terça-feira, maio 22, 2007

Augustus Nicodemus Lopes

Um Pé na Porta

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É assim que cientistas darwinistas em todo mundo têm definido o Design Inteligente, movimento que recentemente vem causando nos Estados Unidos certa inquietação e reação nos círculos acadêmicos da biologia, química, física e astronomia.

É um pé na porta, dizem os darwinistas, porque a deixa entreaberta para outras definições de realidade entrarem, como o Criacionismo, por exemplo. As críticas ao darwinismo feitas pelo Design Inteligente funcionariam como uma cunha, abrindo caminho no mundo científico para o regresso das noções sobrenaturais de um ser inteligente que criou o mundo com propósito e inteligência – Deus, em outras palavras. É esse o terror dos darwinistas. Num ambiente dominado há 200 anos pelo naturalismo e o evolucionismo, a própria idéia do retorno de Deus à academia é o pior dos pesadelos.
Em 2005 a discussão ganhou ares políticos quando o Presidente George Bush deu grande publicidade ao Design Inteligente ao declarar que o mesmo deveria ser ensinado nas escolas públicas, para que as crianças fossem expostas a modelos alternativos ao evolucionismo. A declaração provocou uma discussão do assunto na mídia e na academia americanas e mesmo fora dela.
Esse ano, foi a vez do papa Bento XVI. Ele publicou um livro na Alemanha, Criação e Evolução, onde faz declarações sobre as origens da vida e do universo que ecoaram na mídia mundial. O livro é um apanhado de palestras que Ratzinger fez ano passado sobre o darwinismo, durante um retiro. Ele basicamente descarta a posição do Papa anterior, que era extremamente simpática ao darwinismo, e favorece o criacionismo teísta, afirmando que existe espaço para explanações que extrapolam o campo científico quando se trata da origem da vida e do Universo. Já no ano passado o Papa havia dito que o mundo era “um projeto inteligente”.

Essa semana ouvi de um amigo, cientista, brasileiro, que é adepto do movimento do Design Inteligente, que existe uma grande expectativa de que em breve um novo paradigma surgirá em substituição ao velho, cansado e desacreditado darwinismo no que tange à capacidade da seleção natural de guiar de forma não intencional o processo evolutivo dos seres vivos. Bom, será muito bem vindo. Especialmente agora quando o mundo se prepara para comemorar os duzentos anos de Darwin e a mídia colabora intensamente para manter a chama acesa.
O Design Inteligente defende basicamente que certas características do universo e das coisas vivas são mais bem explicadas por causas inteligentes empiricamente detectadas na natureza, em lugar de um processo não-intencional e não-dirigido, como a seleção natural. O Design Inteligente é assim uma discordância científica da reivindicação central da teoria evolutiva de que o desígnio aparente dos sistemas vivos é uma ilusão. Num sentido mais amplo, Design Inteligente é simplesmente a ciência da descoberta de intencionalidade em padrões complexos e organizados. Os teoristas do Design Inteligente acreditam que é possível testar e avaliar cientificamente se uma certa informação biológica é o produto de causas inteligentes, da mesma maneira como cientistas fazem testes diários para detecção de propósito em outras ciências.

Algumas reflexões sobre esse movimento polêmico que tem ganhado mais e mais aceitação de cientistas e dos cristãos.

1) A crítica de que o Design Inteligente é ciência ruim não procede, e nem aquela que diz que é também religião ruim. Não é ciência ruim porque está procurando dar respostas para o silêncio do darwinismo sobre complexidade irredutível e outros fenômenos que ainda não são explicados pela seleção natural. Além disso, seus proponentes são cientistas premiados e conhecidos, pessoas sérias, cujos argumentos nem sempre têm recebido refutação convincente. Também, o Design Inteligente não é religião ruim. Na verdade, não é nem religião, embora seja evidente que suas conclusões inevitavelmente terão um impacto religioso. Se existe inteligência por detrás do surgimento da vida, de onde ela procede? Não é à toa que cristãos conservadores receberam com entusiasmo o surgimento do Design Inteligente. Todavia, o movimento do Design Inteligente não me parece necessariamente um pé na porta para a entrada posterior do Criacionismo. Muitos teoristas do Design Inteligente acreditam no Big Bang e na macroevolução. Outros são agnósticos. E por outro lado, alguns criacionistas são extremamente críticos do Design Inteligente, como Henry Morris.

