Em um post anterior (O Estudo da Teologia e as Escrituras) tratei desse assunto, apresentando o estudo da teologia como sendo uma tarefa que deveria envolver e interessar todo o Povo de Deus, não devendo ficar restrito apenas àqueles que são pastores, ou que estão se encaminhando para isso.
Resposta – O treinamento teológico sempre foi de interesse primário das igrejas e denominações. São elas que devem primar para que as convicções teológicas sobre as quais estão firmadas sejam perpetuadas de geração a geração. As Faculdades Teológicas surgiram sequencialmente aos seminários denominacionais,e hoje em dia existem várias interdenominacionais ou com conexão remota com qualquer igreja específica. Não são as igrejas que surgem agora com “centros de treinamento”, mas é o inverso – as Faculdades Teológicas substituíram os “centros”, ou seminários que eram das igrejas ou denominações. Que há um objetivo comum em ambos, não há dúvida, mas não devemos falar em “concorrência”. Esse “investimento” nada mais é do que um retorno saudável às origens do treinamento teológico, que prioriza a proficiência bíblica e a devoção, em vez do mero fornecimento de um “diploma reconhecido pelo MEC”, que, infelizmente, tem sido o alvo e objetivo principal não somente das “Faculdades”, como também de muitos que a ela acorrem.
JETRO: Existe uma percepção geral de que os cursos de teologia estão se esvaziando. Os centros acima seriam os responsáveis por isso? Estariam eles mais preparados para o público leigo?
Resposta – Os cursos de teologia estão se esvaziando porque a igreja está deixando de ser pro-ativa no que diz respeito à identificação das vocações ministeriais. Nas últimas décadas enfatizamos demasiadamente o subjetivismo nessa área – a pessoa é que define se ela é “chamada” ou não. O “Senhor” fala diretamente a cada um, e não por intermédio da igreja e do conselho dos mais experientes. Na Bíblia vemos alguns chamados excepcionais, mas acredito que o que caracteriza a normalidade para a Igreja de Cristo, é o Corpo, pela atuação dos mais experientes e qualificados – conformes diretrizes de 1 Tm 3 e Tt 1 – observando os membros a forma de dedicação à palavra e os dons específicos que lhes foram concedidos pela soberana ação do Espírito Santo, e separando esses para o sagrado ministério da Palavra. Lógico que ninguém é forçado, pois é o mesmo Espírito que evidenciará tais qualificações aos circunstantes. Meu ponto é que as igrejas têm ficado meramente passivas, esperando que os vocacionados se encaminhem ao estudo teológico e ao treinamento pastoral. Identifiquem; encorajem; providenciem os meios; supervisionem; façam-nos colocar em prática o treinamento recebido – isso preencherá os cursos de teologia. Por outro lado, muitos cursos têm demonstrado uma propensão à autofagia e estão se destruindo de dentro para fora pelo academicismo, por uma espiritualidade vazia e pelo liberalismo teológico – que despreza a integridade da Palavra de Deus. Isso não contribui para sua perenidade.
JETRO: Qual deve ser a formação teológica da liderança leiga da igreja na sua opinião?
Resposta – A maior possível. O estudo da teologia não é só para uma casta privilegiada. Alguns aspectos mais técnicos, relacionados com as línguas originais, podem ser secundários, para a liderança leiga, mas certamente o estudo bem ministrado da história da igreja, da apologética, da exegese, da teologia própria, e até da homilética, contribuirá para o alinhamento do rumo da igreja com os objetivos da Palavra de Deus. Vejo com muito otimismo o ressurgimento de um interesse de vários líderes leigos em serem treinados. Na minha denominação (IPB) muitos presbitérios ou igrejas locais têm organizado tais treinamentos, em cursos de um ano. Normalmente têm boa procura e freqüência. Temos que abandonar a idéia de pensar que tudo é tarefa e obrigação dos pastores, mas temos que ser bem treinados para liberá-los ao pastoreio do rebanho e apoiá-los em suas responsabilidades.
JETRO: Cremos que nunca houve um tempo de tantas seitas e heresias. De que forma a formação teológica ajudaria a liderança em lidar com isso?
Resposta – Temos que ter a convicção de que conhecimento teológico se deriva da Palavra de Deus. Temos que voltar à doutrina de suficiência e inerrância das Escrituras. Essa é uma escolha de Deus e não nossa. Ele não decidiu nos legar a Bíblia para que fosse uma peça de museu, anacrônica, sem relevância aos nossos dias; ou para que extraíssemos nossas convicções teológicas do último “guru” evangélico de plantão – daquele que reinterpreta a graça como licenciosidade, ou do que diminui a sobrania de Deus para que caiba em nossas falíveis mentes, ou do que torna Deus servo de nossos desejos. A formação teológica adequada procurará discernir o que Deus fala, em Sua Palavra, e avidamente buscará aplicar essas verdades aos nossos dias, com uma humildade que vem acondicionada na coragem necessária de ser diferente dos tempos, mas fiéis à Bíblia.
