quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Augustus Nicodemus Lopes

A sepultura de Jesus


A foto acima é da tradicional entrada do túmulo de Jesus em Jerusalém. Embora o lugar seja apontado pela Igreja Católica e outras igrejas cristãs como sendo o lugar certo, a verdade é que não há certeza absoluta de que Jesus foi sepultado aqui mesmo. Para os cristãos reformados, o exato local -- e mesmo, um local -- não faz muita diferença. Para eles, Jesus morreu no monte Gólgota e foi sepultado em algum lugar nos arredores de Jerusalém, ressuscitou dos mortos ao terceiro dia e subiu aos céus, conforme o relato dos Evangelhos.

Agora, o Discovery Channel anuncia documentário "imparcial" a ser veiculado 18 de março, com o título "O Sepulcro Esquecido de Jesus". Segundo o site do Discovery, é "o provável achado mais importante da história". O documentário, dirigido pelo diretor de "Titanic", James Cameron, é sobre uma caverna encontrada em 1980 ou 1990 [tenho essas duas datas na mídia] num bairro ao norte de Jerusalém contendo dez caixões que guardariam os restos mortais de Jesus de Nazaré, de sua mãe Maria e de Maria Madalena. Afirmará o documentário que a caverna é o local do enterro de Jesus. "Se for comprovado que é verdadeiro, este será o mais importante achado arqueológico da história do mundo cristão", afirma notícia do Globo online.

A diferença entre o local tradicional e esse apontado pelo Discovery é que o primeiro está vazio, enquanto que o último, supostamente, contém os restos mortais de Jesus. Se os reformados não se importam com o local exato, agora o assunto é diferente. Faço as seguintes observações sobre a notícia e o fato em si.


1) Tem se tornado comum nos últimos anos a veiculação de matérias anti-cristãs pela mídia internacional durante as datas tradicionais da Cristandade, como Natal e Páscoa. O documentário da Discovery irá ao ar exatamente no período da Páscoa. Nos anos anteriores foi o Código da Vinci, o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Judas, a sepultura de um irmão de Jesus, etc. Agora é a vez da descoberta do corpo de Jesus.

2) Os ataques da mídia e documentários como esse são dirigidos primariamente contra a Igreja Católica. Note que não é só o corpo de Jesus que pretensamente foi achado, mas também de Maria -- que a Igreja Católica defende que foi assunta aos céus. De tabela, o documentário atinge os protestantes, pelo menos os que acreditam no relato bíblico da ressurreição de Jesus. Os neo-liberais e neo-ortodoxos não serão muito atingidos se descobrirem o corpo de Jesus, pois, como Bultmann já disse, a única coisa realmente histórica (que aconteceu de fato) no Credo Apostólico é a frase "Cristo... padeceu sob Pôncio Pilatos". Os demais itens -- nascimento virginal, ressurreição, ascenção e segunda vinda -- é tudo fruto da fé criadora dos discípulos e não têm a menor importância para o Cristianismo.

3) Não é a primeira vez que aparece gente para derrubar a fé cristã na ressurreição de Jesus. Já os judeus do primeiro século disseminaram a versão de que os discípulos roubaram o corpo de Jesus e inventaram a história que ele ressuscitou. Fala-se também que Jesus não morreu de fato, mas ficou em coma, do qual se recuperou posteriormente. As idéias são muitas e engenhosas. Recomendo a leitura da "Busca do Jesus Histórico" de Albert Schweitzer para os interessados no assunto. Apesar de todos os ataques, os fatos permanecem os mesmos: o túmulo vazio, a ausência do corpo de Jesus, a mudança radical dos discípulos, o testemunho dos 4 Evangelhos e de Paulo, um judeu convertido a Cristo, que afirma tê-lo visto ressurreto.

4) Apesar da propaganda de que o documentário foi montado por pesquisadores, especialistas, etc., estou simplesmente curioso para ver as evidências que vão apresentar de que os restos mortais dos dez caixões são de Jesus e de sua mãe. Pelo que li, Cameron e Jacobovici, o co-produtor, "dizem ter encontrado sarcófagos com a legenda 'Jesus, filho de José', 'Maria' e 'Judá' (que, segundo os cineastas, seria filho de Jesus)". É essa a prova que vai destruir a evidência oriunda do século I e que tem sido crida por 2 mil anos? Como sabem se as inscrições são autênticas? Segundo alguns, "a inscrição parecia duvidosa, pelo conteúdo, a caligrafia e o revestimento que o cobria". Mesmo que fossem autênticas, só havia um Jesus, um José e uma Maria em Israel no século I? São nomes extremamente comuns naquela época.

