Os homens escarnecedores alvoroçam a cidade,
mas os sábios desviam a ira (Pv 29.8)
Algumas pessoas têm me perguntado o que
acho das manifestações e protestos que estão ocorrendo em todo o país. Não me
sinto em condição de oferecer uma análise político-social de tudo isto, mas posso
ao menos tentar entender o assunto em geral do ponto de vista
cristão-reformado.
Para começar, o Deus Altíssimo está acima e
governa soberanamente, de acordo com seus propósitos insondáveis, os povos, as
nações, as multidões, as massas. É esta a mensagem consistente de toda a
Escritura. O Salmo
2 descreve Deus rindo e zombando das manifestações das nações, como se os povos
pudessem, com sua fúria e rebelião, frustrar os planos do Senhor (Sl 2.1-5).
Isaias se refere ao bramido das nações e dos povos em grande ira e de como o
Senhor as dispersa como o vento leva a palha (Is 17.12-13).
Embora
as manifestações em São Paulo e outras cidades sejam contra o governo e não
contra os cristãos, manifestações populares que geralmente acabavam em tumulto
foram usadas pelos inimigos de Deus para tentar destruir a Cristo e a igreja
cristã nascente. Contudo, pela providência soberana de Deus, os resultados
sempre concorreram para o avanço do Evangelho. As massas em Jerusalém vieram ao
palácio de Pilatos se manifestar contra Jesus e pedir a sua crucificação, no
que foram atendidos (Mt 27.202-26). Ao fazer isto, estavam cumprindo, sem
saber, a mais importante etapa do plano da salvação elaborado por Deus, que era
a morte do Filho de Deus na cruz pelos pecados de seu povo.
Em
outra ocasião, judeus e gentios se juntaram em Icônio para uma manifestação
contra ao apóstolo Paulo, que terminou em tumulto. O resultado foi que Paulo
saiu de lá e foi evangelizar Listra e Derbe (At 14.5-7). Noutra ocasião ele
também foi alvo de uma manifestação popular, desta feita organizada pelos
santeiros de Éfeso, revoltados com a queda das vendas das imagens da deusa
Diana. O tumulto acabou envolvendo as autoridades locais. O resultado da
manifestação foi a saída de Paulo da cidade (At 19.23-40). Todavia, de lá ele
seguiu para a Macedônia pregando e confirmando as igrejas.
Mais
tarde, os judeus de Jerusalém organizaram um tumulto contra Paulo, pedindo a
sua morte (At 21.27-31 e 22.22-29). Mais uma vez a polícia teve de intervir. Paulo
escapou porque era cidadão romano. Mas acabou sendo levado preso para Roma,
cumprindo assim o plano de Deus – foi da prisão em Roma que Paulo escreveu
várias das suas cartas: Efésios, Colossenses, Filipenses e Filemon.
Ou
seja, por mais que as manifestações populares pareçam um poder independente e
soberano estão, todavia, debaixo do governo divino. Através delas Deus realiza
seu proposito maior, que é promover a sua glória e o bem do seu povo, ainda
que, no momento, não percebamos de que forma estas coisas se materializam na
história.
Outro
ponto a lembrar é que manifestações violentas e tumultos são decorrentes das
guerras e contendas que procedem do coração humano, corrompido pelo pecado.
Ainda que, por causa da graça comum, existam por vezes motivos justos para
estas manifestações, tais motivos são frequentemente misturados com motivações
obscuras e impuras (Tg 4.1-3). Elas
expressam o caos espiritual que há nos corações sem Deus e a desordem social e
civil que entrou na sociedade humana pelo pecado de Adão e pelo nosso próprio.
Como parte de seu governo sobre o mundo, Deus por vezes usa as autoridades para
reprimir e castigar os baderneiros. As sedições e tumultos contra o império
romano no período neo-testamentário eram reprimidos vigorosamente, como no caso
de Barrabás que havia sido condenado a morte por causa de liderar uma sedição e
ter matado alguém (Lc 23.19,25). Protestos liderados por Teudas e Judas, o
galileu, terminaram com a morte deles pelos soldados romanos (At 5.36-37). Os
líderes judeus viviam com medo de serem esmagados pelos romanos caso houvesse
entre eles quem liderasse tumultos e protestos (At 19.40). Estas manifestações
e protestos de judeus insatisfeitos com o domínio romano tinham um fundo
escatológico, decorrente de uma interpretação popular e equivocada quanto à
natureza do Reino de Deus.
