Sociedade, Governo, Economia, Cultura, Arte e Tecnologia.
No post anterior iniciamos uma tratamento resumido de áreas da atividade em que estamos envolvidos ou de conhecimento, com a Palavra de Deus. A forma como observamos, abordamos ou procuramos entender essas esferas, se constitui em nossa Cosmovisão.
Sociedade
Na cosmovisão cristã, o estudo das sociedades, ou sociologia, começa com a pessoa de Deus, que subsiste em um relacionamento social eterno na trindade. A Bíblia enfatiza que Deus é unidade e pluralidade, bem como causa final de todas as coisas. Por isso, nas Escrituras, não encontramos nem o indivíduo nem a sociedade corporativa, um acima do outro. O cristianismo representa a única solução aos problemas gerados pelo humanismo que postula uma luta constante entre individualismo e coletivismo.
Em sua sabedoria infinita, Deus instituiu o relacionamento social primário e fundamental – a família, desde a criação. Esta é a célula principal de todas as demais ordens sociais, que foram se desenvolvendo conforme a providência divina. Procedem de Deus a formação do estado, da igreja e da família. Cada uma dessas áreas representa uma esfera de atividades e competências, com regras e limites específicos, sendo responsáveis perante Deus, na pessoa de seus líderes designados, para funcionarem dentro da esfera de autoridade específica que cada uma possui, como dádiva recebida de Deus. Esses direitos e responsabilidades foram adequadamente delineados e registrados na Lei santa de Deus. Deus criou o homem, portanto, como uma criatura social, à sua imagem.
A Bíblia também nos apresenta fatos sociais que devem ser ensinados. Por exemplo, existe extremo valor didático e muitos princípios a serem extraídos do estudo de como Deus se relacionou com o seu povo, em uma época e situação específica, no Antigo Testamento. Como aquela sociedade foi estruturada, por Deus, para resistir a fragmentação gerada pelo pecado. Quais os contrastes e similaridades daquela sociedade com os povos sem Deus que a rodeavam. A apresentação bíblica da ordem social é necessária para nos ensinar como Deus lida com a corrução moral e social em diversas ocasiões. A legislação moral encontrada na Palavra de Deus é uma ferramenta de análise das diversas estruturas sociais das nações e povos.
Quando analisamos a ordem social proveniente de Deus e a perversão dessa ordem, pelo homem pecador, compreendemos as diretrizes divinas para constituição de uma sociedade alternativa que verdadeiramente o glorifique. O que é distorcido pelo pecado, é restaurado pela graça de Deus. Cristo e a redenção nele encontrada, não somente restaura o relacionamento entre Deus e os seus chamados, mas, como resultado, o relacionamento entre homens, mulheres, crianças, raças e nações é também restaurado. A família cristã e a comunidade cristã – a igreja – deveriam sempre ser modelos firmes de um relacionamento social adequado no meio do caos do mundo contemporâneo – submerso em pecado.
Pela Palavra de Deus, a sociedade cristã é igualmente equipada a coexistir e sobreviver - fortalecida em Deus e por ele - em um mundo que pode ser hostil intelectualmente, ou até fisicamente violento contra o cristianismo e os cristãos. Nessas situações, a sociedade cristã não "joga a toalha" e se amolda aos valores e percepções anti-cristãs, mas permanece, como sal da terra e luz do mundo, testemunhando dos valores de Deus, procurando influenciar, em vez de ser influenciada, na expectativa de que ele, por sua graça comum, conceda momentos de vitórias onde tais valores venham a permear segmentos, bolsões, ou grande parte da sociedade. A história registra que Deus, por vezes, tem concedido tais tempos de refrigério ao seu povo.
Governo
O estudo correto do governo, ou das ciências políticas, na cosmovisão cristã, deve ser fundamentado na Palavra de Deus. O estudo da lei civil e do governo torna necessário a compreensão do padrão infalível de Deus, para uma adequada percepção do que é justiça e do que é injustiça. O governo civil se ocupa da promulgação da lei. Isso significa que sua esfera de atuação abrange a definição do certo e do errado. Certo e errado, entretanto, são conceitos que não podem ser divorciados de moralidade e moralidade está na essência da religião. Assim, governo civil é, por sua própria natureza, uma instituição religiosa – no sentido de que se rege pela religião (verdadeira, ou humanista) e presta contas a Deus (ou deixa de prestá-las, atuando como se fosse autônoma, para sua própria destruição.