5) À semelhança das demais tentativas anuais para desacreditar o Cristianismo, essa vai para o esquecimento em breve, como também já está indo o Código da Vinci e o Evangelho de Judas. É claro que os incrédulos continuarão a se apegar teimosamente a qualquer coisa que prometa comprovar que os Evangelhos são uma grande mentira. E mesmo que o Discovery diga que é um "provável" achado, muitos verão o documentário como prova absoluta de que Jesus não ressuscitou.

Uma falha imperdoável destes documentários – compreensível por terem sido escritas por cineastas, e não por peritos em crítica histórica do Novo Testamento – é que não consultam a opinião de pesquisadores e arqueólogos bíblicos de convicções conservadoras. São reportagens unilaterais e preconceituosas. O documentário da Discovery está, num sentido, longe de ser um documentário "imparcial".

O pressuposto controlador do documentário com certeza é o racionalismo, para quem a Bíblia é um livro religioso igual aos demais das outras religiões, contendo elementos mitológicos e lendas. Temos também a natureza altamente especulativa das ferramentas críticas utilizadas para interpretar os achados aqueológicos.

Finalmente, não vou dizer que se realmente acharem o corpo de Jesus tudo continua como antes. Terei de clamar como Paulo, "se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé... somos os mais infelizes de todos os homens" (1Cor 15). Para mim, a ressurreição literal de Cristo de entre os mortos é o fundamento da fé cristã. Por isso, considero uma coisa muito séria o que esses cineastas estão tentando fazer. E não lamento nem um pouco o fracasso que vão experimentar, como todos antes deles.

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sábado, fevereiro 24, 2007

Augustus Nicodemus Lopes

Mitos da Pluralidade

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Uma das palavras que caracteriza a época nova que estamos vivendo é “pluralidade”. É um dos conceitos ícones da nova geração. Eu tenho acompanhado a mudança da minha geração para essa presente, e confesso, não tem sido fácil para mim. Uma das coisas que me deixa perturbado é a facilidade com que “pluralidade” se tornou símbolo desse novo tempo, como pessoas trazem o termo na boca, prontos para usá-lo a torto e a direito, sem a menor reflexão sobre seu sentido.

Admito que há pluralidade no mundo, se entendermos pluralidade como diversidade. Nesse sentido, a criação de Deus é plural, a humanidade feita à Sua imagem é plural, as culturas são plurais, as idéias são plurais. Há uma enorme e fascinante diversidade na realidade que nos cerca. Com esse significado relativo e limitado, recebo e amo a pluralidade que encontramos num mundo que faz sentido e que se sustenta em cima de unidades, de princípios universais e absolutos. É, para mim, uma expressão da riqueza, poder e criatividade de nosso Deus.

Todavia, muita gente usa o termo no sentido absoluto, para negar toda e qualquer unidade, igualdade, harmonia e coerência que porventura existam no mundo, nas idéias, nas pessoas e nas culturas. Na verdade, o conceito subjacente que o termo pluralidade, usado modernamente, pretende desconstruir, é o de verdade absoluta, de conceitos e idéias e princípios que sejam válidos em qualquer lugar e a qualquer tempo. Nesse sentido, pluralidade é a testa-de-ferro do relativismo que infesta a mentalidade moderna: a existência coerente de verdades contraditórias que devem ser igualmente aceitas, sem o crivo do exame da veracidade.

Para mim, como cristão reformado, a pluralidade, entendida como diversidade, traz um monte de coisas boas. Se entendida como relativismo total ou variedade contraditória, tenho algumas dificuldades com ela.

1) Nenhum defensor da pluralidade consegue viver de forma coerente com sua crença de que tudo é relativo. Na prática, ele precisa compartilhar com os demais seres humanos determinados valores, convenções, costumes e leituras em comum, sob o risco de não conseguir se relacionar, comunicar e sobreviver. Todo relacionamento precisa de regras comuns e aceitas por todos, como contratos de trabalho, tabela do táxi, leis de trânsito e uma ética ainda que mínima. Mesmo os relativistas mais radicais são obrigados a capitular diante da inexorável realidade: a vida só pode ser organizada e levada à frente com base em princípios físicos e leis universais e que são observados e reconhecidos por todos.

2) Apesar de Raul Seixas ter preferido ser “uma metamorfose ambulante”, e “dizer agora o oposto do que disse antes”, tenho a impressão que dificilmente o ser humano consegue conviver em paz com a idéia da pluralidade. Existe uma busca interior em cada indivíduo por coerência, síntese e unidade de pensamento, sem o que ele não pode fazer sentido da realidade, encontrar o seu lugar no mundo e nem mesmo saber por onde caminhar. Acredito que este ímpeto é decorrente da imagem de Deus, um Deus de ordem, coerente, completo.