JETRO: Muitos líderes das igrejas são profissionais já formados e experientes em suas áreas de origem. Não seria difícil uma pessoa com este perfil voltar para o banco da escola?
Resposta – Profissionais já formados e experientes, se são competentes, sabem que o que existe para aprender é sempre muito mais do que o que já sabemos. Se há apreço e amor pela Igreja de Cristo, pela qual ele verteu o seu próprio sangue; se há convencimento de que precisamos saber mais sobre os seus ensinamentos; haverá submissão a uma rotina de aprendizado, a um “retorno aos bancos”. Meu conselho é que tais cursos para a liderança leiga seja ministrado em meio expediente de sábados alternados e, talvez, uma noite em semanas alternadas. Pode ser que leve um tempo maior para o treinamento necessário, mas não é realista compatibilizar várias outras atividades, principalmente no caos de trânsito e deslocamento das grandes metrópoles, com um treinamento que apresente demandas de freqüência diária, ou muito amiúde.
JETRO: O que uma faculdade de teologia pode oferecer para um líder leigo que não pode ser substituído por algum outro tipo de capacitação?
Resposta – O ensino teológico em nível superior é normalmente ministrado por pessoas que levaram anos se preparando, estudando em detalhes as diretrizes da Palavra de Deus. Muitos cursos de capacitação, devido ao seu caráter voluntário e pouco sistemático, sofrem com inconstância na docência, ou na seriedade com que os participantes encaram as lições recebidas. Há menos leitura de obras relacionadas com a Igreja; há diluição ou ausência nos testes de aferição do aproveitamento; há menos tempo colocado na ministração das diversas áreas. No entanto, nem sempre é realista achar que um líder leigo conseguirá separar o tempo necessário a um treinamento teológico em nível superior.
JETRO: E a respeito dos pastores? Em sua opinião, qual a maior necessidade de conhecimento da atual liderança pastoral evangélica?
Resposta – É uma necessidade tripla. Os pastores precisam estudar mais teologia sistemática e bíblica – as doutrinas derivadas do ensinamento da Palavra de Deus. Muitos estão se esmerando no estudo da psicologia, ou da manipulação de massas – mas o Povo de Deus anseia por aqueles que tenham um sólido alicerce teológico e não fiquem ao sabor dos “ventos de doutrina”, tão velozes e destruidores nos nossos dias. A segunda necessidade é a de se aprofundarem e provarem a sua vocação na prática pastoral. Numa era onde as mega-igrejas são glorificadas, chamado pastoral tem sido confundido com competência empresarial. Observamos distanciamento, em vez de aproximação do rebanho. A terceira área é encontrada na prática da pregação. Temos observado que o papel da pregação vem sendo a cada dia mais negligenciado. O “louvor” em vez de ser entrelaçado aos vários elementos do culto, vem se transformando em um show de virtuosismo de poucos, ou de uma catarse coletiva de emotividade, sendo sempre sacrificada a pregação da Palavra – quando a Bíblia nos ensina que ela é o veículo de crescimento em entendimento e meio de conversão de pecadores. Nessa área, o grande passo que as Faculdades Teológicas e instituições congêneres de ensino superior teológico deveriam dar, é retornar ao ensino da pregação expositiva – onde textos completos são expostos, explicados e aplicados à situação dos fiéis. É o grande antídoto à multidão de pensamentos aleatórios, personalistas e anti-bíblicos que permeiam os nossos púlpitos.
12 comentários
comentáriosSolano e amigos,
ResponderDesde cedo me interessei por saber mais da Bíblia e isso me levou a estudar teologia pelos livros. Tenho inúmeras obras. Mais de 500 volumes,na verdade não sei o certo, perdi a conta, na minha estante.
Houve um crescimento no meu entendimento de tudo concernente ao que é mais importante, minha vida espiritual. Agradeço a Deus por homens que se doaram na tarefa de produzirem a boa literatura evangélica.Editora como PES, FIEL, CEP e alguns agora lançados por editoras mistas como Hagnos, Editora Vida, Edições Vida Nova e CPAD(!).
Eu sou um leigo evangélico apaixonado pelo Evangelho de Cristo. Consciente que o estudo teológico não é para pastores e doutores da igreja. Mas para toda Igreja. Que pena que a mentalidade do evangélico comum é tão arraigada no pensamento de que teologia é coisa para pastores e olhe lá.
