segunda-feira, novembro 04, 2013

Augustus Nicodemus Lopes

Afinal, o que é orar?

[Alguns vão estranhar que um calvinista escreva sobre oração e mais ainda se eu disser que costumo orar todo dia... mas, aqui vai]


Orar a Deus deveria ser uma coisa simples. Todavia, poucos assuntos precisam de mais esclarecimentos do que a oração. Há muitos conceitos errados sobre a oração por causa do misticismo e da superstição que acometem o ser humano (não somente os brasileiros), por falta de mais conhecimento bíblico sobre o assunto e por causa de ideias equivocadas que as pessoas têm sobre Deus. Seguem alguns pontos sobre oração que penso que são fundamentais e também relevantes para nós hoje. Estou pressupondo o básico: quem vai orar acredita que Deus existe e que Ele recompensa os que o buscam (Hb 11.1-2 e 6). 

1 – Orar é basicamente apresentar a Deus, mediante Jesus Cristo e com a ajuda do Espírito Santo, nossos desejos, necessidades, confissão de pecados, intercessões, agradecimentos. A razão é que somente o Deus Triúno conhece nossos corações, é capaz de atender os pedidos e o único que pode perdoar pecados. Portanto, não há qualquer fundamento bíblico para dirigirmos nossas orações a quaisquer criaturas, vivas ou mortas, mas somente ao Deus Triúno (2 Sm 22:32; 1Rs 8:39; Is 42:8; Sl 65:1-4;145:16,19; Mq 7:18-20; Mt 4:10; Lc 4:8; Jo 14:1; At 1:24; Rm 8:26-27; Jo 14:14 e dezenas de outros textos que falam de nos dirigirmos a Deus).

2 – O Novo Testamento nos ensina que devemos orar a Deus em nome de Jesus Cristo. A razão é que o pecado nos afastou de Deus e não podemos nos aproximar dele por nossos próprios méritos. Jesus Cristo é o único, na terra e no céu, que foi constituído pelo próprio Deus como mediador entre ele e os homens. Não há qualquer base bíblica para se chegar a Deus em oração pela mediação de qualquer outro nome. A Bíblia nos ensina que “não há outro nome dado aos homens” (At 4:12) e que “há somente um mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo” (1Tim 2:5). (Ver ainda Jo 14:6; Ef 3:12; Cl 3:17;Hb 7:25-27;13:15).

3 – Orar em nome de Jesus é nos achegarmos a Deus confiados nos méritos de Jesus Cristo e no perdão de pecados que ele nos conseguiu por meio de sua morte na cruz. É pedir a Deus com base nos merecimentos de Cristo e não nos nossos. É renunciar a toda justiça própria e chegarmos esvaziados de nós mesmos diante de Deus, nada tendo para oferecer em nosso favor a não ser a obra daquele que morreu e ressuscitou por nós. Onde não houver esta disposição e atitude, invocar o nome de Jesus é vão. O nome de Jesus não é um talismã ou uma palavra mágica, ou a senha para desbloquear as bênçãos de Deus. Não funciona nos lábios daqueles que ainda confiam em si mesmos e na sua própria justiça, ainda que repitam este Nome dezenas de vezes em oração (Mt 6:7-8; 7:21; Lc 6:46-49; Jo 14:13,14; At 19:13-16; 1Jo 5:13-15; Hb 4:14-16).

4 – Embora possamos pedir a Deus qualquer coisa que desejarmos, todavia, só deveríamos orar por aquelas que trazem a maior glória de Deus, que promovem o crescimento do Reino de Deus neste mundo e que são para nosso bem, sustento, proteção, alegria, bem como de nosso próximo. Foi isto que Jesus nos ensinou a pedir na oração do “Pai Nosso” (Mt 6:9-13), além de outras coisas afins (Lc 9:11-13). Assim, é tentar a Deus orarmos por coisas ilícitas e pedir coisas que Ele declara, na Bíblia, serem contra a sua vontade (Tg 4:1-3; Mt 20:20-28).

5 – Em nossas orações, deveríamos nos lembrar de orar por outras pessoas. A Bíblia nos ensina a pedir a Deus pelos irmãos em Cristo, pela Igreja de Cristo em todo o mundo, pelos governantes, por nossos familiares e pessoas de todas as classes, inclusive pelos nossos inimigos. Todavia, não há qualquer base bíblica para orarmos pelos que já morreram ou oferecer petições em favor dos mortos (Gn 32:11; 2Sm 7:29; Sl 28:9; Mt 5:44; Jo 17:9 e 20; Ef 6:18; 1Tm 2:1-2; 2Ts 1:11; 3:1; Cl 4:3).