3) O conceito de pluralidade absoluta é internamente inconsistente. A afirmação “não existe uma única idéia certa, mas muitas” pode ser entendida simplesmente como apenas mais uma dessas muitas idéias, relativa e portanto não válida para todos ao mesmo tempo.

4) A defesa da pluralidade está longe de ser o discurso da tolerância, da igualdade e da convivência pacífica de idéias diferentes – ela esconde a busca pelo poder, pela instalação e dominação de uma única idéia e exclusão das outras. O melhor exemplo disso é a academia. Na universidade e nas escolas modernas, embora o discurso seja da convivência com o contraditório, o que existe na prática é a dominação ideológica por parte de um grupo que lentamente vai excluindo outras linhas de pensamento. Isso ocorre na psicologia, na biologia, no direito, na filosofia, etc.

5) O princípio subjacente à criação das universidades era exatamente procurar as verdades universais que pudessem unir as diferentes áreas do conhecimento e fazer uma síntese de tudo que existe. Daí o nome universidades. Infelizmente, hoje, as universidades viraram diversidades, abandonando a busca de um todo coerente, de uma cosmovisão que dê sentido e relacionamento harmônico a todos os campos de conhecimento. Quando as universidades surgiram, a cosmovisão cristã fornecia os pressupostos para essa busca da unidade do conhecimento. A teologia era considerada a rainha das disciplinas. Hoje, relegada a um departamento da filosofia, deixou um vácuo até agora não preenchido. A fragmentação do conhecimento tem sido o resultado na Academia, como se as diferentes disciplinas tratassem com mundos distintos, diferentes e contraditórios.

6) A pluralidade modernamente entendida está longe de ser um valor cristão. Muito embora a Bíblia reconheça a pluralidade no sentido de diversidade, quando se trata da revelação de Deus e da verdade, ela se torna intolerante. Outro Evangelho é anátema. O discurso em favor da pluralidade por vezes visa favorecer a legitimação de crenças e práticas que a experiência, a história, a consciência e especialmente a revelação bíblica ensinam que são incorretos, errados e equivocados – para não dizer pecaminosos.

7) Muita gente fala de pluralidade de idéias como se todas as idéias fossem diferentes entre si, ignorando que em muitos casos, elas não se contradizem, apenas se complementam, sendo uma faceta do mesmo diamante, o outro lado da mesma moeda. Em muitos outros casos, idéias que parecem antagônicas são apenas “antinomias” – termo que prefiro a paradoxo. Isto é, a contradição entre elas é apenas aparente, e a falta de harmonização entre elas se deve não a qualquer coisa intrínseca a elas, mas à nossa falta de capacidade de entendê-las e de relacioná-las. Num mundo criado por um Deus todo-poderoso, onisciente e infinitamente sábio é de se esperar que suas criaturas nem sempre entendam racionalmente como as coisas – e elas mesmas – funcionam. O mesmo se aplica à revelação que esse Deus fez de si mesmo nas Escrituras.

8) O conceito de pluralidade não legitima a diversidade de religiões. Apenas constata o óbvio, que existem religiões diferentes, e que dentro dos mesmos ramos religiosos existem diferentes interpretações e compreensões acerca de Deus, do homem, da realidade e do relacionamento destas coisas entre si. Todavia, a pluralidade funciona apenas como uma constatação e não como uma religião propriamente dita, embora muitos já tenham adotado a pluralidade como sua religião. Eles crêem em tudo e por isso mesmo, não crêem em nada.

9) É lamentável que muitos que se dizem seguidores de Jesus Cristo e da Bíblia insistam que a pluralidade é o caminho do cristão. Esquecem as posições firme e claras, e por vezes exclusivistas, que Jesus tomou com relação a outras posições e compreensões religiosas de sua época. Essa atitude foi seguida à risca pelos seus apóstolos. Os escritos neotestamentários denunciam falsos profetas, diferentes compreensões da vida e obra de Cristo e relegam ao campo das heresias aquelas idéias e conceitos que não se conformavam com o ensino original de Jesus e dos apóstolos. Não há qualquer amor à pluralidade – entendida como relativismo pleno e variedade contraditória – nos escritos do Novo Testamento.