Não apenas uma vez quando na livraria me perguntaram se eu estava estudando para ser pastor. Retruco é só pastor que tem de estudar teologia? É, ainda é verdade " O meu povo perece por falta de entendimento". Aprendi nesses anos que conhecimento não traz sabedoria. Assim como dinheiro não traz felicidade. Mas é muito néscio querer ser miserável, ou no mínimo, um tipo tresloucado de preguiça.
Tenho um dívida com você, Solano, obrigado pela sua lealdade ao Evangelho. Saiba que a nossa perseverança nunca é só. Tem sempre um irmão mais novo na fé que nos tem por exemplo. E tudo isso redunda em glória para Deus.
Emerson Costa- PVH-RO
Caro Emerson:
ResponderObrigado por seu comentário e palavras de encorajamento. Você está certíssimo em procurar se aprofundar nas "questões últimas" da nossa existência. Muitos julgam, erroneamente, que isso aliena, quando é exatamente o contrário - nos integra mais no restante da vida e nos permite viver ao máximo, com propósito e consciência plena de quem somos, para onde vamos e a quem devemos.
Um abraço,
Solano
Olá Solano, assim como o amigo anônimo também me interesso por teologia mesmo não sendo pastor ou seminarista.
ResponderEsses últimos dias me deparei com a questão da crítica textual do Novo Testamento e gostaria de saber duas coisas. Qual a relevância da crítica textual para um bom estudo bíblico?
E a segunda é, como ter uma posição moderada, biblicamente fundamentada, mas diferente dos fundamentalistas tão radicais (como os que só lêem a Almeida Corrigida e Fiel, dizendo que todas as outras são falisificações fraudulentas e heréticas)?
Prezado Solano,
ResponderEu mesmo antes de me converter mal lia legenda.
Mas inflamado por homens de DEUS fui instigado
a ler e aprender mais e em mais fontes, o máximo
do que é minha verdadeira felicidade: CRISTO!
Cito um dos livros que "bebi" recentemente.
Deus é o Evangelho de John Piper, lá aprendi, por
exemplo, que o céu sem Cristo jamais seria céu!
Bem, se eu fosse para São Paulo me informaria sobre a cidade, suas possibilidades, comida, etc.
Logo, leio a Bíblia e tudo o que me ajuda a entendê-la melhor, mais fácil e mais rápido, pois
vou para o céu mas não sei a hora do vôo.
Enquanto espero, aprendo sobre minha casa!
Cordialmente,
Carlos Henrique.
Caro Solano
ResponderMudando um pouco de assunto, sugiro um post sobre o sistema penal barsileiro, uma vez que já falamos da violencia urbana quase à exaustão, refiro-me a recente prisão-soltura-prisão do banqueiro Daniel Dantas.
Grato
Cleber Leite
Para falar sobre a minha experiência pessoal com este assunto, o interesse pelo estudo da Bíblia, que graças a Deus tenho desde a infância, preciso primeiramente elogiar a Escola Dominical (EBD): uma boa escola dominical, desde a infância, faz uma enorme diferença, e da IPB é muito boa. Agradeço a Deus por ela, por considerá-la um grande start pessoal.
ResponderAo longo dos anos, sempre procurei desenvolver por mim mesmo meus conhecimentos neste assunto. Quando adolescente, por exemplo, o que mais me interessava era a Escatologia (junto com os X-Men ...), e com o passar do tempo, outros assuntos mais fundamentais, bem como o legado histórico da Reforma, da qual sou descendente, me interessaram muito. Até cheguei a pensar em fazer teologia, e ainda hoje sinto esta vontade (de fazer o bacharelado no Mackenzie) pois seria simplesmente um desenvolvimento natural do meu amor por estudar as Escrituras.
Contudo, o meu meio de trabalho é outro: Computação. Sou computólogo, gosto da minha profissão (graças a Deus), e quero me aplicar mais nisso. Preciso e gosto de me aplicar nisso.
O maior obstáculo que vejo para estudar mais profundamente Teologia como eu gostaria, além do dinheiro (pois alguns livros são caros), é o tempo. Como falei, sou computólogo, e tenho que me aplicar nesta profissão. Por mais que eu ame a Bíblia e goste de Teologia, e reserve um tempo todos os dias para meditar nas Escrituras, não consigo fazer isso todo o tempo, pois simplesmente tenho que trabalhar. Mas o sr. já comentou isso no post, reconhecendo este problema.