2) Dizem que o Design Inteligente é resultado da incompetência de seus proponentes, que desistiram cedo demais de achar explicações naturalísticas para o desenvolvimento dos complexos irredutíveis, como o motorzinho celular. “Dêem-nos mais tempo,” pedem os darwinistas, “e descobriremos como a seleção natural foi capaz de preparar independentemente as mais de 35 partes do motorzinho da célula e colocá-las juntas de maneira a funcionar perfeitamente”. Os darwinistas não podem culpar os teoristas do Design Inteligente de prática científica malsã simplesmente porque estão apresentando hipóteses e teorias alternativas ao modelo padrão, diante da falta de respostas dele.

3) O Design Inteligente, estritamente considerado como pesquisa científica, não conseguirá se manter neutro na questão religiosa. Muito embora seu foco e sua ponta-de-lança seja a pesquisa científica que detecta a presença de inteligência, o movimento enfrenta uma encarniçada guerra que é movida por diferentes visões de mundo. Eu sempre acreditei que o darwinismo tem todas as características de uma religião e demanda muita fé de seus adeptos. E querendo ou não, o Design Inteligente acaba tendo profundas implicações religiosas. É um conflito religioso, no final, em que duas cosmovisões religiosas se enfrentam. Cedo ou tarde o Design Inteligente terá de enfrentar a questão que tem zelosamente evitado até agora, que é a identidade do agente inteligente, responsável pelo design encontrado na natureza.

4) O Design Inteligente pode ser uma maneira eficiente de questionar o domínio darwinista na academia já por dois séculos. O evolucionismo tem se tornado uma teoria muito desgastada depois das descobertas de fraudes em seus principais ícones, na falta de evidências concretas para a macroevolução, na falta de respostas até agora para os complexos irredutíveis. Está mais que na hora de abrirmos as portas e as mentes para explorar outras alternativas. Tem muita gente capacitada academicamente ao lado do Design Inteligente. Não está sendo proposto por incompetentes, despreparados, fanáticos ou religiosos.

Não sei ao certo onde esse movimento vai parar. Seus principais proponentes são cientistas renomados e internacionalmente conhecidos, como William Dembski, Michael Behe e Phil Johnson, para citar os mais conhecidos. Todavia, a guerra contra o Design Inteligente é muito intensa e se trava na mídia e nos meios acadêmicos, e nem sempre os termos são os mais cordatos. A academia, que tanto preza o contraditório, tem fugido deste quando percebe o perigo de que sejam afetados os seus mais diletos dogmas.
Certa feita, um evolucionista disse que se os cientistas chegarem à conclusão de que existe inteligência por detrás da origem da vida, serão como alpinistas que chegam ao topo da montanha e lá encontram os teólogos acampados, esperando por eles há séculos. Esse era o pior pesadelo dele.

Mas, para nós, não será surpresa alguma. Afinal, a mesma visão de mundo judaico-cristã que permitiu que Tomé examinasse empiricamente o corpo de Jesus após a ressurreição é a mesma visão de mundo que ensejou o surgimento da ciência (Rick Pearcey).
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sábado, maio 19, 2007

Augustus Nicodemus Lopes

O Retorno de Pé na Cova

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Estou surpreso com o recrudescimento do liberalismo teológico em nosso país. Na Europa onde nasceu, o método histórico-crítico, a hipótese documentária quanto à formação do Antigo Testamento, as críticas da fonte e literária, foram há muito abandonadas, embora substituídas por métodos e perspectivas igualmente perniciosas para a fé evangélica. Aqui no Brasil todavia, as idéias de Wellhausen, Strauss, Bultmann e um monte de alemães do século passado continuam a ser ensinadas nos seminários e escolas de teologia como se fossem a última novidade, a expressão máxima da “exegese científica”. O que é de estranhar, pois liberais sempre detestaram coisas antigas e sempre defenderam que cada geração deve fazer sua própria teologia.

Acredito que a difusão do velho liberalismo aqui em nossas terras se deve em primeiro lugar ao pentecostalismo, que providenciou a clientela para os cursos de teologia e ciências da religião moribundos e deficitários das denominações evangélicas históricas e das universidades públicas. Após terem crescido e conquistado o Brasil, pentecostais e neopentecostais resolveram estudar – e à semelhança de Israel no passado, que adorava os deuses dos povos conquistados por ele, foram buscar os mestres, os cursos e os livros das denominações evangélicas numericamente inexpressivas, sem se perguntar por que elas estavam se esvaziando no decorrer dos anos.

