Por que prefiro o Método Gramático-Histórico de Interpretação
1) Recebem-na como Palavra de Deus, inspirada, autoritativa, infalível, suficiente e única regra de fé e prática. Assim, desejam submeter-se a ela, pois a consideram como estando acima de suas tradições e confissões.
2) Entendem que ela, como texto, tem somente um sentido, que é aquele pretendido pelo autor humano inspirado. Esse sentido é geralmente o sentido natural e óbvio do texto. E para descobri-lo, acreditam que ela é a sua melhor intérprete. Por conseguinte, dedicam-se a estudá-la, pois também reconhecem que ela foi escrita por homens de cultura e língua diferentes vivendo em momento histórico também diferente.
3) Professam que a mensagem central das Escrituras é clara a todos, e que seus pontos essenciais são suficientemente revelados, de forma que, pelo uso dos meios normais, qualquer pessoa, sob a iluminação do Espírito, pode ter conhecimento salvador dessa mensagem.
4) Reconhecem que as diferenças doutrinárias que existem entre si próprios são decorrentes, não de erros ou contradições das Escrituras, mas da incapacidade deles, causada pelo pecado e pelas limitações humanas, de compreender perfeitamente a revelação perfeita de Deus.
5) Esforçam-se para continuamente rever seus pressupostos teológicos e características denominacionais à luz das Escrituras. Entretanto, não rejeitam o legado hermenêutico das gerações anteriores.
Essa atitude interpretativa para com a Bíblia tem sido chamada de gramático-histórica porque considera importante para seu entendimento tanto a pesquisa do sentido das palavras (gramma, em grego) quanto a compreensão das condições históricas em que foram escritas. Apesar de sua idade avançada e das críticas que tem recebido, ainda prefiro esse método de interpretação, por várias razões.
Primeira, mais que qualquer outro sistema hermenêutico, ele honra as Escrituras. Ele parte de um alto apreço pelas Escrituras e seus atributos, como inspiração, autoridade, infalibilidade, coerência e suficiência. As escolas alegóricas de interpretação sempre consideraram, em alguma medida, irrelevante a historicidade das narrativas bíblicas, e se interessaram pelo pretenso sentido oculto atrás delas. O método histórico-crítico, surgido ao final do século 17, partindo de suas pressuposições racionalistas, reduziu a Bíblia ao registro da fé de Israel e dos primeiros cristãos, negando sua inspiração e infalibilidade. As novas hermenêuticas centradas no leitor, com seu relativismo, negam a autoridade e infalibilidade das Escrituras e transformam o leitor em autor, pois é ele que determina o sentido. A hermenêutica do neo-misticismo evangélico desonra as Escrituras submetendo-a à autoridade dos espirituais e iluminados.
Segundo, mantém em equilíbrio a tensão entre oração e labuta no estudo da Bíblia. Os praticantes do método gramático-histórico sempre procuraram manter em equilíbrio a espiritualidade e a erudição no labor teológico, especialmente aqueles comprometidos com o método gramático-histórico, adotando o binômio orare et labutare: Orare, porque a Bíblia é divina, porque somos pecadores, porque Deus é muito diferente de nós. Pela oração buscamos a iluminação do Espírito. Labutare, porque a Bíblia, como literatura produzida por seres humanos num determinado contexto, numa outra cultura e numa outra época, é humana, e está distante de nós, o que provoca a necessidade de estudo. A interpretação alegórica neo-mística descuida do labutare – tudo o que o intérprete precisa é ser homem de oração, jejuar e aguardar iluminação do Espírito – provocando interpretações absurdas, cabalísticas e místicas. O método histórico-crítico tende a esquecer o orare – tudo o que o intérprete precisa é ser um especialista nas diversas críticas literárias – provocando intelectualismo árido e seco. As novas hermenêuticas tendem a esquecer as duas coisas. Por que orar e estudar, já que a interpretação é resultado da fusão de horizontes entre o leitor e o texto e se o sentido é determinado inexoravelmente pelas estruturas da linguagem? Ou, se não há um único sentido, mas muitos e diferentes e todos igualmente válidos?
Terceiro, o método gramático-histórico preserva a objetividade na interpretação. Os seus proponentes, mesmo admitindo que haja partes difíceis de entender na Bíblia, sempre afirmaram que a sua mensagem central é clara. Assim, foram capazes de elaborar confissões, credos e teologias. O método gramático-histórico parte do princípio que Deus se revelou proposicionalmente nas Escrituras e que esta revelação pode ser entendida, sintetizada e transmitida. Quando digo que Deus se revelou proposicionalmente, refiro-me ao fato de ele nos fala através de declarações, sentenças, frases. Setores do método histórico-crítico e das novas hermenêuticas defendem que Deus não se revelou de forma proposicional, mas através de histórias, poesias, experiências. Para eles, não existe um sistema doutrinário revelado na Bíblia, e conseqüentemente, não se pode sintetizar os resultados da interpretação – não se pode ter teologia.Toda interpretação é subjetiva, provisória, contextual e temporária. Nunca se pode afirmar que sabemos a verdade que a Bíblia ensina.
Por último, a escola gramático-histórica de interpretação produziu grandes pregadores e grandes expositores bíblicos, mais que as outras. O método histórico-crítico, por exemplo, costuma produzir mais professores acadêmicos do que grandes pregadores. Já o método alegórico e as novas hermenêuticas produzem contadores de experiências, visto que não lhes interessa o conteúdo teológico, doutrinário e práticos das Escrituras.
Em conclusão, eu diria que um retorno ao uso coerente do método gramático-histórico pode ser crucial para uma reforma no protestantismo brasileiro, como foi na igreja do século XVI. A ferramenta principal dos reformadores foi uma postura para com a Bíblia e uma leitura que rompeu com os métodos alegóricos medievais. Foi esta atitude para com a Bíblia que consolidou a Reforma. Acredito que a crise de identidade que vive o evangelicalismo brasileiro tem como uma das principais causas a falta de consistência e coerência no emprego do método de interpretação que sempre acompanhou o Cristianismo histórico.