6 – Deus nos encoraja a trazer diante dele as nossas petições. Todavia, ainda que a eficácia de nossas orações dependa exclusivamente dos méritos de Cristo, Deus nos ensina em sua Palavra que há determinadas atitudes nos que oram que fazem com que ele não atenda estas orações, como brigas entre irmãos, mundanismo e egoísmo, tratar mal a esposa, pecados ocultos, incredulidade e dúvidas, falta de perdão a quem nos ofende, hipocrisia, vãs repetições, entre outras coisas (Mt 5:23-24; Tg 4:1-3; 1Pe 3:7; Sl 66:18; Pv 28:13; Is 59:1-2; Tg 1:6-7; Mt 6:14-15; Mt 6:5; Mt 6:7-8). Por outro lado, se nossas orações são respondidas, isto não se deve à nossa santidade, mas à graça de Deus mediante Jesus Cristo, que nos habilita a viver de forma agradável a ele (1Jo 3:21-22), e ao fato de que as orações, por esta mesma graça, foram feitas de acordo com a vontade de Deus (1Jo 5:14).

7 – Deus requer fé da parte dos que oram (Hb 3:12; 11:6; Jer 29:12-14; Tg 1:5-8; 5:15). Esta fé é uma simples confiança de que Deus existe, que ele nos aceitou plenamente em Cristo e que é poderoso para nos dar aquilo que pedimos, ou então, nos dar muito mais do que imaginamos (Hb 4:14-16). Orar com fé é trazer diante de Deus nossas necessidades e descansar nele, confiantes que ele responderá de acordo com o que for melhor para nós (1Jo 5:14-15). Orar com fé não significa determinar a Deus que cumpra nossos pedidos, ou decretar, como se a oração tivesse um poder próprio, que estes pedidos aconteçam. Orações não geram realidades espirituais e nem engravidam a história. É Deus quem ouve as orações e é Ele quem decide se vai respondê-las ou não, e isto de acordo com sua vontade e propósito de sempre nos fazer bem.

Se houvesse mais oração verdadeira a Deus por parte dos que professam conhecê-lo mediante Jesus Cristo, quem sabe veríamos aquele avivamento e reforma espirituais que tanto desejamos para nossa pátria?

“Se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos, então, eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra” (2Cron 7:14).

Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:

Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.

O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.

O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.

12 comentários

comentários
Unknown
AUTOR
4/11/13 01:18 delete

Excelente post, Augustus. O senhor tem me abençoado muito com seus sermões e textos. Mas seguindo a fé Reformada, só tenho uma pergunta a ser feita (que sempre sou questionado mas nunca soube responder): Se Deus vai salvar os eleitos, devemos orar pela conversão das pessoas? Se sim, por quê?

Abraço e Deus continue te abençoando.

Responder
avatar
4/11/13 01:32 delete

Oi, Rafael,

Estes dois textos abaixo explicam direitinho:

http://sw.desiringgod.org/resource-library/articles/the-sovereignty-of-god-and-prayer?lang=pt

http://www.monergismo.com/textos/soberania_divina/soberania_oracao_pink.pdf

Espero que ajude.
Abs.

Responder
avatar
Machado
AUTOR
4/11/13 08:37 delete

Paz rev. Augusto!!
Sobre oração, não consigo entender muito bem uma questão: A oração pode mudar a vontade de Deus? Como explicar o que ocorreu com Ezequias? Deus havia falado que ele iria morrer, mas depois da oração, parece que Deus voltou atrás na sua palavra e concedeu mais 15 anos de vida.
Como podemos explicar isso?(sempre que sou questionado, não tenho uma resposta).
Muito obrigado
Fica com DEUS

Responder
avatar
Unknown
AUTOR
4/11/13 10:48 delete

Dr. Augustus Nicodemus, o Senhor Deus eterno tem me abençoado grandemente através da sua vida, dos seus ensinamentos. Deus te abençoe a cada dia em Cristo Jesus, nosso salvador.

Responder
avatar
4/11/13 12:14 delete

Rafael G., quando escuto isto devolvo a seguinte pergunta:

Já que quem escolhe é a própria pessoa e não Deus, devemos orar pela conversão dessa pessoa? Seria lícito pedir para Deus violar ou mudar a vontade da pessoa, fazendo-a "aceitar a Cristo"? Mas nesse caso quem escolheu foi a pessoa ou foi Deus?

