Esta semana marca, de forma bem visível, a idolatria religiosa que ainda impera em nosso pais. Veremos, por todos os lados, as coisas mais ‘impensáveis’, mas que, de certa forma, sempre estiveram presentes na religiosidade popular brasileira. Veremos pessoas fazendo sacrifícios físicos imensos, caminhando muitos quilômetros, carregando cruzes, imagens, objetos e até marcando o seu corpo com auto flagelação. Ouviremos pela mídia simpatizante relatos de supostos milagres alcançados e promessas que precisam ser pagas, sob a penalidade de ver a bênção revertida. Já nos acostumamos a tudo isto, ano após ano.
O que muitas vezes não percebemos é que este mesmo tipo de idolatria tomou conta dos arraiais chamados evangélicos. O velho evangelicalismo está dando lugar a um “outro evangelho” que troca a fé nas Escrituras por um misticismo individualista com manifestações coletivas. Em geral, o que acontece na igreja evangélica hoje não é um reflexo da aplicação da Palavra de Deus sobre a vida de pessoas transformadas pelo Evangelho. Quando Deus nos dá a sua Palavra, diz-nos que foi dada para ser ‘ensinada, aprendida, cumprida e guardada’ e que isto deveria gerar temor no coração das gerações (veja Deuteronômio 6.1-2). Mas hoje, ensina-se nas igrejas ao redor que uma boa igreja é aquela na qual eu me ‘sinto bem’ e que satisfaz meus anseios. Disto temos as mais variadas provas, inclusive no tipo de programação oferecida ao público: culto disto e culto daquilo onde, na verdade, há um ‘culto de si mesmo’ (Colossenses 2.23) e das ambições humanas (Salmo 131). As conseqüências vemos nas águas benzidas, rosas ungidas, fitas, novenas e orações de poder.
No entanto, tenho a impressão que o culto das ambições humanas, tão claramente marcado em nossa sociedade consumista, é uma das formas permanentes de idolatria que mais nos ameaçam e que muitas vezes sequer percebemos. A ironia da situação é que nos escandalizamos com a idolatria exposta da religião e não percebemos a idolatria intrínseca do nosso coração. Em Isaías 44 o profeta nos fala deste tipo de tolice que acomete o homem. Ele nos diz:
Um homem corta para si cedros, toma um cipreste ou um carvalho, fazendo escolha entre as árvores do bosque; planta um pinheiro, e a chuva o faz crescer. Tais árvores servem ao homem para queimar; com parte de sua madeira se aquenta e coze o pão; e também faz um deus e se prostra diante dele, esculpe uma imagem e se ajoelha diante dela. Metade queima no fogo e com ela coze a carne para comer; assa-a e farta-se; também se aquenta e diz: Ah! Já me aquento, contemplo a luz. Então, do resto faz um deus, uma imagem de escultura; ajoelha-se diante dela, prostra-se e lhe dirige a sua oração, dizendo: Livra-me, porque tu és o meu deus.” (vs. 14-17)Percebem a ironia da situação? Um homem planta a árvore e da mesma árvore que plantou tira a lenha para aquecer o pão e fazer um ídolo. Depois, faz um pedido: livra-me! Diríamos, olhando para este homem: que tolice.
Pois hoje, a situação não é tão diferente, ainda que seja mais sofisticada. Hoje, não mais plantamos uma árvore, reflorestamos. Quando cortamos nossas áreas reflorestadas, o fazemos com grandes e potentes máquinas. Depois disto, enviamos o produto por meio de sistemas de transportes a fábricas que refinam o material e, finalmente, produzem o papel. Nele, imprimimos de tudo, nossa cultura e nossas idéias (livros, jornais, revistas) e nosso idolatrado capital (cédulas, cheques, promissórias e títulos).
Em resumo, com grande sofisticação, o homem moderno faz o mesmo que aquele homem 'primitivo' mencionado em Isaías 44.
Pergunto: será estamos livres da idolatria que vamos contemplar durante esta semana?