O Antigo Testamento revelou o sistema legislativo para um governo civil. Deus, através de Moisés, supriu todo um povo, civilização e sociedade com um sistema completo de legislação civil e de governo. O decálogo, estabelece a base moral do governo. O exemplo do governo civil do Povo de Deus no AT, nos ensina separação de poderes; sistema de apelos e recursos; e um sistema de aferições contínuas entre os poderes.
Essa compreensão da teocracia veto-testamentária nos possibilita a análise comparativa de governos humanos, do passado e do presente, bem como de suas estruturas, leis e políticas. A cosmovisão cristã e o estudo desta área, leva aquele que estuda e se aplica nos princípios bíblicos a uma participação responsável no seu governo, exercitando cidadania responsável, tornando-se arauto da lei de Deus a uma sociedade sem Deus.
Reconhecemos que Deus trabalha de formas diferentes em eras diferentes (Hb 1.1-4) e que a legislação civil do Antigo Testamento foi promulgada para um povo específico, com propósitos específicos e com caráter temporal, não sendo normativa em seus detalhes à nossa sociedade. No entanto, a cosmovisão cristã procura estudar os princípios e valores contidos por trás daquelas legislações específicas e reconhece o aspecto didático desse estudo.
O entrelaçamento do governo (ou do estado) com a pessoa de Deus é claramente delineado no textus maximus dessa área - Rm 13.1-7, onde temos reafirmado o ensinamento de que Deus é a fonte da autoridade, que ela a delega a governantes humanos, mas que nem por isso eles deixam de ser responsáveis perante Deus e os homens, pelo desempenho correto de suas responsabilidades. Ali aprendemos, em adição, que tais responsabilidades são limitadas e não atribuidas para o exercício do despotismo; que elas são circunscritas a áreas específicas de manutenção da ordem, e não representam uma carta branca para a intromissão em todas as áreas das vidas dos cidadãos.
Em um post subsequente, deverei expandir um pouco mais essa visão bíblica do governo, ou do conceito do estado.
Economia
Deus é o proprietário da terra, a fonte de toda a riqueza. Ele é o dono de tudo e delega tal propriedade a quem lhe apraz. De Deus procedem, também, leis que governam a esfera da economia humana. Deus concedeu ao homem o direito de possuir propriedade privada, de ocupá-la ou desenvolvê-la, de objetivar a lucratividade e de definir como o a receita deve ser aplicada. No entanto, pelo próprio fato de que Deus é o Senhor de tudo e de todos, somos ensinados a exercitar todos esses direitos responsavelmente, como mordomos de Deus.
De acordo com as Escrituras, não faz parte das atribuições governamentais a regulamentação excessiva ou detalhada da economia, exceto na dádiva de garantias contra roubos e fraudes. A Palavra de Deus especifica a dignidade do trabalho e o direito do trabalhador de usufruir economicamente do seu trabalho. O exercício desses direitos deve se processar debaixo de diretrizes contidas na Palavra que produzem um sistema econômico que glorifica a Deus e demonstra sensibilidade às necessidades alheias. Esse sistema deve englobar e levar em consideração: o trabalho com afinco; a competitividade; os riscos do mercado. Esses fatores impelem os produtores e vendedores a utilizarem suas habilidades e recursos econômicos com muito cuidado, gerando produtos de qualidade crescente a preços mais razoáveis. O papel do governo, nessa esfera, é o de servir de árbitro – louvando os bons e punindo os maus – também na mercantilização, de acordo com os padrões da lei de Deus.
Riqueza não é uma conseqüência única de brutalidade econômica. A prosperidade econômica é possível vir como resultado das bênçãos divinas sobre o uso correto do trabalho empregado e da aplicação do lucro obtido. Harmonia produtiva, na esfera comercial, é fruto da graça comum de Deus, possibilitando as pessoas a seguirem suas leis (mesmo descrentes, que não as têm em suas mentes e corações). O cristianismo deve servir de intensa influência salutar na vida econômica construida em justiça, em uma sociedade; promovendo o respeito mútuo às leis; a obediência aos contratos firmados; a consideração ao bem alheio, o uso comedido do poder, a ausência de egoísmo desvairado nas realizações e a sensibilidade aos necessitados e carentes.