Responder
avatar
Amanda Cali
AUTOR
4/11/13 13:10 delete

Exitem "boatos" ou comentários de que calvinistas não oram?
Nunca ouvi falar sobre isso, mas fiquei chocada quando o Sr. disse que alguns poderiam achar estranho o Sr. escrever sobre oração!

Responder
avatar
4/11/13 15:00 delete

Rev Augustus, Graça e Paz.

Estou lendo seu livro sobre batalha espiritual e é muito enriquecedor. Venho louvar a Deus por sua vida e lhe perguntar uma opinião. Frequento algumas reuniões de uma associação chamada Adhonep, focada em levar o evangelho a homens de negócios, universitários e empresários. Não é ligada a uma igreja específica, mas tem orientação pentecostal (o chamado evangelho pleno). O Sr já ouviu falar? Se sim, o que achou da doutrina?

Espero ansiosamente sua resposta.

Deus te abençoe.

Responder
avatar
5/11/13 11:49 delete

reverendo gostaria que senhor nos trouxesse um estudo comparado sobre Fé nos evangelhos e a fé no restante dos livros do NT como atos e as epístolas por que as vezes fico em dificuldade em defender a fé ensinada nas epístolas como um dom de Deus ao pecador com aquela que é apresentada nos evangelhos que parece ser fruto do esforço humano para crer em milagres .

ficaria muito muito feliz mesmo se pelo menos o senhor lesse o que escrevi e mais ainda se poder atender

Responder
avatar
Jaime Alves.
AUTOR
7/11/13 10:35 delete


A fé é o dispositivo
a oração o condutor
o amor a condição
e Deus é a resposta

Orar é conscientizarmos de nossas vulnerabilidades
e conscientes das mesmas,
fortalecermos daquilo que não depende de nossas forças.

A oração nos permite compreender
que nossos recursos não são soberanos
e que nossa força jamais pode estar focada em nós mesmo.

Ainda que possamos solucionar alguns problemas,
é imprescindível que tenhamos a consciência
de que o simples dom da vida
se dá pelo fato de que tal dádiva
nos foi dada a revelia de nosso direito de tê-la.

E Àquele que nos concedeu tal direito
tem o direito de revogá-lo a hora que lhe bem convir.

Por isto,

Antes de acreditar que possuímos algo
devemos apenas contentar com o ar que respiramos
por mais que muito mais desejamos.

Somos apenas aquilo que alguém permite que o sejamos.



Responder
avatar
7/11/13 17:55 delete

Amigos, respondo a algumas indagações neste único comentário:

Machado,

A profecia de Isaías, a oração de Ezequias e a mudança de planos estava tudo dentro do que Deus havia planejado desde o início. Ao final, era aquilo mesmo que Deus havia desejado.

O que acontece é que Deus, quando se relaciona conosco, fala como se estivesse ele mesmo no tempo e no espaço e seguindo a seqüência histórica dos eventos, para que possamos compreender melhor.

Abs.

Charles,

Perfeitamente, se acreditamos que a escolha de aceitar a Cristo é algo totalmente do homem, orar a Deus para que faça uma pessoa escolher a Cristo seria violar o livre arbítrio dele.

Abs.

Amanda,

Calvinistas oram, sim. É que alguns amigos pensam que somos engessados por acreditarmos na soberania de Deus. Para que orar se Deus já decretou tudo que existe? perguntam eles.

Abs.

Sandro,

Não há contradição. Tanto os Evangelhos quanto as cartas dizem a mesma coisa. A diferença é que nas cartas a ênfase é na fé salvadora no Cristo ressurreto. Nos Evangelhos a ênfase é a fé no Cristo encarnado e que estava entre nós e que fazia milagres entre os que o acompanhavam. Mas ao final, a fé é sempre um dom de Deus.

Abs.

Responder
avatar
Unknown
AUTOR
7/11/13 21:44 delete

Graça e paz!
Como sempre, muito esclarecedor.

Responder
avatar
Unknown
AUTOR
4/2/14 09:42 delete

Sr. Márcio Lopes.
A vontade de Deus é soberana, mas como todo pai, as vezes cede a uma vontade do filho de tanto ele pedir, isso chama-se a "vontade permissiva de Deus" que foi o que aconteceu com Ezequias,isso também pode nos acarretar problemas, assim como ocorreu com Ezequias, apesar de ter conseguido 15 anos a mais na sua vida, esses 15 anos foram bem atribulados.

Responder
avatar