Por fim, lembremos que as autoridades foram
constituídas por Deus. Conforme Paulo nos ensina, elas são ministros de Deus
para proteger os bons, castigar os maus e promover o bem da sociedade. Por
isto, devem ser respeitadas, temidas e a elas devemos pagar impostos. A palavra
que Paulo usa para se referir à autoridade como “ministro” de Deus é a palavra diáconos, bem conhecida dos cristãos (Rm
13.1-7). Pedro vai nesta mesma linha (1Pe 2.13-14). Isso não significa que
devamos, como cristãos, obediência absoluta ao Estado. Nossa consciência está
cativa à Palavra de Deus como instância última.
Em casos de conflito – quando o
Estado exige de mim aquilo que a Palavra de Deus proíbe – devo obedecer a Deus
e não aos homens. Pois ao colocar-se contra os valores e princípios de Deus, o
Estado corrompe seu papel dado por Deus e suas leis são meras leis “humanas” em
contraste com as divinas.
Em casos assim, cabe aos cristãos o uso dos
meios legítimos para discordar, avisar e alertar o Estado e, finalmente, estar
prontos para sofrer as consequências da desobediência à estas leis, como os
primeiros cristãos fizeram ao recusar-se a adorar o Imperador, culto oficial e
obrigatório do império romano.
Diante do exposto acima, imagino algumas
conclusões práticas. Primeira, não devemos jamais temer o tumulto das massas –
Deus está no controle. Essa é a confiança dos servos do Altíssimo. Embora
tumultos populares organizados tenham sido sempre seja uma arma dos inimigos do
povo de Deus para destruir a Igreja, lembremos que Deus sempre reverteu o
propósito maligno em favor do seu povo.
Segundo, vejo como legítima a participação
dos cristãos em manifestações públicas que sejam ordeiras e pacificas, que não
sejam tumultos e que tenham em mente o bem da sociedade e não somente os
privilégios dos crentes e evangélicos. Não faz sentido as igrejas se
organizarem em passeatas e manifestações e marchas para reivindicar privilégios
para os crentes. Estas manifestações são civis, expressões sociais e não um
culto. Por exemplo, ao protestarmos contra a aprovação da lei da homofobia
devemos fazê-lo essencialmente porque se trata de uma violação da Constituição
que garante a todos – e não somente aos crentes – o direito de consciência e de
expressão.
Terceiro, não custa lembrar que a maneira
da igreja influenciar e mudar a sociedade é fundamentalmente pela pregação do
Evangelho de Cristo, chamando governantes e governados ao arrependimento de
seus pecados e conversão, pela fé, a Jesus Cristo. Não somente isto, pelo
procedimento e pelo exemplo os cristãos se tornam sal e luz do mundo, quando
suas obras de amor, arrependimento e fé são vistas pelos incrédulos (Mt
5.14-16).
19 comentários
comentáriosArtigo muito bom!
ResponderPastor Lopes, paz do Senhor! O irmão captou, com efeito, a essência do problema existente na sociedade atual. Vivemos em um presente século mau, organizado por Satanás que é cultuado como deus deste século, que induz os seres humanos mortos em seus delitos e pecados a marcharem em confronto para com a Palavra de Deus. Tais tumultos são engendrados pelos inimigos de Deus e da cruz de Cristo, que, no seu egoísmo que é a raiz do pecado segundo Langston, adotam a postura de maior deleite nos prazeres do que no Deus vivo! Essa geração é, de fato, incrédula e perversa, e esse foi o brado do Verbo Encarnado ao contemplar a descrença à Sua Augusta verdade. Esquecem-se os tais de que somos pó e cinza diante da Santa Majestade em cujas mãos jaz o destino da alma de tudo quanto vive e o espírito de toda carne humana!