A possibilidade de reconhecimento pelo MEC dos cursos de teologia dos seminários maiores das denominações aumentou ainda mais a procura pelos estudos formais. Pastores e obreiros evangélicos passaram a ser instruídos por professores de teologia que nunca foram pastores de igrejas, nunca cuidaram de almas, e que não tinham o menor escrúpulo em acabar com a “fé inocente” dos que acreditavam em tudo que a Bíblia dizia.

Não sou contra a educação teológica – acho que nem precisava dizer isso, depois de ter obtido três graus na área de teologia, escrito mais de uma dezena de livros acadêmicos, ensinado em escolas de teologia e universidade e ter sido diretor de seminário e de uma escola de pós-graduação em teologia. Todavia, sou contra a propaganda enganosa feita pelos adeptos do método histórico-crítico de que o mesmo é científico; sou contra a premissa deles de que para realmente entendermos a Bíblia temos de nos livrar do pressuposto da fé; sou contra a representação falaciosa que fazem dos conservadores, como idiotas e burros sem capacidade intelectual; sou contra a zombaria e escárnio deles contra a doutrina da inspiração, infalibilidade e inerrância das Escrituras; sou contra a hipocrisia dos que não acreditam em nada e que aos domingos, para manter um emprego em uma igreja, pregam como se a Bíblia fosse a Palavra de Deus.

As coisas nem sempre acontecem da mesma forma em todos os lugares. Se acontecessem, não seria difícil profetizar quanto ao futuro do evangelicalismo brasileiro, a continuar como vai, e na direção que vai: a secularização das escolas de teologia e a morte de suas igrejas.

Todavia, tenho esperança, pois ao mesmo tempo em que o liberalismo teológico penetra profundamente nos maiores grupos evangélicos, cresce o interesse de outros desses grupos pela fé reformada. Nunca houve tanta demanda e tanta procura da parte dos evangélicos por livros, sermões, eventos e material reformado como hoje. A semeadura do trigo irá de alguma forma contrabalancear aquela do joio. Essa é a minha oração.
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sexta-feira, maio 11, 2007

Solano Portela

Sou Contra a Pílula! Reflexões Sobre Frei Galvão.



Hoje, 11.05.2007, é o dia em que o Papa declara formalmente a canonização de Antonio de Sant’Anna Galvão (1739-1822), ou, como diz a manchete da Folha de São Paulo, torna “Frei Galvão 1º Santo do país”. Estranha visão religiosa onde um “santo” divino, no sentido de receptador e intermediador de petições a Deus, é instalado por esforço humano, através de um decreto após um longo processo. Na cerimônia da manhã deste dia, o papa leu textualmente que o “inscrevia no registro dos Santos”.

Entre os supostos feitos registrados do Frei Galvão: a construção do Mosteiro da Luz com as próprias mãos, o dom da bilocação (estar em dois lugares ao mesmo tempo) e diversos casos de cura. A causa destas curas? A pílula que inventou, para ministrar aos enfermos que o procuravam – um pedacinho de papel enrolado no qual estavam escritas algumas frases em latim.

Desde essa época para cá, as pílulas vêm sendo consumidas com avidez por pessoas doentes e a continuidade de “fabricação” e fornecimento das mesmas foi assegurada pelas freiras, no Mosteiro da Luz. Ultimamente, segundo reportagem da Folha, com o interesse despertado pela visita do papa, o consumo está na casa das 30 mil pílulas por dia. Uma freira ouvida pela reportagem garante que o “papel da pílula é finíssimo e ‘dissolve facilmente na água’. A tinta usada é também comestível”.

Essas garantias podem aplacar a fúria das autoridades sanitárias, que deveriam estar preocupadas com a considerável ingestão de papel e tinta, mas aguçaram minha curiosidade teológica para ver o que estaria escrito nos papelotes. Que mantra católico romano tão poderoso seria este, que realiza a cura dos consumidores?

Verifico que a pílula traz encapsulada a essência do dogma romano da intermediação de Maria – exatamente o ponto principal que, no entendimento dos evangélicos, vai contra a mediação singular e exclusiva de Cristo. O texto escrito no papel de cada pílula diz o seguinte, em latim: “Depois do parto, ó Virgem, permaneceste intacta! Mãe de Deus, intercedei por nós”!

