A foto foi tirada em 1994 na Suíça. Eu tinha mais cabelos e nenhum deles era branco. Todos conhecem o local. É o Monumento aos Reformadores no Parc des Bastions, Genebra. Da esquerda para a direita, Farel (não aparece na foto), Calvino, Beza e Knox, os líderes do movimento reformado na Suiça e na Europa. Ao meu lado está um pastor suíço, que não vejo desde a época da foto. Ele é pastor de uma igreja suíça de origem reformada, mas que desde o século passado abandonou a Segunda Confissão Helvética (zwingliana mas de influência calvinista) e depois o próprio Credo Apostólico. Ele me considerava um fundamentalista, por causa da minha aderência à infalibilidade da Bíblia, e eu o considerava um liberal, por ter abandonado os referenciais do cristianismo histórico, inclusive a Bíblia como única regra de fé e prática. Contudo, sempre nos tratamos com respeito durante o tempo em que ele foi meu cicerone por uma semana na Suíça.
O curioso é que tanto eu quanto ele nos considerávamos reformados, herdeiros da tradição representada pelos quatro vultos esculpidos naquela parede.
A tradição reformada não é uniforme e monolítica. Dentro dela há várias correntes reivindicando o direito à herança de Calvino. Desde neo-ortodoxos e neo-liberais, até neo-puritanos, diversos grupos disputam entre si o direito à primogenitura do Pregador de Genebra. Os neo-ortodoxos e neo-liberais se entendem como reformados legítimos porque acham que o âmago da Reforma foi o ecclesia reformata semper reformanda est. Ou seja, ser reformado é sempre mudar e progredir, avançar, quebrar paradigmas e criar tudo de novo a cada geração. Para mim, ser reformado tem a ver mais com conteúdo do que a forma. Reformado é aquele que abraça a doutrina da Reforma.
Não preciso dizer que acredito que verdadeiros reformados estão sempre abertos para mudar, desde que essa mudança implique em abandonar crenças e práticas erradas e em adotar aquelas mais de acordo com a Bíblia. Quem vive se reformando teologicamente sempre, por acreditar na evolução da verdade, não é reformado, mas reformista.
terça-feira, abril 25, 2006
Herdeiros da Reforma
Postado por Augustus Nicodemus Lopes.
Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
15 comentários
comentáriosRev. Augustus
ResponderÉ incentivador saber que em meio a tantas vozes heterodoxos e tantos compromissos e amizades com teólogos liberais o senhor não se deixou contaminar. Acho que não foi fácil manter uma visão bíblica compromissada com os ideais da Reforma no seu período de estudos fora do Brasil. Qual o segredo?
Um abraço
Augustus,
Responderinteressante reflexão! Realmente em tempos de pluralidade intensa a definição de conceitos é algo importantissimo.
Já vi neo-liberais dizerem para mim que são reformados sempre se reformando em detrimento do fundamentalismo que sigo, digamos assim.
Entendo como você que ser reformado é crer nos pilares da reforma (5 sola´s) e nas doutrinas da graça enfatizando a soberania de Deus e a aliança que Ele faz com um povo escolhido (creio ser a teologia pactual uma marca da reforma).
Ainda escuto dizer por ai que batistas não podem ser reformados e nem calvinistas, sta tartaruga, pasmem!
Abração!
Rev. Augustus, muito legal, tem um livro "A tradição Reformada" da Editora Pendão Real que é um exemplo dessa confusão, pois coloca no mesmo barcos desde os reformados mais ortodoxos até os mais neo-liberais e neo-ortodoxos.
ResponderOlá, meu querido Pastor Naziazeno, acho que o segredo é já ser firme antes de ir para esse meio, o maior problema para nós é que muitas vezes nos nossos próprios seminários, onde os futuros pastores irão aprender já existem essas contaminações...
Professor Nicodemus,
ResponderNa foto, o senhor está parecendo o Bud Spencer. Lembra dele? Aquele que trabalhava com o Terence Hill. Eram chamados a Dupla Explosiva, batendo em todo o mundo - mas nada violento, mas "porrada com humor".
Hoje em dia assisto obras como "Deixados para Trás", entre outras. Ando meio escatológico depois que conversei com a Norma Braga.
Um abraço,
Marcelo Hagah
João Pessoa-PB
Como o sr. interpreta então a frase ''igreja reformada, sempre reformando''?
ResponderReformista ou reformado, a postura mais cristã é o respeito mútuo, sem um grupo querer anatemizar o outro.
Gilmar,
Responder"Elasticidade" é um termo muito descritivo da situação. À semelhança do termo "evangélico", "reformado" também tem sido esticado ao extremo, para caber de tudo. Bem típico da nossa época, que detesta definições mais precisas.
Naziaseno,
Pois é, sempre transitei ao lado de gente de outras persuasões. Meu orientador na Universidade Reformada da Holanda era um liberal tamanho a ponto de propor à Igreja Reformada Holandesa que abjurasse a doutrina da expiação e adotasse a idéia que Cristo morreu apenas para nos dar exemplo. O segredo de conviver com esse pessoal sem contaminação é ler e examinar cuidadosamente o que eles dizem. No fim, por detrás da verborragia, verifica-se que existem muitas teorias, hipóteses, suposições -- pouca substância. Aliás, um excelente livro sobre a falácia da suposta cientificidade do liberalismo é da ex-bultmaniana Eta Linemman.