Não me entendam mal. Reafirmo a existência e reconheço a realidade da diversidade, variedade, multiplicidade de idéias, conceitos, costumes, e que elas são resultado dos diferentes ambientes vivenciais, experiências e culturas dos indivíduos. Estou questionando o pensamento de que pluralidade implica na total relativização da verdade, na dissolução do conceito de que existem idéias e valores absolutos, princípios e verdades espirituais, éticas, morais, epistemológicas que são universais. Nesse ponto, continuo firme na convicção que o Cristianismo bíblico fornece o fundamento para se ver e entender a realidade como um todo coerente.
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quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Augustus Nicodemus Lopes

Sobre Neo-Libertinos

Os libertinos existem há muito tempo dentro da Igreja Cristã. Não vamos confundi-los com aqueles que procuram a liberdade da escravidão do pecado, da carne, do mundo e da lei, que é a liberdade cristã propriamente dita, encontrada em Cristo. Nesse sentido, todo crente verdadeiro é livre, ao mesmo tempo em que é escravo de Deus e servo dos seus semelhantes. Paulo fala disso em Romanos 6.

Os libertinos são diferentes. Eles também falam da liberdade cristã, da liberdade de consciência e da liberdade da lei, só que querem também ser livres de Deus e do próximo. Não percebem a liberdade dada por Cristo como estímulo para viver em obediência a Deus e serviço ao próximo, mas como uma licença para fazerem o que tiverem vontade.

Nós os encontramos em todos os períodos da Igreja. Quem não lembra de Balaão, o falso profeta que ensinou os filhos de Israel a se prostituir com as cananitas e a praticar a religião delas, como se fosse algo aceitável a Deus? (Num 31.16).

Encontramos os libertinos infiltrados nas comunidades cristãs primitivas, ensinando que a graça de Deus permitia ao cristão a participação nos sacrifícios pagãos oferecidos nos templos. Paulo encontrou um grupo de libertinos em Corinto, que achava que tudo era lícito ao crente, inclusive participar dos festivais pagãos oferecidos nos templos dos idólatras (1Cor 8—10). O livro de Apocalipse menciona os nicolaítas e os seguidores de Jezabel, grupos libertinos que ensinavam os cristãos a participar das “profundezas de Satanás” (Ap 2.24). Menciona também a “doutrina de Balaão”, que parece ter sido uma designação relativamente comum no séc. I para os libertinos (cf. Ap 2.14). Judas escreveu sua carta para denunciar e enfrentar “certos indivíduos que se introduziram com dissimulação... homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo” (Judas 4).

Na época da Reforma, Calvino referiu-se em uma de suas cartas ao partidos dos libertinos na igreja de Genebra, que usava a “comunhão dos santos” para troca de esposas (mencionado no livro de Piper, Alegria Soberana).

Os libertinos modernos – vamos chamá-los de neo-libertinos – não são diferentes e mantém basicamente as mesmas características dos libertinos denunciados no Novo Testamento, particularmente na carta de Judas:

1. Os neo-libertinos estão introduzidos nas igrejas cristãs, mesmo não sendo verdadeiros crentes em Cristo Jesus, dissimulando suas crenças e práticas até se sentirem seguros para manifestar abertamente o que são. Eles estão presentes nas festividades das igrejas como “rochas submersas” (Jd 12), que representam um perigo para a navegação. Neo-libertinos costumam ficar em igrejas históricas e confessionais sem dar a mínima para o que elas acreditam.

2. São pessoas ímpias – isto é, sem piedade pessoal, sem temor a Deus e sem a verdadeira religião – que se apresentam travestidas de cristãos, usando a linguagem cristã e engajadas em práticas cristãs. São arrogantes e aduladores dos outros por interesses (Jd 16). São “sensuais” e “promovem divisões” no corpo de Cristo com suas idéias heréticas (Jd 19).

3. A doutrina neo-libertina é que a graça de Cristo faz com que tudo seja lícito ao cristão, inclusive a prática da imoralidade – que naturalmente não é chamada por esse nome, mas por eufemismos e outros nomes, como sexo livre, amor, etc. Essa doutrina transforma essa graça em libertinagem – é daí que vem o nome “libertinos”.

4. Em última análise, a doutrina dos neo-libertinos nega a Jesus Cristo, que sofreu na cruz para livrar seu povo não somente da culpa do pecado, mas do poder do pecado em suas vidas, conduzindo-os à santidade e pureza. Os libertinos vivem sem nenhum recato (Jd 12).

5. A fonte de autoridade para essa doutrina não é a Escritura, que em todo lugar condena a imoralidade, a concupiscência, a prostituição e o adultério, mas suas experiências pessoais. Judas chama os libertinos de “sonhadores alucinados que contaminam a carne” (Jd 8). A religião dos neo-libertinos não é oriunda da revelação de Deus nas Escrituras, mas é fruto da sua mente carnal, “instinto natural, como brutos sem razão” (Jd 10).

