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quarta-feira, novembro 28, 2007

Augustus Nicodemus Lopes

Pluralidade e Verdade -- Reflexões sobre a Universidade Moderna

Por     44 comentários:
A pluralidade é um dos conceitos ícones da nossa geração e uma das marcas da moderna Universidade.[1] A idéia de diversidade está presente na sua história desde o início, mas ganhou novas conotações depois do Iluminismo.

As universidades surgiram graças a diferentes fatores, como atender à crescente demanda de pessoas em busca de educação, o desejo idealista de obter conhecimento, a resistência ao monopólio do saber pelos mosteiros, a vitalidade das escolas mantidas pelas catedrais e o desejo de reformar o ensino.[2] Todavia, elas tinham um objetivo comum, uma mesma missão, que era a busca do conhecimento unificado que permitisse a compreensão da realidade.

Universitas, na Idade Média, era um termo jurídico que, empregado para as escolas, significava um grupo inteiro de pessoas engajadas em ocupações científicas, isto é, professores e alunos. Só mais tarde o termo viria a significar uma instituição de ensino onde essas atividades ocorriam. Essa designação já aponta para a tarefa que pessoas diferentes tinham em comum: a busca da verdade em meio à pluralidade de compreensões. Esse alvo requeria uma síntese das diferentes visões e compreensões de mundo, um campo integrado que desse sentido aos mais diversos saberes. O princípio subjacente à criação das universidades, portanto, era procurar as verdades universais que pudessem unir as diferentes áreas do conhecimento. Daí o nome “universidade”.

Quando as universidades surgiram, a cosmovisão cristã que dominava a Europa fornecia os pressupostos para essa busca da unidade do conhecimento. Hoje, essa visão de mundo é excluída a priori em muitas universidades pelos pressupostos naturalistas, humanísticos e racionalistas que passaram a dominar o ambiente acadêmico depois do Iluminismo. Tais pressupostos não têm conseguido até o presente suprir uma base comum para as diferentes áreas do saber. A fragmentação do conhecimento tem sido um resultado constante na Academia, como se as diferentes disciplinas tratassem com mundos distintos, diferentes e contraditórios. Lamentavelmente, hoje, muitas universidades viraram multiversidades ou diversidades, abandonando a busca de um todo coerente, de uma cosmovisão que dê sentido e relacionamento harmônico a todos os campos de conhecimento.

Conforme Allan Harman escreve:
As universidades em geral não mais possuem um fator integrador. A palavra universidade” tem a idéia de unidade de conhecimento ou de abordagem. Derivada Do latim “universum” refere-se à totalidade ou integração. Claramente o conceito era de que, dentro de uma universidade, havia aderência a uma base comum de conhecimento que interligava o ensino em todas as escolas.[3]

Edgar Morin, intelectual francês contemporâneo, percebeu corretamente essa fragmentação do conhecimento e da educação nas diversas obras que tem publicado. Para ele,

... o sistema educativo fragmenta a realidade, simplifica o complexo, separa o que é inseparável, ignora a multiplicidade e a diversidade... As disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de arrumação. A educação deveria romper com isso mostrando as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem. Caso contrário, será sempre ineficiente e insuficiente para os cidadãos do futuro.[4]

É evidente que existe uma grande pluralidade ou diversidade no mundo. A criação de Deus é plural, a humanidade feita à imagem dele é plural, as culturas são plurais, as idéias são plurais. Há uma enorme e fascinante diversidade na realidade que nos cerca. Para nós, essa impressionante variedade da existência deveria ser vista como uma expressão da riqueza, do poder e da criatividade de Deus, em nada comprometendo nossa busca na academia por verdades absolutas e universais.

As dificuldades surgem quando se confunde pluralidade com relativismo radical e absoluto. Esse último nega os conceitos de unidade, igualdade, harmonia e coerência que existem no mundo, entre idéias, pessoas e culturas. O relativismo total pretende desconstruir o princípio implícito de verdade absoluta, de valores, conceitos e idéias que sejam válidos em qualquer lugar e a qualquer tempo. Nesse sentido, a pluralidade se confunde com o relativismo que domina a mentalidade contemporânea, sendo entendida como a convivência de idéias e concepções contraditórias que devem ser igualmente aceitas, sem o crivo do exame da veracidade e sem que uma prevaleça sobre a outra, visto serem consideradas todas verdadeiras.