Assim, além das objeções lógicas e gastronômicas, tenho fortes razões eclesiásticas e teológicas para ser contra a pílula e contra processos de canonização:

  1. Postular a virgindade perpétua de Maria é uma necessidade do catolicismo romano, para dar um caráter supra-humano a ela e por possuir uma visão distorcida da sexualidade. Durante séculos o envolvimento sexual, mesmo nos limites bíblicos do casamento, foi considerado pelos romanos como algo não necessariamente saudável, mas que contaminava o corpo – ser virgem seria pré-requisito à santidade (daí o dogma do celibato compulsório ao clero e às freiras). Tal informação não procede das Escrituras, que apresentam Maria como especial, abençoada e devotada, alvo do nascimento virginal de Cristo, mas como uma pessoa plenamente humana e comum, mãe de vários outros filhos como fruto do seu casamento com José. A primeira frase da pílula se ocupa disso.
  2. A segunda frase, claramente indica Maria como mediadora e se harmoniza com sua classificação como co-redentora da humanidade – posição sustentada pelos católicos romanos. Tal crença contradiz vários textos bíblicos, entre os quais 1 Timóteo 2.5 e 6: “Porque há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual se deu a si mesmo em resgate por todos...”.
  3. Por último, não encontro respaldo bíblico para a enormidade de santos que povoa o panteão da igreja católica – todos ali instalados por decretos e processos humanos. Esses, via de regras, tornam-se, igualmente, co-mediadores, alvo de adoração e de recepção das orações dos fiéis, quando o próprio Senhor Jesus nos ensina a dirigir nossas súplicas e orações a Deus (Mt 6.7-13) unicamente através de Sua pessoa (João 14.13). Ele é o nosso intercessor e advogado (1 João 2.1). Frei Galvão torna-se mais um desses santos intermediadores, trazendo um orgulho singelo, mas destituído de qualquer substância, ao nosso já sofrido e tão enganado povo brasileiro.

Observo, agora, a missa campal no Campo de Marte, em São Paulo. O papa acaba de dizer que “não há fruto da salvação que não tenha a intermediação da Virgem Maria”, comprovando exatamente a figura da mediação para Maria, quando ela é exclusiva de Cristo. Para nós, evangélicos, estas cenas, apesar de impressionantes, bem-montadas e até sinceras, devem trazer grande tristeza ao coração por estar enaltecendo um caminho que levará ao lugar onde o Pai não será encontrado. Jesus disse: “EU sou o CAMINHO, a VERDADE e a VIDA. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14.6).

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terça-feira, maio 08, 2007

Mauro Meister

A bagagem de Bento, Beckwith e as contradições...


Caso você ainda não tenha ouvido, o Papa Bento XVI chega ao Brasil esta semana. Ele traz muitas coisas na bagagem. Não estou falando do “papa-móvel” ou de guardas suíços. Nem de suas roupas, inspiradas nas do sumo-sacerdote vetero-testamentário, que carregam quilômetros de fios de ouro e prata (aliás, o catolicismo tem tudo a ver com o livro de Levítico). Refiro-me aos séculos de tradição romanista.


Alguns volumes da sua bagagem, entretanto, apresentam um conteúdo, para os protestantes, no mínimo conflitantes:
1. O papa traz na bagagem a defesa de alguns valores que prezamos profundamente, como evangélicos, e que cada vez vemos menos protestantes históricos dispostos a defender: a defesa do casamento como instituição divina, a exclusividade da atividade sexual no casamento, o valor da vida intra-uterina, a defesa da heterossexualidade bíblica. Nestes termos, e somente nestes, mantemos uma certa simpatia à bagagem papal. Ficamos curiosos se a sua vinda não pode ser utilizada por Deus para despertar a consciência da sociedade à trajetória suicida na qual embarcou, com o abraçar da secularização desvairada.

2. Por outro lado, o papa traz consigo uma mala cheia de alimentos para a idolatria: vem ao Brasil para ser idolatrado e oficializar a idolatria ao Frei Galvão. A vinda do papa é uma super dose de esteróides para todas estas manifestações místicas que veremos acontecer nos próximos dias, incluindo mais um feriado na nossa nação moderna e laica onde observamos a clara distinção entre Igreja e Estado... ou não?! Tem sido interessante observar a Rede Globo e demais emissoras (incluindo a Record, que no passado “chutou a santa” e agora tem contrato de cobertura...) dedicar dezenas de minutos, a cada intervenção “jornalística”, para exaltar o catolicismo romano.
3. Vem junto na bagagem a esperança de revitalizar a fé católica na América Latina, que na década de 50 era de 93% e hoje anda em 64% (Data Folha) ou 74% (FGV) – quem diria, nossos institutos de pesquisa andam discordando na variação de 2%... será que tem ‘maquiagem’ por ai?