Falando claramente e sem rodeios, os neo-libertinos presentes nas igrejas evangélicas defendem o sexo antes do casamento, a multiplicidade de parceiros, as relações homossexuais, a troca de esposas e maridos, a pornografia, aventuras amorosas fora do casamento, o consumo exagerado de bebidas alcoólicas, a participação dos cristãos nas diversões mundanas e absorção dos valores desse mundo no vestir, trajar, viver e andar. A agenda neo-libertina é mais ampla do que essa e alguns neo-libertinos são mais radicais que outros. Mas no geral, neo-libertinos são contra qualquer sistema que tenha uma ética definida e clara e que defenda valores morais absolutos e fixos.

Neo-libertinos costumam construir uma imagem de Jesus como uma pessoa inclusivista, que amou a todos sem distinção, jamais condenou ninguém nem se pronunciou contra o pecado de ninguém. Todavia, o Jesus libertino é diferente do Jesus que o Cristianismo histórico vem acreditando faz dois mil anos. O Jesus libertino foi um fracasso, pois ninguém entendeu o que ele quis dizer em dois mil anos de história – só agora os neo-libertinos descobriram.

O Jesus libertino não conseguiu se fazer entender. Fracassou redondamente. Seus discípulos, as pessoas mais chegadas a ele, se tornaram o oposto do que ele queria: Pedro passou a ensinar que a vida nas paixões pecaminosas era pecaminosa (1Pedro 1:13-19), João passou a dizer que a paixão pelas coisas do mundo e da carne não procedem de Deus (1João 2.15-17), Tiago condenou o mundanismo (Tiago 4), o autor de Hebreus disse que temos que lutar até o sangue contra o pecado que nos rodeia (Hebreus 12.1-4) e Paulo declarou que os sodomitas e efeminados não entrarão no Reino de Deus (1Coríntios 6:9-11). Eles certamente não aprenderam essas coisas com o Jesus libertino.

Os neo-libertinos convenientemente calam-se sobre determinadas passagens nos Evangelhos onde Jesus, ao receber prostitutas, cobradores de impostos e pecadores em geral, os ensinava a segui-lo, não cometendo mais pecados, tomando a sua cruz, negando a si próprios e se tornando sal e luz desse mundo em trevas. Nenhuma prostituta, imoral, ladrão, que conheceu Jesus e se tornou seu discípulo continuou na sua vida imoral. Zaqueu, Mateus e Madalena que o digam.
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terça-feira, fevereiro 06, 2007

Augustus Nicodemus Lopes

Fé e Meio Ambiente

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A geração que nos sucede receberá um legado ameaçador, que são os graves problemas ambientais que afligem o nosso planeta. Muito embora devamos ser críticos em relação ao tom catastrófico e apocalíptico com que organizações ambientalistas costumam se pronunciar sobre o futuro do planeta e de seus habitantes, existe pouca dúvida de que a crise é, de fato, real. Poluição dos rios, dos mares e do ar, desmatamento, redução da camada de ozônio, não só a ameaça, mas a extinção de espécies animais, aquecimento global – são apenas alguns dos itens na pauta de ambientalistas, governos e religiosos. Essas preocupações têm a ver com a sobrevivência da raça humana num planeta cujas reservas estão sendo exauridas a passos largos.

Acredito que exista uma relação inseparável entre os conceitos de “cosmovisão” e “ecologia”. O primeiro, como Solano tem mostrado claramente em posts anteriores, é uma maneira peculiar de entender nossa relação com Deus, com o próximo e com o mundo; e o segundo é o estudo das interações dos seres vivos entre si e com o meio-ambiente. Em outras palavras, aquilo que acreditamos acerca de nós mesmos, de Deus e do mundo onde vivemos determinará nossas decisões quanto ao nosso planeta.

O Cristianismo tem promovido através dos séculos uma cosmovisão coerente e abrangente que tem interagido com a ciência e o progresso. Estudiosos têm reconhecido a necessidade de uma base religiosa na área da ecologia. “A ecologia humana é profundamente condicionada pelas crenças sobre nossa natureza e nosso destino – isto é, pela religião”.[1]

É um fato que encontramos entre os grandes poluidores do planeta alguns paises que nasceram sob a égide do Cristianismo. Tal constatação não invalida os ensinamentos bíblicos sobre o cuidado com a natureza. No máximo, sugerem que esses ensinamentos não permearam suficientemente a cultura e a mentalidade dessas sociedades. Ou ainda, que os referenciais cristãos, que num passado distante foram adotados por elas, são agora rejeitados ou distorcidos, no todo ou em parte, em nome dos interesses econômicos.
Os seguintes pontos tirados da fé cristã reformada podem servir de base para a formação de uma mentalidade ecológica cristã.