ResponderQuanto ao "crentes" que querem ser aceitos e respeitados pelo mundo altivo que, subjugados aos seus miseráveis conselhos se levanta contra o conhecimento de Deus, cabe-lhes a seguinte repreensão vociferada pela Segunda Pessoa da Trindade:
"Ai de vós quando todos os homens de vós disserem bem, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas." (Lucas 6:26)
Apologeta
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos” (Mateus 5.6). Temos que nos posicionar contra a injustiça, o roubo e todo tipo de mazela gerada no mundo pela corrupção do coração do homem. Na minha opinião as manifestações fazem sentido e são necessárias.
ResponderAmém.
ResponderCom certeza, Débora. Faço minhas suas palavras. Enquanto cristãos temos não só o direito, mas o dever de lutar contra todas as formas de injustiça.
ResponderTemo a sedução que estes movimentos podem trazer sobre os crentes nas igrejas. Me refiro aqui aos crentes de linha histórica, reformada mesmo. Os neopentecostais já foram arrastados na cauda do cometa há mto tempo. Alguns sugerem a Reforma Protestante nos moldes do que se vê nesses dias, o que considero um grande erro histórico. Basta lembrar que apesar dos elementos políticos, sociais, econômicos e culturais, a Reforma se deu essencialmente em uma vertente hermenêutica, e em sua aplicação pela proclamação da Palavra. Nos dias da Reforma, os profetas de Zwickau e a Reforma Radical pleiteou mudanças pela força, como se observa na empolgação desses dias. Temo que alguns se esqueçam disso, abraçando formas ilegítimas de protestar.
ResponderSomos protestantes, não pelo protesto em si, mas pela Palavra que nos foi dada, pela qual vivemos e morremos. Muitos estão dispostos a matar... mas estariam realmente dispostos a morrer? Ou melhor, já teriam de fato morrido para esse mundo?
Judas cumpriu o propósito de Deus ao entregar Jesus a seus detratores. Mas, o que ele queria era um Messias revolucionário politicamente, que pudesse reverter a situação de opressão romana que o povo passava. Assim, como a maioria do povo judeu, que não via a opressão como permissão de Deus pelo descaso da sociedade judaica com as ordenanças divinas. Se o povo cumprir o que Deus manda, não precisará lutar por justiça humana. A Bíblia diz: orai pela paz da cidade, porque na sua paz tereis paz. Diz também, Quanto depender de vós, tendes paz uns com os outros. Jesus não foi um revolucionário político, foi um revolucionário de pensamentos que moviam as atitudes distorcidas do ser humano. Jesus revolucionou o espírito do homem e trouxe mudança de mentalidade e, consequentemente, comportamento. Pedro foi um exemplo disso: antes completamente fleumático, transformou-se em um apóstolo centrado e disseminador do amor de Deus. Creio que nós, crentes, não devamos nos basear na Bíblia para apoiar nossos atos sociais sem que haja critério e propósito espiritual.
ResponderExcelente! Em tempos de protestos, é bom lembrarmos os "porques" fazemos protestos.
ResponderGraças ao Senhor por este artigo.
ResponderÉ bom ser lembrado das sãs palavras e da nossa vocação!
Paz!
Excelente! Admiro demais..
ResponderExcelente Reverendo!!
ResponderAcontece que:
Responderse unir a essas pessoas não seria também se unir a um tipo de pensamento que tem assolado a sociedade e em especial a família, a educação? Não são estes os que realizam manifestações para a legalização do aborto, da maconha, da sensualidade, do casamento entre indivíduos do mesmo sexo, e que estão em oposição as manifestações dos que tem manifestado (movimento recente com mais de 100 mil pessoal em prol da família e sobre isso não há posts, bunners e "palavrinhas" nas redes sociais) a favor de uma moral cristã?
Veja que a influência da cultura nos faz ser levados pela massa em prol de questões econômicas e não de uma moral. Não se faz "revolução no grito". Um movimento só é movimento a longo prazo e questões econômicas, como essa (é claro que também falamos de educação, saúde, mobilidade urbana) tem mascarado os verdadeiros problemas humanos (para além de sociais).
Vocês tem realizado manifestações em prol da família, em oposição ao casamento gay, por uma educação menos estadista? Sabem o que tem sido ensinado aos seus filhos desde a educação infantil? Os valor implícitos e a violência simbólica na vida dos cristão com essa “cultura revolucionária”?
Pois bem, pensemos antes de dizer “sim” a massa!
