sábado, outubro 28, 2006

Augustus Nicodemus Lopes

C.S.Lewis, "A teologia moderna e a crítica da Bíblia"

Por  
[Esse post não é da autoria de nenhum de nós (imagina!). É o texto clássico do C.S. Lewis sobre mitos na Bíblia. É publicado aqui para ajudar nossos leitores.]

A antiga ortodoxia tem sido solapada principalmente pela obra deletéria de teólogos engajados na crítica do Novo Testamento. A autoridade de especialistas naquela disciplina é a autoridade em deferência à qual somos solicitados a desistir de um imenso acúmulo de crenças compartilhadas em comum pela Igreja primitiva, pelos pais da Igreja, pela Idade Média, pela Reforma Protestante, pelos pregadores do século 19. Quero explicar aqui o que me deixa cético quanto a essa autoridade, ignorantemente cético, conforme muitos diriam após um exame superficial da questão. Mas o ceticismo é o pai da ignorância. É difícil alguém perseverar em um estudo detalhado quando tal estudioso não pode confiar prima facie em seus mestres.

Em primeiro lugar, o que quer que esses homens possam ser como críticos da Bíblia, desconfio deles como críticos. A mim parece que são fracos quanto a um bom juízo literário, mostrando-se incapazes de perceber a própria qualidade dos textos que examinam. Pode parecer isso uma estranha acusação contra indivíduos que têm estudado esses livros a sua vida inteira. Mas talvez precisamente aí resida a dificuldade deles. Um homem que passou toda a sua juventude e idade adulta fazendo pesquisas minuciosas nos textos do Novo Testamento e nos estudos de outros homens sobre estes textos, cuja experiência literária sobre aqueles textos ressente-se de quaisquer padrões de comparação que só podem desenvolver-se após uma ampla e profunda e genial experiência com a literatura em geral, conforme penso, tende muito a perder de vista as questões óbvias envolvidas. Se tal homem chega e diz que alguma coisa, em um dos evangelhos, é lendária ou romântica, então quero saber quantas lendas e romances ele já leu, o quanto está desenvolvido o seu gosto literário para poder detectar lendas e romances, e não quantos anos ele já passou estudando aquele evangelho. Porém, provavelmente seria melhor eu citar exemplos.

Em um comentário que atualmente já é bastante antigo, li que o quarto evangelho é considerado por certa escola crítica como um “romance espiritual”, como “um poema, e não uma história”, que deve ser aquilatado pelos mesmos cânones que a parábola de Natã, o livro de Jonas, o Paraíso Perdido, ou, mais exatamente ainda, o Peregrino de John Bunyan. Depois que um crítico faz essa declaração, por qual motivo daríamos atenção a qualquer coisa que ele ainda possa dizer sobre qualquer livro do mundo? Notemos que este autor considerou o Peregrino, uma história que professa ser um mero sonho e que exibe sua natureza alegórica da maneira mais explícita, como o mais chegado paralelo do evangelho de João! Notemos também que tal autor nem deu atenção ao fato de que Milton não escondeu estar escrevendo uma poesia épica. Mas mesmo que deixemos de lado esses absurdos mais grosseiros e nos apeguemos ao livro de Jonas, ainda assim a insensibilidade desse autor é crassa – pois disse ele que Jonas é apenas um conto, sem quaisquer pretensões de historicidade, um incidente grotesco e certamente não destituído de uma veia humorística tipicamente judaica, embora, sem dúvida, distintivamente edificante. Voltemo-nos, em seguida, para o evangelho de João. Leiamos os seus diálogos: aquele entre Jesus e a mulher samaritana, à beira do poço, ou então aquele outro, após a cura do cego de nascença. Examinemos em seguida os seus quadros mentais: Jesus (se me é permitido usar o termo) a escrever na areia com Seus próprios dedos; a inesquecível observação hvn dev nux (João 13.30), “E era noite”. Sim, tenho lido poemas, romances, literatura acerca de visões, lendas e mitos a vida toda. Sei com o que esse tipo de literatura se parece. Sei que em todo esse tipo de literatura não há nada que chegue à altura do quarto evangelho. Acerca do texto do quarto evangelho só são cabíveis dois pontos de vista. Ou trata-se de uma reportagem – que se aproxima extraordinariamente dos fatos ocorridos, conforme disse Boswell. Ou então, algum escritor desconhecido, no século 2º d. C., sem quaisquer antecessores ou sucessores conhecidos, de súbito antecipou a técnica inteira da narrativa moderna, noveles-ca, realista. Se o evangelho de João é veraz, então deve ser alguma narrativa dessa categoria. O leitor que não puder perceber isso, simplesmente ainda não aprendeu a ler.