A pluralidade, entendida como diversidade, é muito bem-vinda. A enorme variedade que caracteriza nosso mundo não anula de forma alguma a existência de verdades gerais e universais. Quando a pluralidade é entendida como relativismo absoluto, surgem diversos problemas de natureza prática, como, por exemplo, a dificuldade de se viver o dia a dia de forma coerente com a crença de que tudo é relativo. Mesmo os relativistas mais radicais são obrigados a capitular diante da inexorável realidade: a vida só pode ser organizada e levada à frente com base em princípios, valores e leis universais que sejam observados e reconhecidos por todos.

Concordamos com Edgar Morin quanto à sua percepção da complexidade da vida e da existência.[5] Não negamos a grande contribuição que ele e outros autores trouxeram à compreensão da complexidade. Todavia, entendemos que o reconhecimento de que todas as áreas de atividades e conhecimento são complexamente interligadas reflete um propósito unificado e uma origem única, apontando para o Criador. É evidente que essa interligação das partes com o todo, e vice-versa reforça a possibilidade de se buscar princípios e valores universais que permeiam e regulam o universo de conexões e aderências.

Apesar de muitos preferirem ser “uma metamorfose ambulante”, como o Raul Seixas, dificilmente o ser humano consegue conviver em paz com o relativismo absoluto. Existe uma busca interior em cada indivíduo por coerência, síntese e unidade de pensamento, sem o que não se pode encontrar sentido na realidade, um lugar no mundo e nem mesmo saber por onde caminhar. Acreditamos que este ímpeto é decorrente da imagem de Deus no homem, um Deus de ordem, de propósitos, coerente e completo.

Para muitos, o ideal do pluralismo de idéias no ensino significa simplesmente que a Universidade deveria ser o local neutro onde todas as idéias e seus contraditórios tivessem igualdade de expressão, cabendo aos alunos uma escolha, ou não, daquelas que lhe parecerem mais corretas. Todavia, conforme bem escreveu Robert P. Wolff, a neutralidade da Universidade diante dos valores é um mito.[6] É inevitável o posicionamento ideológico diante das questões da vida e do conhecimento. Esse ponto é inclusive reconhecido, ainda que timidamente, pela Lei de Diretrizes e Bases, quando define as universidades confessionais como aquelas que “atendem a orientação confessional e ideologia específicas.”[7]

Algumas universidades de orientação confessional cristã têm procurado desenvolver um modelo acadêmico em que a busca da verdade seja feita a partir da visão de mundo cristã em constante diálogo com a pluralidade de idéias e com a diversidade de visões e entendimentos. Não é tarefa fácil diante do mundo pluralista em que vivemos, a ponto de que alguns têm defendido que as próprias universidades confessionais desistam desse ideal.

Diante do quadro de fragmentação do saber e do relativismo que domina, em várias instâncias, a mentalidade universitária, afirmamos a existência, a realidade e a importância da verdade, de conceitos que são universalmente válidos em todas as áreas do conhecimento e da vida. Aqui, afirmamos as seguintes “verdades sobre a verdade":[8]
  1. A verdade é descoberta e não inventada. Ela existe independentemente do conhecimento que uma pessoa tenha dela.
  2. A verdade é transcultural. Se algo é verdadeiro, será verdadeiro para todas as pessoas, em todos os lugares.
  3. A verdade é imutável, embora a nossa crença sobre ela possa mudar. Ela permanece a mesma, o que é relativo é nossa percepção dela.
  4. As crenças das pessoas não podem mudar a verdade, por mais honestas e sérias que sejam.
  5. A verdade não é afetada pela atitude de quem a professa ou de quem a nega.

Reconhecemos a existência da diversidade, variedade, multiplicidade de idéias, conceitos, costumes, e que elas resultam dos diferentes ambientes vivenciais, experiências e culturas dos indivíduos. Todavia, questionamos a idéia de que pluralidade implica na total relativização da verdade, na dissolução do conceito de que existem idéias e valores absolutos, princípios e verdades espirituais, éticas, morais, epistemológicas universais.

Creio que o Cristianismo bíblico fornece o fundamento para a compreensão da realidade como um todo coerente, sempre levando em conta a fabulosa variedade da existência humana. A pluralidade, entendida como saudável diversidade, dentro de referenciais e sem a negação da verdade, enriquece o conhecimento humano e leva à melhor percepção de nós mesmos, de nosso mundo e de nosso Criador.