Cultura e Arte
As artes e a cultura são dons concedidos aos homens pelo Espírito Santo. Quando um artista compõe uma música, pinta um quadro de qualidade, um arquiteto projeta um edifício – cada um desses aplica, em sua específica esfera, o talento recebido de Deus. Na cosmovisão cristã, cada dom será utilizado para refletir a glória e sabedoria do doador e imitar a beleza e utilidade da obra criativa de Deus.[1]
A cosmovisão humanista vê a cultura e a arte como se existissem apenas para se auto-expressarem, ou para o divertimento das pessoas, ou por vaidade egoísta. As pessoas sem Deus utilizam, muitas vezes, a cultura como uma forma de expressar a sua revolta contra Deus e de glorificarem-se a si mesmas. Quando o homem cria, não está criando algo do nada, mas descobrindo a potencialidade em si, ali colocada por Deus. O uso correto da cultura e das artes representa uma bênção de Deus e resulta no benefício da humanidade e na validade da apreensão estética das coisas. O uso ou desenvolvimento incorreto, torna-se em uma maldição contribuindo para a destruição e dissolução moral da humanidade.
As artes e a cultura criam obras que expressam pensamentos e emoções. Conseqüentemente, influenciam a moralidade e o comportamento de muitos. Em muitas situações, providenciam comunhão e experiências praticamente religiosas aos apreciadores, criando um magnetismo e atratividade intensa entre artistas e espectadores. Isso representa uma grande responsabilidade ao cristão e quer dizer que não devemos nos envolver e desfrutar das artes que promovem pensamentos, emoções e comportamentos contrários à Palavra de Deus (2 Co 6.14).
Reconhecendo a manifestação da graça comum de Deus nessas esferas; reconhecendo o que é de mérito e qualidade; o cristão deve utilizar-se dessas áreas para a promoção do Reino de Deus. Os talentos devem ser desenvolvidos em harmonia com a lei moral de Deus, para sua honra e glória.
Tecnologia
Uma maneira de entender tecnologia, é considerando-a como a ciência aplicada à mecânica da vida, à multiplicação do potencial humano de realização. Ela tem algo de arte e cultura, pois é a interação da criatividade humana com as decobertas do funcionamento da criação de Deus (por exemplo: as chamadas leis físicas e químicas, o código do genoma, etc.), resultando em construções ou produtos colocados a serviço do homem. Se "fazer ciência" é algo que compreendemos como possível exatamente pela existência de Deus, como âncora metafísica maior, que estruturou e mantém uma criação em harmonia - não caótica, a tecnologia só é possível em função dessa mesma harmonia.
O avanço da tecnologia é uma evidência da operação do que conhecemos como graça comum de Deus. Ele possibilita a facilitação da jornada humana, através de obras que, como nas artes e na cultura, possuem mérito e qualidade intrinseca, independentemente se foram produzidas conscientemente para a glorificação do Criador. Ou seja, a cosmovisão cristã reconhece, sim, que o descrente produz obras de mérito e qualidade - mesmo em sua rejeição ao Deus que as possibilita. Descrentes projetam e constroem pontes seguras, elevadores que não falham, prédios que não caem, computadores que funcionam. Semelhantemente, são competentes na realização de cirurgias complicadas (e as simples, também), no estudo e controle de condições climáticas. A diferença é que os crentes no Deus da criação que são competentes nessas áreas têm a capacidade de exercitar seus dons e treinamentos conscientemente na glorificação do Criador e reconhecem que essas habilidades procedem dele.
A cosmovisão cristã não rejeita a tecnologia, mas não a considera um fim em si, nem que a sua servitude se exaure no melhoramento da humanidade. Enxerga a fonte e o destino dela - o Deus do Universo. Sabe que ela pode ser utilizada tanto para o bem como para o mal, e que isso é uma consequência do fator pecado, que deixa suas marcas em todas as áreas de realizações humanas.
Conclusão
Diversas outras áreas de conhecimento poderiam ser apresentadas sob o prisma de uma cosmovisão cristã. Nosso propósito, é o de que você se convença que as Escrituras são pertinentes ao todo da nossa vida. Isso tem uma conseqüência dupla: (1) Torna legítima as múltiplas esferas de conhecimento, ao cristão, que deve dominá-las para a Glória de Deus; (2) Desenvolve o nosso pensar como cristãos, objetivando a verdadeira transformação de nossa mente, em vez da conformação com o pensamento do mundo, fazendo-nos ávidos inquiridores e pesquisadores da Palavra de Deus, para ver o que ela tem a nos ensinar em cada segmento do conhecimento humano.