1) O mundo foi criado por Deus. “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1.1). O mundo é obra de suas mãos, mesmo que não saibamos, em termos científicos, a maneira pela qual a sua Palavra trouxe todas as coisas à existência. A origem divina de tudo o que existe não significa que nosso planeta é uma extensão de Deus ou muito menos que mereça nossa adoração. Significa que ele merece nosso respeito e nosso cuidado, como o lar que Deus preparou para nós e os demais seres vivos. Significa também que Deus é o soberano Senhor da criação, como disse Davi, rei de Israel, muito tempo atrás: “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Salmo 24.1).

2) O mundo foi criado bom. “E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1.31a). “Muito bom” é o veredito do Criador sobre a natureza. Ela foi declarada boa tanto pelo seu valor intrínseco quanto por sua perfeita adequação às necessidades humanas. Isso difere da visão do antigo dualismo entre matéria e espírito, que equiparava a matéria à desordem. De acordo com essa visão, a matéria é má e pecaminosa. Perspectivas que têm uma visão negativa do mundo físico ou que o separam da sua origem transcendente dificilmente podem nos dar alguma esperança de achar soluções racionais e abrangentes para nossos problemas ambientais.

3) O mundo funciona de acordo com leis e princípios estabelecidos por Deus. A convicção fundamental da ciência é que o mundo funciona de acordo com leis e princípios regulares e constantes e, portanto, previsíveis. Essa base é dádiva da visão cristã de que o mundo foi criado de forma ordenada por um único Deus, um Deus de ordem, e não por vários deuses ambíguos, contraditórios, incoerentes e caprichosos, a partir da matéria caótica, como acreditam alguns. Foram cientistas com as convicções acima, no todo ou em parte, que lançaram as bases da moderna ciência e da tecnologia, como os astrônomos Kepler e Galileu, os químicos Paracelso e Van Helmont, os físicos Newton e Boyle e os biólogos Ray, Lineu e Cuvier, para citar alguns. Somente com esses referenciais podemos entender o funcionamento do meio-ambiente, do mundo e seus recursos, perceber os desastres que estamos causando por violarmos essas leis e prever soluções.

4) O ser humano é único. De acordo com o Cristianismo, o ser humano foi criado por Deus juntamente com a natureza e os demais seres vivos. Nesse sentido, é parte integrante dela. Todavia, ele foi feito de forma única, à imagem e semelhança de Deus, o que o distingue do restante da criação. A imagem de Deus implica, entre outras coisas, que o ser humano foi dotado de inteligência e, portanto, pode interpretar as leis do mundo e prover os meios de preservá-lo. Em algumas cosmovisões o ser humano, a natureza e Deus estão em níveis idênticos e fazem parte de uma mesma substância, o que torna impossível ao ser humano transcender a natureza para poder analisá-la, dominá-la e ajudá-la.

5) O ser humano é mordomo da criação. “Tomou o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gênesis 2.15). Deus o colocou no mundo como seu gerente e lhe deu alguns mandatos: cuidar da criação, de onde tiraria seu sustento, protegê-la e preservá-la, conhecê-la, estudá-la, para assim conhecer melhor a si mesmo e a Deus. O ser humano é o mordomo de Deus. Não é o soberano senhor, dono e déspota, mas o responsável diante de Deus pelo emprego correto dos recursos naturais, pelo seu próprio desenvolvimento de forma sustentável e pela preservação dos demais seres vivos.

6) Vivemos num mundo afetado pelo pecado. De acordo com a Bíblia, quando o ser humano colocado no jardim se revoltou contra o Criador, precipitou no caos a si mesmo e a criação pela qual era responsável. “Maldita é a terra por tua causa” (Gênesis 3.17) foi a sentença do Criador ao ser humano, agora sujeito à morte, a retornar ao pó de onde fora tirado. Tensões se estabeleceram entre Deus e o ser humano, entre o ser humano e seus semelhantes, e entre o ser humano e a natureza. A crise que vivemos hoje se deve a estas tensões:

  • Separado espiritualmente de Deus, o ser humano perdeu a referência da sua existência e da relação criatura-Criador. Essa última perda, em especial, afetou profundamente a sua maneira de ver o mundo, que ele ora agride e exaure, ora venera e teme como a um deus.

  • Vivendo em tensão emocional em relação aos seus semelhantes, o indivíduo dedica-se a buscar seus próprios interesses, mesmo que à custa do próximo. A exploração egoísta e desenfreada dos recursos naturais é feita sem levar em consideração que os mesmos faltarão à próxima geração.