NOTAS

[1] O pluralismo de idéias é um dos princípios de ministração do ensino na Universidade, de acordo com o Art. 206, inciso III da Constituição Federal.
[2] Stephen C. Ferruolo, The Origins of the University: the Schools of Paris and Their Critics, 1100-1215 (Stanford University Press, 1985), pp.7-8.
[3] Allan Harman, “Vision and Reality: The Challenges Facing Christian Higher Education Today,” palestra inaugural na Universidade Presbiteriana da Coréia em 1998, pp. 24-25.
[4] Entrevista dada em dezembro de 2003, acessada em novembro de 2007 em http://novaescola.abril.com.br/index.htm?ed/168_dez03/html/falamestre.
[5] A complexidade em Morin significa que nada existe isoladamente, mas que tudo está conectado, e que as coisas existem em relação a outras. Envolve o paradoxo do uno e da multiplicidade ao mesmo tempo. Cf. Introducción Al Pensamiento Complejo (Barcelona: Gedisa, 1994), p. 23.
[6] Robert Paulo Wolff, O Ideal de Universidade (São Paulo: UNESP, 1993), pp. 101-108.
[7] Lei de Diretrizes e Bases, Art. 20, inciso III.
[8] Norman Geisler e Frank Turek, Não tenho fé suficiente para ser ateu (Vida Acadêmica: São Paulo, 2004) p.38.
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sábado, outubro 06, 2007

Mauro Meister

Globalização: Os Guinness e as grandes perguntas deste século


Como já apontado em outros textos do blog, o Dr. Os Guinness esteve no III Congresso Internacional de Ética e Religião, no Mackenzie. No dia 11 de setembro, dia bem marcado no calendário mundial por conta dos ataques terroristas ao World Trade Center a ao Pentágono, nos Estados Unidos, o Dr. Os Guinness falou sobre o tema da globalização. Gostei muito da abordagem feita e tomei algumas notas, que depois foram comparadas com outras anotações (especialmente da sra. Betty Portela) e que estão colocadas abaixo. Logo, o que você encontrará aqui é um esboço do que foi falado naquele dia, com alguns ‘enxertos’ explicativos aqui e acolá, em vermelho.

A título de introdução, Os Guinness apontou que “todo século traz suas grandes perguntas”, sendo que as grandes perguntas do século XXI são:

1. O islã vai se modernizar pacificamente?”
O islamismo é crescente e ainda que muitos afirmem que a religião islâmica seja de paz, o radicalismo islâmico tem demonstrado o contrário. Além disto, a cosmovisão islâmica, em geral, insiste em “permanecer no passado” e se recusa a passar pelo processo de modernização.

2. O que substituirá a ideologia marxista na China?
Ainda que o regime chinês seja de ideologia marxista, há muito que o estado e a população da China encontram-se em meio à prática do capitalismo e em busca do mercado de capitais. Não há mais lugar para esta ideologia e resta a grande dúvida sobre o que virá a substituir o marxismo. Há tendências religiosas no pais, inclusive um movimento crescente do cristianismo, assim como de muitas outras religiões.

3. A cultura ocidental recuperará as suas raízes judaico- cristãs?
O ocidente, como o conhecemos, formou-se no berço da cosmovisão judaico-cristã. Vemos, no entanto, que tanto a Europa quanto a América caminham na direção de uma visão de mundo ‘pós-cristã’. O pós-modernismo não deixa lugar para as ‘velhas certezas’ e ensinamentos do cristianismo bíblico e tende cada vez mais a afastar-se dele. Haverá um retorno?

Não há como saber o que vai acontecer. Estas perguntas, no entanto, são geradas dentro do contexto globalizado, que levanta grandes desafios para o cristianismo. O alvo da palestra é apontar quais são os principais desafios levantados pela globalização.

1. Impacto em nosso estilo de vida
As instituições estão se desfazendo, passando por um processo de fluidificação – até pouco tempo, mesmo que com problemas, certas instituições eram sólidas e serviam como base para o desenvolvimento da sociedade e cultura. Com a globalização e o pós-modernismo estas instituições têm perdido o seu lugar sem receber substitutos. Isto representa um grande impacto para o cristianismo.

Exemplo: a fluidificação da instituição do casamento. Em alguns países o número de casamentos desfeitos entre pessoas que se dizem cristãs é igual ou maior do que entre a população não cristã.