Mesmo assim, senti um chamado de Deus (olha "o chamado" aí) para dar aulas na EBD da Igreja que sou membro hoje, e desta forma, me obrigo mais a gerenciar o meu tempo para estudar os assuntos que preciso falar. Tem sido muito bom, tanto para mim pois tenho aprendido muito, e graças a Deus para o pessoal que assiste as minhas aulas.
Pelo menos, foi isso que me falaram hehehehehe
Espero quem sabe um dia fazer um curso de bacharelado em teologia. Enquanto isso, e de acordo com o tempo que tenho, nunca vou deixar de estudar e nem de reconhecer a importância de se aplicar nos estudos. Creio que Deus se alegra quando seus filhos fazem isso, e se mais pessoas fizessem isso, problemas poderiam ser evitados.
Obrigado pelo post.
Prezado Pastor Solano, muito obrigado pela contribuição que o vosso blog faz para a cristandade que preza as Escrituras. Sou pastor leigo (não tenho diploma teológico) mas sempre me dediquei ao estudo da teologia, fui muito abençoado com esta postagem.
ResponderNos tempos que vivemos, muitos púlpitos esqueceram-se de 2 Tm. 4. 1-2. Não falo como um crítoco irresponsável, mas como um mero pecador que pela GRAÇA, PURA GRAÇA foi salvo e recebeu o chamado para ser pastor e mestre no precioso rebanho de Cristo.
Deus te abençoe e guarde.
Pr. Roberio Olinto.
Igreja Batista Regular – João Pessoa PB.
Pr. Solano,
Responder"Os pastores precisam estudar mais teologia sistemática e bíblica – as doutrinas derivadas do ensinamento da Palavra de Deus. Muitos estão se esmerando no estudo da psicologia, ou da manipulação de massas – mas o Povo de Deus anseia por aqueles que tenham um sólido alicerce teológico e não fiquem ao sabor dos “ventos de doutrina”, tão velozes e destruidores nos nossos dias". Acredito que esta frase do irmão revela muito do vem acontecendo hoje no meio evangélico. Parabéns pela entrevista e pela postagem.
Graça e Paz
Juber
Caros amigos,
ResponderExtremamente oportunas e urgentes as colocações do Pb Solano.
As oportunidades devem ser abertas para aqueles que não se dedicaram ao ministério pastoral, mas desejam trabalhar na obra. Afinal, se temos plenas condições de estudar e ter sucesso em nossas profissões seculares, por que não podemos ser úteis com o conhecimento da teologia. Não há razão para esse conhecimento essencia às nossas vidas ficar restrito a bacharéis em teologia.
Os seminários presbiterianos, entendendo essa necessidade, têm oferecido excelentes cursos de liderança à distância e pela internet.
Graças a Deus por sua vida, Solano.
Um abraço a todos.
Pb Alexander Boechat.
Caro Presbítero Solano, fico feliz com este artigo a respeito do estudo Teológico.Fiz quase dois anos de Teologia no Mackenzie e sou Pb, e o que gostaria aqui de ressaltar é uma questão que tem me preocupado, é que muitos dos nossos pastores, tem se preocupado demais com a Teologia e suas teses, e deixado um pouco de lado seu ministério pastoral , não quero dizer que isso não seja importante, ao contrário, o que quero dizer com isso é que muitos tem se tornado pastores de gabinete, preocupados com suas posições Teológicas e com isso tem deixado de lado o pastoreio de suas ovelhas. Outros por sua vez, procuram passar, através de "estudos bíblicos" os conhecimentos aquiridos em seus estudos Teológicos, esquecendo-se da simplicidade do ensino da palavra de Deus.Creio que o cerne de tudo isso está em sua resposta sobre a necessidade tripla, creio sim que devemos nos esmerar no conhecimento do nosso DEUS, mas com a preocupação plena e absoluta em levá-lo ao rebanho de forma prática, assim como fez o Senhor Jesus. Há necesside de termos o cuidado de não levarmos aos púlpitos o academicismo infundado com bases que permeiam o liberalismo, ou ainda querer mostrar simplesmente seus "conhecimentos Teológicos".
ResponderCaro Pb. fica aqui minha gratidão a Deus pelo seu ministério.
Me desculpe pastor Solano, mas na terceira pergunta o senhor dá importância à exegese e secundariza o ensino das línguas bíblicas. Não vejo como fazer uma boa exegese sem conhecer tais línguas, ou se fica "comendo pelas mãos dos outros". Entendi errado?
ResponderAproveito para ressaltar meu último post, em que trato justamente da questão central do seu.
http://daladier.blogspot.com
Este é um post digno de virar livro...
ResponderParabêns pela sabedoria!
Cursos de Teologia à Distância