  • Em tensão com a natureza, o ser humano a explora, agride e exaure, em nome do poder, do lucro e do progresso. O meio ambiente é para ele somente um bem de consumo.

Diante do exposto, entendemos que os problemas ambientais são primeiramente de origem moral e espiritual. Entendemos ainda que a solução passa pela transformação interior das pessoas, uma mudança de mentalidade com relação a Deus, ao próximo e à natureza. Em suma, é esse o apelo e o chamado do Evangelho.


Uma abordagem ecológica que tenha os fundamentos acima como referência poderá escapar dos extremos de algumas perspectivas populares:


1) Uma visão mística, em que o ser humano não mais é entendido como mordomo de Deus encarregado de cuidar, desenvolver e usar a natureza com sabedoria. Ao contrário, é entendido como servo dela, com a obrigação de preservá-la, como se ela fosse sagrada e como se o ser humano devesse manter uma atitude de adoração para com ela. Essa visão impede o uso inteligente e racional dos recursos naturais, a busca de soluções para os graves problemas humanos e o desenvolvimento do ser humano em geral.


2) Uma visão sentimentalista da natureza, que tem como ideal a vida rural. Por mais atraente que tal visão seja, ela não faz justiça à vocação e à responsabilidade do ser humano. O progresso do ser humano, conforme a Bíblia, é do jardim para cidade, e não necessariamente de volta para o campo. Essa visão, à semelhança da anterior, impede que o ser humano explore com sabedoria e responsabilidade os enormes recursos naturais à sua disposição e que podem promover seu progresso e bem-estar, e isso sem a depredação da natureza.


3) Uma visão antropocêntrica, que coloca o ser humano no centro e recorre a soluções tecnológicas para a crise ecológica que, além de serem extremamente caras, acabam mantendo a atitude de desprezo para com o meio-ambiente. Essa visão tende a agravar a crise e a lançar o ser humano cegamente no caminho da autodestruição.


Cremos que a fé cristã-reformada provê as premissas epistemológicas, morais, espirituais e éticas para que possamos lutar pelo meio ambiente e em prol do nosso planeta, fazendo ecologia de forma coerente e integral.

[1] Lynn White Jr., “The Historical Roots of Our Ecological Crisis”, In: Science, vol. 155, pp. 1203-1207, 10 de março de 1967.

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sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Augustus Nicodemus Lopes

Camisinhas, Refrigerantes e Doces

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As camisinhas, antes distribuídas pelo governo em postos de saúde, estarão disponíveis gratuitamente aos adolescentes nas próprias escolas, por meio de máquinas semelhantes às de refrigerantes e doces. Os ministérios da Educação e da Saúde se uniram num projeto para levar preservativos ao ambiente escolar e, assim, reforçar as campanhas de prevenção à Aids e demais doenças sexualmente transmissíveis” (A Tribuna, janeiro de 2007).

Pois é, agora os nossos adolescentes vão poder comprar camisinhas na escola da mesma forma que rotineiramente compram refrigerantes e doces. Parece que estou vendo: “Filhinha, aqui está o dinheiro para o lanchinho de hoje na escola e com o troco, compre uma camisinha, caso hoje você vá ‘ficar’ com alguém...”

Parece que para muita gente as relações sexuais entre adolescentes são tão naturais e normais quanto fazer um lanchinho no intervalo da aula. Uma máquina de camisinhas no banheiro da escola – que apelo essa imagem passa ao adolescente que passa no banheiro para um rápido pipi?

Eu estou perfeitamente consciente dos altos números da AIDS, da gravidez e das DST entre crianças e adolescentes no Brasil. Sei que alguma coisa precisa ser feita. Também sei das publicações oficiais que mostram que o Brasil está entre aqueles países que conseguiram diminuir o avanço da AIDS. Todavia, me recuso a aceitar soluções para esses problemas que partem da premissa que a relação sexual entre adolescentes é um ato normal de satisfação de uma necessidade fisiológica, como matar a sede ou a fome.

O assunto tem tudo a ver com a questão do sexo antes do casamento. A minha opinião é aquela do Cristianismo histórico conservador, ou seja, que o sexo é uma bênção dada por Deus para ser usufruída numa relação de compromisso e responsabilidade dentro do casamento. O sexo é mais do que o envolvimento físico de um homem de uma mulher, tem dimensões mais complexas que só podem ser entendidas plenamente no ambiente do casamento. O sexo antes e fora do casamento nunca pode ser total, pois lhe falta o elemento do compromisso moral, psicológico e espiritual que faz com que ele seja completo. Por estes motivos, considero sexo antes do casamento – e especialmente entre adolescentes – um desvirtuamento da intenção original de Deus quanto à sexualidade.