16 comentários
comentáriosMauro:
ResponderImpressionante, também a cegueira espiritual - apresentada pelos meios de comunicação como "demonstração de fé" - no Círio de Nazaré: centenas de milhares de pessoas procurando tocar uma corda e adorar uma imagem que não fala nem vê.
Ótimo e oportuno post.
Solano
Rev. Mauro,
ResponderÉ importante salientar que nós cristãos muitas vezes vemos esse tipo de idolatria como algo "normal", pois, como o sr. disse, acontece a cada ano.
Como bem sabemos, só o poder do Evangelho pode mudar os corações. Mas, como transformaremos pregando outro evangelho?
A proposta do open-theism, que está na moda, não satisfaz.
Cabe a nós difundir e propagar a sã doutrina, tão rechaçada por nossos colegas liberais.
Abraços
A idolatria impera em todos os setores da sociedade. Nessa campanha eleitoral vimos de tudo. Aqui na minha cidade, São Luís, ví candidato a Governador cantar em culto na AD e depois receber o passe de "benção" no terreiro de macumba, o mesmo (ou melhor, a mesma), foi vista em meio a pastores na igreja e depois acompanhando procissão.
ResponderO problema é que os crentes perderam a vergonha na cara e agora estão com medo de denunciar esse tipo de mazela da nossa sociedade, para que não sejam ridicularizados ou não percam as benesses do poder.
A mídia, no entanto, não está preocupada com a informação pura e simples, mas sim, com o que pode lhe render dividendos. Ai a idolatria se avoluma cada vez mais.
João d'Eça
Olá Mauro
ResponderEu acredito que um dos principais problemas da "igreja evangélica" brasileira é o culto ou a idolatria ao "ter". E isso não é restrito apenas as igrejas "evangelicais", mas as mais tradicionais tb.
E quais seriam as causas essenciais para que as coisas relatadas no texto se verifiquem?
Abraços
JP
Mauro,
ResponderGostei imensamente da transição que você fez do texto bíblico para nossos dias atuais.
De fato o grande problema das pessoas não está somente em perseguir uma imagem de madeira para receber a "bença", não são as novenas ou procissões ditas religiosas...
Está no que você chamou de "idolatrado capital" e aí todos precisamos parar e pensar...pensar...refletir o quanto já estamos no processo da idolatria universalizada do dinheiro.
Hoje mesmo estive falando com um pastor amigo meu que disse: "No final de cada dia vejo o resultado do meu trabalho, sorrio e agradeço a Deus...porém quando comparo com o que eu poderia ter feito para o Reino me frustro...mas não tenho coragem para mudar a situação.
É triste!!!
Solano,
ResponderEu já estive em Belém em uma época destas. É uma mistura tão grande de misticismo com bebedeira que não dá nem para citar.
Resta-nos ensinar e orar pelo povo brasileiro...
abs
Mauro
Prezado André,
ResponderÉ verdade... não é possível combater o erro com o erro... no começo havia um número maior dos que defendiam a IURD no meio evangélico, mas como bem observamos, a coisa está piorando e o resultado é uma troca de um tipo de idolatria por outros. Acaba tudo na mesma.
abs
Mauro
Olá João,
ResponderVc disse:
"O problema é que os crentes perderam a vergonha na cara e agora estão com medo de denunciar esse tipo de mazela da nossa sociedade, para que não sejam ridicularizados ou não percam as benesses do poder"
Já vi muito disso... evangélicos vendendo-se para o poder. Existe esta idéia de que se os evangélicos se envolverem com a política vão poder resolver as questões necessárias, sem entender que é necessária uma mudança muito maior, que traga respostas mais abrangentes para a cultura. Como diz Nancy Pearcey, citando a outros, o cristianismo permanece em um cativeiro cultural.
abs
Mauro
JP,
ResponderSe vc observar, caminhei no texto desde o tipo mais 'popular' de idolatria para terminar perguntando, na primeira pessoa do plural, se estamos livres de idolatria. Na raiz de todo o pecado está a idolatria, de uma forma ou de outra.
abs
Mauro
Prezado Wilson,
ResponderCreio que o problema está em todos os níveis... desde o seguidor da 'santa' até o adorador dos $$, ou mesmo aquele é 'contra o capital e o capitalismo' mas idolatra a si mesmo, pensando em construir uma sociedade melhor sem o criador dela...