[1] Ver o meu artigo “Cultura – A Fé Cristã é Contra ou a Favor?”, postado em: http://www.solanoportela.net/artigos/cultura.htm
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Há 2 horas
5 comentários
comentáriosPrezado Pb. Solano Portela.
ResponderMais uma vez o irmão se supera em talento para escrever.
Gostei mais deste post, que dos dois anteriores, porém os dois anteriores, são muito bons.
Parabêns.
Rev. João d'Eça
Olá Solano vou dar meus pitacos de economia....ssrsr
ResponderO estudo das ciências econômicas é bastante amplo. O texto deu ênfase maior a uma discussão de economia política.
Existem discussões na economia, como já disse, que são bastante controversas a luz da bíblia. Como exemplos, definição do valor de uma mercadoria, determinação do salário real, se a política monetária tem efeito somente de curto prazo, poupança causa investimeto, ou investimento causa poupança, formação de preços, etc. Eu acredito que na bíblia seja difícil encontrar resposta a essas questões, mas Deus permite que o homem tenha inteligência para resolver tais questões. E acredito que isso seja encontrado nas ciências econômicas.
Gostaria de salientar, que se o Estado tivesse somente o papel da dádiva de garantias contra roubos e fraudes, subentende-se que qualquer tipo de influência sobre o mercado não é permitida. Nesse caso não seria de modo algum o papel do estado o controle dos riscos do mercado e especulação.
Acredito que antes de tudo seja bíblico que haja alguma forma de intervenção estatal na economia, com vistas a regular o desempenho do mercado, que é falho e cheio de incertezas: via políticas de demanda quando necessária, controle dos monopólios em algumas áreas. Via social, com redução da desigualdade.
Veja, se o Estado é apenas um definidor dos direitos de propriedade e segurança, desencadeia e infla via mercado, toda sorte de abuso e excessos do ser-humano e considero isso anti-bíblico.
Por exemplo, se o estado não regula corretamente alguns setores em que há monopólio natural, não é por menos que haja um desabamento do metro causando 7 mortes.
Porque foi passado a iniciativa privada? não! Mas porque o marco regulatório possuia problemas e foi ineficiente, e caberia ao estado o marco regulatório.
Se a sociedade passa por um problema de grave recessão econômica, o estado pode agir de modo a melhorar o cenário.
De certo, um grau excessivo do Estado na economia, pode ser altamente prejudicial.
Abraços
JP
Olá Solano! Gostei muito destes textos postados sobre Cosmovisão Cristã! è algo que deve ser mais valorizado e buscado em nosso meio.
Responderabraços
Alberto
(meutelescopio.blogspot.com)
Amado irmão Solano,
Responderobrigado pelo esclarecimento! Falta um pensar bíblico em todas as áreas na igreja brasileira. Infelizmente é comum pensar que a fé é apenas limitada a esfera religiosa.
Deus o abençoe,
Juan
Olá, Solano!
ResponderGostei muito dessa série de artigos. Muito didática, simples, e bíblica; sem trelélé. Nada deveria ser mais simples para o cristão do que reconhecer a soberania de Deus sobre todas as áreas do conhecimento, já que Ele é Senhor sobre todas as coisas. A Bíblia não fala de forma exaustiva e direta sobre cada área de conhecimento, mas certamente é possível encontrar no estudo das Escrituras, com a orientação do Espírito Santo, as premissas, os fundamentos, os alicerces epistemológicos. Reconhecer isso é firmar nossa casa sobre a rocha, e ter, num sentido muito prático, a mente de Cristo.
Não tenho dúvidas que é na comparação das grandes obras de cada área com o que a Palavra ensina, sem subserviência intelectual às visões seculares, mas sabendo separar o joio do trigo, está uma das melhores diretrizes para “ser cabeça, e não cauda”; e apresentando o Evangelho como incontestavelmente verdadeiro e como solução para cada problema humano, possamos ser sal da terra e luz do mundo.
Parabéns, Solano!
Abração do Eliot.