Pessoalmente, não vejo problemas com campanhas de prevenção contra DST e educação sexual feita de maneira adequada. Apenas lamento a idéia de que a distribuição cada vez maior de camisinhas – ainda que acompanhada de alguma orientação sobre sexualidade – vá resolver o problema. Como muitos, temo que na verdade acabe por fomentar ainda mais a promiscuidade sexual entre adolescentes, que são despertados e se sentem seguros para ter uma vida sexual ativa com vários parceiros de toda orientação sexual disponível no mercado.

E aqui tocamos em outro tema afim, a questão da educação sexual. Acho que os adolescentes deveriam ter educação sexual em suas famílias, desde cedo. É tarefa dos pais instruírem os filhos sobre a sexualidade e as questões relacionadas ao sexo. Mas, porque essa acabou virando uma tarefa quase que exclusiva das escolas? Creio que isso se deve ao fato que muitos pais são omissos, muitas famílias estão destroçadas, muitos pais não têm exemplo para dar e nem autoridade para ensinar qualquer coisa aos filhos nessa área. OK, dos males o menor... mas, e na escola?
A educação sexual na escola não deveria ficar entregue nas mãos de pedagogos, psicólogos e médicos que podem não ter uma formação moral e ética que permita uma visão mais integral do assunto e a inserção de valores morais e éticos que sempre fizeram parte da tradição cristã ocidental. Via de regra, o que se ensina hoje em grande parte das escolas é o "ficar” como sendo normal e desejável, o sexo antes do casamento como se fosse a coisa mais natural do mundo, quer seja hetero ou homo. Só para dar um exemplo, segundo a cartilha “Sexualidade, Saúde e Bem-Estar” da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, escrita com ajuda da coordenadora de seu Programa da Adolescência, o ato de "ficar" – que pode acabar em relações sexuais – é desejável entre adolescentes, pois não traz obrigações, compromissos e rejeições e dá "oportunidade de adquirir mais experiência, antes de eleger alguém como parceiro definitivo". Não sei se essa visão é representativa da visão oficial, mas imagine o que isso representa ao ser lido ao lado de uma máquina de camisinhas!

A causa básica do crescimento da AIDS, da fragmentação da família, do aumento do número de adolescentes grávidas e de mães solteiras, da falta de controle da natalidade, é o impacto, ainda hoje, do movimento de liberação sexual que teve início na década de 60. O movimento derrubou todas as restrições morais com relação ao sexo, desvalorizando o casamento e a virgindade e transformando o sexo numa experiência fisiológica desconectada de valores como compromisso, fidelidade e amor autêntico. Esta é a verdadeira causa da explosão de doenças venéreas, da AIDS, e dos graves problemas sociais resultantes da promiscuidade entre os jovens dessa geração. E o que mais nos dói é saber que há grupos dentro das igrejas evangélicas que defendem o sexo antes do casamento como coisa normal entre adolescentes e jovens. O uso de camisinhas numa situação dessas é um remendo, é usar um band-aid para curar um câncer.

A promoção de uma educação sexual liberal, a campanha e a instalação de máquinas de camisinhas, na minha opinião, terão efeitos contrários, considerando o ambiente erotizado de nosso país, erotizado pela mídia de todos os tipos, pelos artistas, pelas novelas, que atingem nossos filhos até dentro de casa. Estaremos empurrando ainda mais os adolescentes para as relações sexuais.

Não sou contra a campanha oficial para uso da camisinha. Sou contra a falta de uma campanha que atinja o cerne do problema, de uma campanha de educação sexual que enfoque os benefícios e vantagens da abstinência até o casamento. Eu sei que uma campanha dessas é politicamente incorreta e absolutamente impensável para o nosso Estado comprometido com valores seculares e liberais. Contudo, penso que é o caminho correto, pois vai na raiz do problema.

Sei que há quem pense que essa posição acaba por afastar os adolescentes do Cristianismo evangélico. Todavia, não considero essa posição como "fechada". A posição "aberta" só tem trazido problemas de toda sorte a esta geração. Além do mais, o pensamento da Igreja deve se guiar pelo que diz a Bíblia, a Palavra de Deus, e não por objetivos pragmáticos. Os padrões morais revelados por Deus na Bíblia não devem ser diminuídos em nome de se manter as igrejas cheias de adolescentes e jovens. Os jovens gostam da verdade. Se dissermos a verdade a eles em amor, clareza e gentileza, não se afastarão, ao contrário, se sentirão atraídos, pois buscam sempre um ponto de referência.
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