Abraços.
Rev. Augustus,
ResponderO Neopentecostalismo também tira uma "lasquinha" do nome reformado, não?!
Vejo muito pentecostais dizendo que são herdeiros da reforma tanto quanto as igrejas históricas. Creio que a doutrina reformada hoje em dia tem sido meio deformada, para acomodar todo tipo de ensejo teológico.
Será que nos falta mais confessionalidade?
Abraços
Marcelo Hagah,
ResponderPeço permissão ao moderador, rev. Augustus, e, sem querer criar polêmica, mas creio que a ficção "Deixados Para Trás" não vai lhe esclarecer absolutamente nada em relação a linha escatológica. Filmes e/ou livros como esse citado pelo irmão têm trazido confusões em muitas Igrejas. Sofro muito com elucubrações malucas realizadas pelos adolescentes da minha igreja que assistiram esse filme. É cada absurdo com aparência de verdade! Isso dá um trabalho para desfazer depois.
Perdão rev. Augustus pela intromissão. É com você...
Naziaseno,
ResponderAgradeço o quinau do irmão. Vou analisar melhor o tema Escatologia. Confesso que sou um tanto leigo. É que são muitas informações a respeito. E não conheço livros bons. A ajuda dos irmãos reformados seria salutar para mim.
Quero aproveitar também e pedir permissão ao Professor Augustus Nicodemus para falar ainda do meu post. Caro reverendo, quando disse que o senhor parecia com o Bud Spencer naquela foto, apenas gracejei. Espero que o senhor não fique aborrecido. Nós, paraibanos, o amamos e respeitamos muitíssimo, inclusive nós, os batistas. Acredite.
Um abraço a ambos.
Marcelo Hagah
João Pessoa-PB
Juan,
ResponderBem vindo à blogosfera depois de um tempo de ausência! Tem reformado lato sensu, isto é, mais light e mais pragmático, e reformado stricto sensu, que é o bão mesmo. Somente batistas brasileiros é que pensam que reformado é coisa de presbiteriano exclusivamente.
Davi,
Como anda nossa Aracaju? Todo ano vou de carro ao Nordeste e pernoito ali na praia, num daqueles hoteis da orla. Minha família adora. Sim, o livro "A Tradição Reformada" reflete muito bem o espírito reformado lato sensu, incluindo desde Finney até neo-ortodoxos.
Um abraço.
Marcelo,
ResponderSempre me acharam parecido com o Bud Spencer. Aliás, era meu apelido no Seminário. Fique tranqüilo, vc não é o primeiro a notar o quanto o Bud se parece comigo...
Todo crente bíblico é escatológico, mesmo que não tenha tido o privilégio de conversar com a Norma Braga. Só que me refiro à escatologia no seu sentido mais amplo, incluindo principalmente aquela realizada, e aquela ainda não, na boa tradição do batista Ladd.
Abraços!
Marcio,
ResponderSobre a frase "Igreja Reformada, sempre reformando", veja meu próximo post sobre o assunto. Obrigado pela dica.
Sobre o respeito mútuo, esse deve sempre existir, como por exemplo sempre respeitei aquele colega pastor suíço de linha totalmente reformista. Agora, o anatemizar... depende do que se quer dizer com isso. Xingar, zombar, escarnecer, estão fora de questão. Mas analisar criticamente, posicionar-se contra, rebater e refutar, isso é saudável e deve ser feito.
Abraços.
André,
ResponderTaí uma novidade! Os pentecostais costumavam dizer que não têm nada a ver com a Reforma. Se vão se identificar com algum grupo da época, certamente com anabatistas ou os entusiastas alemães, que tinham inclusive profetas. Realmente, faltam mais e melhores definições do que foi a Reforma e das suas implicações.
Naziaseno,
Concordo sobre o "Deixados para Trás", nem precisa pedir permissão para falar contra.
Abraços.
Olá Reverendo.
ResponderMuito bom o artigo.
Mas fiquei encucado com essa afirmação:
"Segunda Confissão Helvética (zwingliana mas de influência calvinista)".
Considerava essa CF uma das mais calvinistas (rs).
Se possivel, me explique porque essa CF seria zwingliana.
Um abraço,
Gustavo
Gustavo,
ResponderA Segunda Confissão Helvética foi escrita em 1566 por Heinrich Bullinger, sucessor de Zwinglio. Foi escrita em alemão e aceita por praticamente todas as igrejas suiças de fala alemã, que seguiram o zwinglianismo. Os calvinistas, como você deve se lembrar, era suiços de fala francesa.
Acontece que Bullinger foi muito influenciado por mestre Calvino, de quem era amigo e companheiro. Não se pode dizer que era um calvinista, pois divergia em matérias como os sacramentos. Mas tinha muito em comum com Calvino.
Só isso.
Um abraço!