E Beckwith? Quem é ele? Provavelmente você ainda não ouviu falar do recente caso de ‘conversão’ de Francis J. Beckwith ao catolicismo romano. O fato passaria despercebido do público evangélico se este Beckwith não fosse o presidente da Evangelical Theological Society (ETS), a maior associação de acadêmicos evangélicos na América do Norte. O mais interessante no caso da conversão de Beckwith é o fato de que ele, conforme descreve no blog Right Reason, mesmo tendo mudado suas convicções e decidido afiliar-se à Igreja Romana, pretendia continuar como presidente da ETS até o final de seu mandato, em novembro deste ano (veja quem já foi presidente da ETS). A razão básica para esta decisão estaria no fato de que, na sua compreensão, a mudança de lealdade eclesiástica não o impediria de assinar a declaração de fé da ETS:


“Somente a Bíblia, e a Bíblia toda, é Palavra Escrita de Deus e é, portanto, inerrante em seus autógrafos. Deus é uma Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, cada um é uma pessoa não criada, uma em essência, iguais em poder e glória.”


Isto nos faz refletir sobre alguns pontos interessantes:


1. Uma declaração de fé tão sucinta não é suficiente base para se manter uma sociedade do porte e propósito da ETS, principalmente no que diz respeito aos diferenciais das convicções evangélicas. O fato é que vivemos num mundo religioso cada vez menos confessional e há uma tendência crescente ao linguajar vago e impreciso. Aparentemente, dentro do contexto atual, mesmo para um filósofo falante do calado de Beckwith, precisão não importa. A expressão “somente a Bíblia” (Sola Scriptura), de fato, pode significar muita coisa, inclusive a aceitação do “Magistério da Igreja” e toda a sua bagagem de tradição (aquela mesma do Bento) que leva à diminuição da intermediação singular de Cristo, dos postulados contra a idolatria e da exclusividade da justificação pela fé. Será que o real contraditório ficou tão difícil de enxergar?

2. O passo de Beckwith faz parte de um ethos religioso crescente, o da ‘jornada espiritual’. Segundo ele, nascido em um lar católico e tendo sido batizado e crismado antes dos 14 anos de idade, seu passo de retorno a ICAR é simples: “basta fazer a confissão, ser recebido de volta na Igreja e receber absolvição.” Para alguém que durante tempos conheceu ‘Sola Gratia’, parecem passos, no mínimo, estranhos. No entanto, tudo isto vai ficando muito comum no contexto pós-moderno da igreja emergente. Cada vez mais veremos isto acontecer.

3. Dentro deste mesmo espírito, é importante lembrar que falar em religião ou confissão é démodé. Hoje, fala-se em ‘espiritualidade’, outro termo vago que pode abrigar as contradições dos tempos pós-modernos. Muito desejaram a Beckwith “felicidades em sua caminhada”. Pessoalmente, oro para que sua decisão tenha volta. Aliás, segundo Nancy Pearcey, seis palavras têm se tornado o mantra do novo milênio: “Gosto de espiritualidade, não de religião”. (Verdade Absoluta, Nancy Pearcey, CPAD, 2006, p. 133). Num pais tão ‘debochado’ como o nosso e com uma crise ética tremenda, 97% dos brasileiros dizem acreditar em Deus, com letra maiúscula, segundo pesquisa do último sábado, do Data Folha... percebe-se, por ai, mais uma imensa contradição.

4. Mas vejam o outro lado da coisa: à semelhança de Bento, os valores morais e a cosmovisão defendidos por Beckwith em seus livros ainda são os que muito apreciamos: anti-aborto, pró-família, intelligent design, etc. e é possível que Beckwith fuja para o campo que está menos eticamente relativista e mais claramente definido quando comparado com a configuração amorfa dos evangélicos contemporâneos. Mesmo com uma ética mais definida, a opção de Beckwith carrega prejuízos soteriológicos reais.

A lição que aprendo diante da vinda de Bento e da ‘desconversão’ de Beckwith: quem esquece de ser somente co-beligerante para se tornar aliado em causas comuns corre o risco de ‘caminhar espiritualmente’ por trilhas que o Evangelho encontrado na Palavra de Deus desaprova e de buscar conforto em um caminho místico e aconchegante, mas alienado da verdade.
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