2. A globalização traz perigo para elites e não apenas para os pobres

Imagina-se que as populações pobres e sem acesso e educação acabam sendo as únicas afetadas pelo processo de globalização, no entanto, existem grandes perigos para a população elitizada.

Quais são estes perigos?

  • Quanto à capacidade de reflexão
    Vivemos em um ritmo muito rápido, onde há muita informação e pouca sabedoria. Recebemos muito mais informação pelos meios de comunicação do que somos capazes de processar. Uma simples busca no Google gera mais hits do que poderemos ler em toda a nossa vida. Isso gera a facilidade de engano, informação falsa e incapacidade de avaliação de toda esta informação.
  • Poucos líderes no mundo moderno são capazes de pensar por si mesmos. Os líderes mundiais são guiados por uma rede de assessores, nem mesmo seus discursos públicos são escritos e pensados por eles mesmos! Livros são escritos por ‘ghost writers’.
  • A moralidade é vivida de acordo com a visibilidade. O mundo globalizado facilita o anonimato. As comunicações e a facilidade de locomoção facilitam vidas duplas.
  • “ O que fazemos quando ninguém está nos vendo?” / “O que não fazemos porque alguém está nos vendo?”

3. Os pontos cegos da globalização

  • A globalização significa/implica grandes deslocamentos
  • A Revolução Industrial modificou a face do mundo com os grandes deslocamentos humanos – a urbanização do mundo ocidental nos mostrou isto claramente – a globalização acelera estes movimentos, o homem encontra-se constantemente diante de novas realidades geradas por estes grandes deslocamentos, verdadeiras massas humanas.
  • Novo termo—“quarto mundo”—os pobres, os excluídos, os deixados para trás, produzidos pelos grandes deslocamentos.

4. As contradições da própria globalização

  • No mundo globalizado, o capitalismo foi apresentado como a grande solução, acompanhado da democracia. Várias nações enveredaram por este caminho no pós-guerra. A história tem mostrado que muitos permaneceram no capitalismo, porém, abandonaram a democracia.
  • A globalização cria o “desperdício humano” – não só criando lixo e a necessidade desesperada de planos de ação para limpar a terra, mas verdadeiro desperdício de gente.
  • Refugo humano – gente que ninguém quer – o mundo desloca os indesejáveis em suas culturas.
  • Historicamente a Europa jogou fora o seu refugo nas colonizações (ex. Austrália—prisioneiros)
  • Hoje temos 25 milhões de pessoas em campos de refugiados. Pessoas sem estado, identidade ou trabalho. Vulnerável aos terroristas, traficantes e todo tipo de corrupção.

5. A tempestade perfeita do mal criada pela globalização

Vivemos a maior crise de direitos humanos de todos os tempos. Ela se dá pelo encontro de três fatores:

  • A expansão globalizada da liberdade de locomoção cria toda a oportunidade para coisas horríveis como o turismo sexual, trafego de seres humanos, trabalho escravo, pornografia, pedofilia, etc.
  • Lucro Expansão globalizada do lucro – a facilidade de venda e transferência de valores com possibilidade de anonimato. As diversas formas de crime tornam-se ainda mais fáceis.
  • Crime globalizado – máfia, drogas
  • Disfunção – famílias, indivíduos, culturas. Expansão da disfunção globalizada A busca de pertencer (false sense of belonging!)

Tudo isto coopera para que as mais diversas formas de crime cresçam por meio do ‘cidadão comum’.

Conclusão

Como a globalização faz as pessoas pensarem sobre sua fé e vida? Podemos distinguir três campos abrangentes que propõem suas reflexões:

  • A posição dos ateus e secularistas: continuamos a despeito de...
  • A posição das religiões orientais: deu tudo errado e a resposta não esta aqui, a solução encontra-se em outro lugar
  • A posição do pensamento judaico-cristã: onde erramos e como podemos dar um passo para trás para entrar no caminho certo?

As distorções da compreensão judaico-cristã sobre pontos fundamentais como o conceito de mordomia da criação que nos dá o direito de domínio e não de dominação. A grande pergunta é “Em que(m) estamos confiando para conferir significado e esperança no mundo em que vivemos?” De acordo com a fé judaico-cristã Deus é maior do que os problemas e desafios da própria globalização!

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