato a Palavra de Deus, sua revelação, então o Deus que intervém existe e foi o Deus de Jó, homem que sofreu profundamente para aprender quem Deus é e que, finalmente, pode ver a Deus. Mesmo tendo sofrido, viu a graça do Deus que intervém restaurando-lhe.

          O Deus da Bíblia é o Deus que é todo amor e justiça, verdade e misericórdia. É o Deus que ama e que é ofendido pelo pecado humano, ao contrário da caricatura criada pelo teísmo aberto, e que pode estar impregnada na mente de muitas pessoas. Aliás, o pecado é a grande ofensa contra Deus e não há como ler a Escritura sem perceber isto. É interessante notar que os teólogos do teísmo aberto tentam usar a Bíblia para provar o improvável por meio dela: 'o deus que intervém não existe.
Aliás, há uma ironia aqui: O livro de Schaeffer que teve o título traduzido como "O Deus que intervém", literalmente chama-se "O Deus que está lá", o que não faria tanto sentido na língua portuguesa. Schaeffer escreveu o livro com este nome exatamente para mostrar que na cultura do final do século XX, influenciada pelos muitos anos do desenvolvimento científico e cultural do ocidente, Deus tornou-se uma construção ideológica e não o Deus da Bíblia. O Deus que intervém e revelou-se em Jesus Cristo foi transformado pelo racionalismo humanista em um deus impotente, facilmente substituído pela capacidade humana.
Na sequência da famosa trilogia de Schaeffer, ele escreveu "He is there and He is not Silent" ("Ele está lá e não está calado"), traduzido no Brasil como "O Deus que se revela", exatamente para mostrar que este Deus todo poderoso, o El-Shaddai, sempre controlou a história e se revela, trazendo esperança ao homem. O livro de Schaeffer trata a respeito deste Deus fazendo uma defesa da epistemologia do cristianismo histórico e bíblico, de "como podemos vir a saber e como podemos saber que sabemos". O deus do teísmo aberto, aparentemente se revela só no sofrimento, é fraco, incapaz de alterar qualquer coisa na história. Quando esse deus vê o sofrimento e a tragédia humana, como os acontecimentos recentes das mortes em Ilha Grande, Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, só pode chorar, sem fazer nada. A meu ver, é a Morte da Razão tentar defender um deus como esse (o terceiro livro na trilogia de Schaeffer).

          O Deus da Bíblia é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó; o Deus de Moisés, Davi, Isaías e Jeremias; o Deus de milhares que foram levados para o cativeiro, anonimamente, sofrendo e, ao mesmo tempo, consolados pela sua presença e certeza de que os traria de volta, senão eles mesmos, os seus filhos, porque ele disse que os traria; o Deus de Daniel, um cativo 'de elite' que, ao perceber que havia chegado a hora que Deus disse que iria intervir, orou reconhecendo os seus pecados e os de seu povo e rogando que Deus agisse de acordo com sua eterna aliança (Daniel 9). Se o sofrimento do povo de Israel na ida para o cativeiro não foi para cumprir os propósitos de Deus, vamos ter que arrancar a metade dos escritos dos profetas da Bíblia (Isaías, Jeremias, Habacuque, etc.). Mas o Deus que intervém ordena a sua bênção para sempre (Salmo 133), bênção esta iniciada na ordem Edênica (Gênesis 1.28) e alcançada em Cristo, sempre para cumprir o seu eterno propósito.

          O deus do teísmo aberto não passa de uma imagem construída por homens e, como caricatura, é uma péssima obra de arte. Mas, o Deus da Bíblia já enviou a sua imagem perfeita (Hebreus 1.3) para que conhecêssemos o perdão dos pecados, a sua intervenção na história e, finalmente, a redenção de todos os seus eleitos. Assim como fez no passado, continua a intervir hoje, pois ele sempre foi, é, e será o mesmo Deus, queiram os homens ou não.

          O deus do teísmo aberto não é o deus da Bíblia e não é o deus daqueles que de fato creem nela. O eterno propósito desse deus é chorar com os homens. Pobre deus, pobres homens que acreditam nele.
Para saber mais sobre o teísmo aberto, recomendo o livro de John Frame, "Não há outro Deus" (Cultura Cristã) e também o artigo na Fides Reformata, A TEOLOGIA RELACIONAL: SUAS CONEXÕES COM O TEÍSMO ABERTO E IMPLICAÇÕES PARA A IGREJA CONTEMPORÂNEA. (Valdeci Santos)
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