Porém, é verdade que o 'amor ao dinheiro é a raiz de todos os males', exatamente pq é idolatria.
abs
Mauro
Rev Mauro Meister,
ResponderMais uma vez, um excelente post. Todos tendemos a ver idolatria somente como o que envolve o dia de hj (aparecida), mas vc coloca uma questão relevante: idolatria é isso e mto mais... E é nesse "mto mais" q mora o problema. Pois por mtas vezes caímos na idolatria e não nos damos conta. Que Deus os abençõe muito mais e que vcs possam continuar a ser mestres a ensinar o povo, como vc msm falou rev, e que têm feito isso de forma brilhante. Que Deus os ilumine cada vez mais e frutifique seus ministérios, é o que eu desejo. Pois desse ministério maravilhoso nós somos beneficiados constantemente.
O título é bastante sugestivo..., é exactamente o que queria dizer calvino quando afirmou que os seres humanos têm tendências idólatras.A idolatria sempre foi e será a pedra de tropeço quer para salvos ou perdidos.
ResponderUm abraço
Pr.Daniel M. Silva (Igreja Evangélica Congregacional de Passa Três RJ)
Palavra oportunamente dita, chefe.
ResponderCom certeza não escaparemos a mais este festival de idolatria. Esta passagem me faz atentar também para a natureza daquilo que se espera daquele ídolo. O texto mencionado termina com um pedido específico: “livra-me!” Este parece ser um clamor típico da humanidade pelos séculos: livrai-me das falcatruas, das dívidas, das perseguições, e demais armadilhas nas quais me meti. Compartilho a sua indignação com o cortejo de irracionalidade que teremos que ver neste feriado. No contexto de Isaias 44, nem mesmo Deus livraria o seu povo do castigo iminente oriundo da desobediência. O capítulo 44 então assume o tom irônico de que aqueles que fazem os seus próprios deus de pau e pedra fazem para buscar socorro (livra-me), mas Israel mesmo não se volta para o seu Deus.
Daniel Santos
A cada dia que passa gosto mais desse blog, teologia pura e simples... bom demais!!!
ResponderJá é consenso entre os cristãos que o festival da idolatria é facílimo de se observar nessa época do ano, agora quando será consenso questionar bereneamente, algo como: raminho de trigo da prosperidade, pérola da materialização da glória de Deus, palmilha que quebra maldições onde quer que eu pise com ela (sim, tem que deixar dentro do sapato mesmo), coquetel com uvinhas para arranjar namorado(a), copo d'água que traz um monte de bençãos (água benta, vai?), etc... etc..
Não inventei essas coisas não, estive presente em "cultos" que ofereciam todas essas tramotas, eu me sentia num rodízio onde tudo que me ofereciam eu olhava a bandeja e recusava...
Que nojo!
Concordo com a menasagem central do post que é a idololatria desfarçada. Mas se não estou errado, o que Isaias está condenando não é o fato do homem construir boas casas para morar, e sim utilizar os recursos desta terra como ídolos, trocas Deus por coisas materiais.
ResponderUm abraço
Sinceramente, quando ouço alguns programas "evangélicos", tenho cada vez mais a impressão de que não estamos assim tão distantes da massa que vai ao círio... quem já viu a marcha para Jesus pode, em sã consiência, não achar que aquilo tudo está muito distante do que aprendeu quando de sua conversão? Eu confesso que a atitude que encontro nos arraiais evangélicos não mais me autoriza a considerar os romanos como os únicos a beber do cálice da superstição e ignorância. Mais do que isso, não vejo de nossa parte uma postura para eliminar essas atitudes de nosso meio e fazer retornar aquela sobriedade que era a nota da piedade protestante. Será que há uma saída para nós? Que O Senhor nos ajude a encontrá-la!!
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