quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Solano Portela

Entrevista à Revista Educação

Neste final de fevereiro de 2008 passo a atuar em um outro segmento do setor educacional, ainda na mesma instituição de ensino. Durante os últimos três anos, fui privilegiado por Deus contar com a colaboração de pessoas muito dedicadas e preciosas que muito me auxiliaram e, na esmagadora maioria das vezes, fizerem todo o trabalho enquanto estive à frente da Educação Básica e do desenvolvimento de um Sistema de Ensino. Como lembrete deste período, vou transcrever entrevista que dei à Revista Educação, em seu histórico número 100, em setembro de 2005, que contém algumas de minhas idéias e avaliação do setor.


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Educação - Qual o diagnóstico que você faz da educação básica no Brasil? Quais os principais problemas, avanços e retrocessos que a educação vive?

Analisando friamente os números, a educação básica vive, nos últimos sete anos, um período de retração. Por exemplo, no ensino fundamental (1ª a 8ª série), a rede pública, gratuita, mantém a quantidade de alunos (32 milhões - MEC-Inep), enquanto a rede particular tem progressivamente encolhido (15%). Isso ocorreu exatamente quando houve ampliação da capacidade nas escolas. As escolas sentem diretamente o reflexo do empobrecimento geral da classe média e da decrescente taxa de natalidade dos últimos anos. A escola particular, pressionada financeiramente pelo descompasso entre investimento e recrutamento, tem a tendência de sacrificar a qualidade de ensino exatamente quando os indicadores internacionais mostram a necessidade de elevarmos qualitativamente o nível dos nossos alunos.

Na formação dos professores, atravessamos décadas de um ensino meio utópico e idealista, no qual a ênfase na liberdade de quaisquer diretrizes, a concentração quase exclusiva no método e a retirada do mérito, como incentivo e forma de aferição, diluíram consideravelmente a qualidade do ensino. Os alunos deixaram de ser preparados para o mundo real, competitivo, no qual importa, sim, o que você sabe. Conteúdo virou termo pejorativo nos círculos pedagógicos. Atravessamos uma situação semelhante à descrita por um educador norte-americano (J. Gresham Machen) quando, comentando sobre a ênfase desmedida no método sem a importância necessária ao conteúdo, escreveu: "Fizemos uma grande descoberta pedagógica - que é possível pensar com uma mente completamente vazia!" Felizmente, parece que décadas de resultados desastrosos começam a acordar os nossos educadores, que passam a dar mais importância a valores, princípios, diretrizes, disciplina e, também, conteúdo - sem descartar ou negligenciar as melhores metodologias.

Educação - Quais foram as grandes mudanças pelas quais o ensino passou nos últimos tempos? O que é necessário para ser um bom colégio atualmente?

Com certeza a grande mudança metodológica é na tecnologia de informação. Hoje não se pode conceber o ensino que não utilize o computador com a tranqüilidade e facilidade com que papel e lápis têm sido utilizados.

Na área social, observamos o enfraquecimento da esfera da família. Isso tem profundos reflexos no conceito da escola, que passa a ter de trabalhar situações que antes eram abrigadas no seio familiar. Em paralelo, observamos conseqüentes tentativas de transferência de responsabilidades da família para a escola, forçando uma redefinição das áreas e dos limites. Por incrível que pareça, o colégio vê-se, freqüentemente, na qualidade de instrutor dos pais.

Para ser um bom colégio, atualmente, o ensino encontrado nele deve ser firmado em valores e princípios, de tal forma que esse ambiente e contexto permeie todas as disciplinas. A sociedade está cansada de uma educação amorfa e permissiva. Existe um anseio pelos valores de uma tradição bem firmada que dê aos alunos igual ênfase à modernidade e à visão do futuro. Não podemos simplesmente educar para o presente (e muito menos para o passado). Os colégios precisam equipar os alunos para que enfrentem os desafios do futuro com pleno conhecimento e habilidades que se enquadrem na época em que viverão a qual ainda não foi atravessada. Em um bom colégio, portanto, tanto a escola como as professoras e os professores têm que ser um pouco visionários. Não podem ser refratários a métodos contemporâneos à ampla utilização da informática. Devem dominar e equipar seus alunos a controlar o fluxo desmedido de informação no qual estão submersos.

Na esfera moral, esse controle, obviamente, parte pela adoção de valores éticos, principalmente porque vivemos em uma era onde é incentivada a sexualidade precoce e onde se jogam as crianças e os adolescentes em interações para as quais não possuem ainda a necessária maturidade. Em vez de policiamento ostensivo, o colégio deve promover, sobretudo, o desenvolvimento de autocontrole, considerando que as portas de acesso de idéias destrutivas e contaminadoras do progresso pessoal e de uma vida responsável estão escancaradas no lar, na rua e na escola. Perdemos o progresso suave que ia da inocência à maturidade responsável e temos de resgatar esses estágios, possibilitando que crianças sejam crianças e não adultos prematuros, maldosos e cheios de segundas intenções, sob a cobertura de uma falsa e enganosa "liberdade de expressão". Programas governamentais que incentivam promiscuidade, sob a falsa capa de transmissão de informações sexuais, devem ser veementemente resistidos e denunciados.