Eu tenho uma pergunta, no caso do huguenotes seria correto se eles pegassem em armas para se defender de um governo que queria aniquilá-los?
ResponderEstou postando uma análise de um amigo, Pr. Paulo Ferreira.
ResponderInsurreição nas ruas
A presença de multidões pacíficas nas ruas das grandes cidades brasileiras, começa a inquietar os dirigentes políticos. Foram multidões pacíficas que, lideradas por Ghandi, decretaram o fim do domínio inglês na Índia, em 1947. Foram elas que, lideradas por Martin Luther King, decretaram o fim da segregação racial nos Estados Unidos, na década de 1960. Foram elas, ainda, que, lideradas por Nelson Mandela e Desmond Tutu, decretaram o fim do sistema do Apartheid na África do sul em 1991. Mais recentemente, por ocasião da chamada "Primavera Árabe", foram elas que desencadearam o fim de velhos regimes no no Iêmen, Tunísia, Líbia, Egito e outras nações no norte da África. Em um país como o nosso, com imensa dívida social com os mais carentes, convém que os responsáveis meditem bem nas reivindicações que estão surgindo. Não são apenas os transportes públicos que estão mobilizando essas multidões. A corrupção desenfreada, o sistema de saúde precário, a educação mal conduzida, as imensas desigualdades sociais, são um perigoso combustível, que pode incendiar as ruas do Brasil.
Escrito por P. Ferreira às 07h20
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Participei do manifesto em minha cidade, principalmente porque foi pacifico e contra a corrupção dos nossos representantes. mas confesso que me senti um pouco constrangida por algumas falas serem recheadas de palavróes (poucas é verdade!)Andei o tempo todo pedindo proteção de Deus e que tudo terminasse em ordem, como realmente aconteceu. Essa palavra do Pr. Augusto me deu paz! E como sempre muito equilibrada.
ResponderDeus continua na direção de todas as coisas.
ResponderInclusive levantando o coléga Nicodemus para orientar, correta e bíblicamente, em meio a tantas vozes.
Deus continue a abençoá-lo.
Isto faz parte da matemática de Deus, veja que na aula de noções de conjuntos, procura definir quem é quem de que lado está, nós somos livres para fazer qualquer coisa, mas nem tudo convêm, que façamos.
ResponderA bíblia é um referencial para que tomamos uma posição, mas também somos livres para interpretar, e chegar uma conclusão, bem como as leis também são interpretada pelos jurista para tomar uma posição se condena ou absorve as culpas dos intentos.
Na verdade vejo que as pessoas é como se estivesses na peneira de Deus ele está definido de que lado cada individuo deve estar. já é tempo da colheita, os frutos já estão maduros, não tem mais o que crescer, cada individuo é o que é.
Olá a todos! Vos saúdo com a Paz, a Graça e a Misericórdia do Senhor JESUS CRISTO!
ResponderNão é sábio chamar de inimigo de DEUS que está lutando em favor de um mundo mais justo. A intelectualidade não possui valor para o SENHOR se é utilizada para condenar alguém, muito pelo contrário. Nem todos os movimentos estão tumultuados, e somente um pequeno número de vândalos levaram o crédito de todo um esforço de protesto legítimo.
Os crentes que estão participando destes movimentos estão testemunhando para os que os rodeiam que a Igreja também tem fome e sede de justiça. Levantar contra a corrupção nunca foi, nem nunca será, levantar contra o conhecimento de DEUS.
Particularmente, penso que a Igreja é quem deveria estar liderando as manifestações pacíficas, norteando os jovens num movimento com integridade, respeito e direito. Uma maneira assertiva e poderosa de ser SAL, TEMPERO e LUZ para toda uma nação completamente perdida e caída.
Que DEUS nos abençoe e nos use conforme Ele bem aprouver!
No caso de um magistrado (órgão do Judiciário, segundo a Constituição da República) que seja cristão mas que diante de um caso concreto tenha que aplicar uma lei que seja contrária a vontade de Deus expressa na Palavra, o que fazer?
ResponderEx. se a lei "antihomofobia" tivesse sido aprovada e um cristão tivesse incorrido em um dos tipos penais descritos.. O que um magistrado cristão deve fazer enquanto julgador? Seguir a lei ou seguir a Palavra? No segundo caso, seria deixar a carreira? Obg