A escola que se rende à dissolução moral, adotando a linguagem e os métodos rasteiros da sociedade, com o argumento de que é assim mesmo e não se consegue mudar, é assumir a falência do sistema educacional e se entregar à derrota, como pedagogos. Os educadores devem se empenhar a fundo em uma reorientação da forma de educar e no fornecimento de ferramentas comportamentais e de controles aos jovens colocados sob seus cuidados. Isso não é possível sem âncoras metafísicas de valores e princípios; sem um fio de prumo que mostre se o edifício que se pretende erguer caminha para o desastre final, por terem sido utilizados materiais duvidosos, construção inadequada e métodos falhos.

Educação - Quais são os grandes desafios atuais para um bom professor? Que concepções mudaram em relação ao professor do passado?

Já está sedimentado que o professor discursivo não é eficiente, mas demos uma guinada demasiada encorajando professores passivos. A autonomia desmedida nas salas de aula, a quebra da autoridade do professor, a falta de respaldo ao respeito devido nas salas de aula são elementos prejudiciais a uma boa educação e à dignidade da profissão.

O grande desafio é, portanto, o professor ser produtivamente interativo, metodologicamente atualizado, informaticamente alfabetizado e que faça parte de uma escola que tenha filosofias e valores definidos, os quais abrace e defenda e com os quais comungue.

Solano Portela

Postado por Solano Portela.

Sobre os autores:

Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.

O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.

O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.

3 comentários

comentários
Oliveira
AUTOR
28/2/08 10:22 delete

Caro Professor Solano

Excelentes idéias e uma visão madura da educação.

Faço apenas um suspense sobre a frase... "Já está sedimentado que o professor discursivo não é eficiente."...

Não sei se é bem assim.
Acho que depende...

Depende do aluno, depende do professor, depende da matéria, e depende da circunstância.

Eu pessoalmente sempre aprendi mais com professores discursivos.

Leio aqui professores discursivos como aqueles que usam do discurso para lecionar. Se tiver outro significado me perdoe.

O fim da aula discursiva para mim foi como se algum dia hipotético, o pregador saia do púlpito abrindo mão do seu sermão-discurso e me diga, "agora vocês vão se reunir em grupo, ler este material, e construir por si só aquilo que vocês querem que Deus vos fale ao coração...". Não seria de se espantar que depois de um tempo, o pregador perderia a autoridade e a fala autorizada.

Eu detestaria pois gosto do discurso, dos bons discursos.

Penso que a falência do professor discursivo se deu muito mais aos números altos demandados por professores, e a falta de bons professores naturalmente propensos a uma aula expositiva.

Assim foi necessário a busca de outros métodos, porque entre uma aula expositiva de quem não sabe fazê-la, e outra coisa, de fato é preferível outra coisa qualquer.

Caso eu tenha falado bobagem, favor ignorar e perdoar.

Realmente gostei das suas idéias.

Um grande abraço

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29/2/08 23:10 delete

Caro Oliveira:

Obrigado por seu comentário. Note que eu defendo bastante o conteúdo e a substância, acima da forma.

Eu quero dizer que o professor não deveria ser simplesmente discursivo. Não é impossível se aprender com esse tipo de professor, mas certamente não é a melhor metodologia. Alguns alunos absorvem bem, assim, mas não a maioria.

Mesmo os "discursivos" clássicos, eram sempre considerados bons professores quando utilizavam ilustrações em profusão ou provocavam a interatividade da classe. Hoje, com toda a tecnologia, existem muitas ferramentas de interatividade.

Note, também, como é que Jesus ensinava. Era "hands on", com aulas práticas, de campo e com o estímulo às pesquisas.

Após dar o conteúdo (com frequência ilustrado com parábolas que tinham propósito duplo, é verdade, mas um deles era ilustar), ele os mandava dois a dois.

Veja o incidente da Mulher Samaritana. Jesus não "discursa", simplesmente. Ele ganha a confiança, atiça a curiosidade, toca a consciência e insere conteúdo - mas com plena interatividade. A forma como ele ensina faz com que ela despeje um monte de perguntas, nesse intenso diálogo - e isso é o sonho de todo bom professor. Quantas vezes um professor não se encontra frustrado, na frente de uma classe apática, que não verbaliza a inexistência de ensino, e não responde à pergunta: "há alguma dúvida ou comentário"?

Acho que a defesa não deve nos levar a sermos descuidados quanto à melhor metodologia, mas temos de cuidar para que métodos não sufoquem o conteúdo; nem devemos comprar como "um método" uma filosofia educacional que é falha em suas premissas.

Um abraço e, mais uma vez, obrigado.

Solano

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11/3/08 11:00 delete

Solano, gostei muito de sua entrevista, peço ao nosso Senhor que lhe dê condições para ampliar sua capacidade de enxergar esse espectro de nossa sociedade.

Deus continue contigo!
Luís - Mgá/PR

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