Na obra de Bultmann, Theology of the New Testament (pág. 30), encontramos um outro exemplo do que estamos ressaltando. Disse ele: “Observemos de que maneira não-assimilada a predição sobre a parousia (ver Marcos 8.38) segue-se à predição sobre a paixão (Marcos 8.31).” O que Bultmann pode ter querido dizer? Não-assimilada? Bultmann acreditava que as predições acerca da parousia eram mais antigas que as predições a respeito da paixão. Por conseguinte, ele queria acreditar – e sem dúvida assim acreditava – que quando ocorriam as duas menções em uma mesma passagem, é que alguma dis-crepância ou ‘não-assimilação’ seria perceptível entre elas. Mas por certo ele impingiu isso sobre o texto sagrado com uma chocante falta de percepção. Pedro acabara de confessar que Jesus era o Ungido. O relâmpago de glória nem se apagara ainda quando começou aquela tenebrosa predição – o Filho do homem haveria de sofrer e morrer. E, então, o tremendo contraste foi reiterado. Pedro, embora tendo-se elevado por um momento, através de sua confissão do messiado de Jesus, chegou a tropeçar: e Jesus o repreendeu com aquelas terríveis palavras, “Arreda! Satanás.” E então, em meio à momentânea ruína em que Pedro se transformou (o que sucedeu com certa freqüência), a voz do Mestre, voltando-se para a multidão, generalizou a lição moral. Todos os seguidores de Jesus precisam carregar a sua própria cruz. Esse receio diante do sofrimento, essa autopreservação, não corresponde às realidades da vida. Em seguida, de maneira melhor definida ainda, soou a convocação ao martírio. Ninguém pode desviar-se do reto caminho. Se alguém negar a Cristo aqui e agora, Cristo haverá de negá-lo na outra vida. Lógica, emocional e imaginativamente, a seqüência mostra-se perfeita. Somente um Bultmann poderia pensar de outra forma, com sua Crítica de Forma.

Finalmente, meditemos no que saiu da pena desse mesmo Bultmann: “A personalidade de Jesus não tinha qualquer importância para a pregação de Paulo ou de João... De fato, a tra-dição da igreja primitiva nem ao menos preservou inconsistentemente um quadro descrito de Sua personalidade. Toda tentativa para reconstruir esse quadro tem permanecido como um jogo de imaginação subjetiva”.

Portanto, na opinião da crítica destrutiva o Novo Testamento não nos apresenta qualquer personalidade de nosso Senhor. Através de qual estranho processo aquele erudito alemão entrou, a fim de tornar-se cego para aquilo que todos os homens vêem, menos ele? Qual evidência existe de que ele reconheceria uma personalidade, se tivesse de defrontar-se com ela? Pois o caso é de um Bultmann contra mundum. Se existe alguma coisa que os crentes sentem em comum, e até mesmo muitos incrédulos, essa coisa é que, nos evangelhos, deparamo-nos com uma extraordinária personalidade. Existem personagens que sabemos terem sido figuras históricas, mas acerca das quais sentimos que não possuímos qualquer conhecimento pessoal – conhecimento por meio da familiaridade. Poderíamos citar entre esses vultos pessoas como Alexandre, Átila ou Guilherme de Orange. Existem outros vultos que não reivindicam qualquer realidade histórica, a despeito do que nós os conhe-cemos como conhecemos pessoas reais, como Papai Noel, Tio Sam ou Super-Homem. Mas existem apenas três personagens que, dotadas da primeira sorte de realidade, também possuidoras da segunda espécie de realidade. E certamente todos sabem de quem se trata: o Sócrates de Platão, o Jesus dos evangelhos e o Johnson de Boswell. Nossa familiaridade com eles exibe-se de diferentes maneiras. Assim, quando nos pomos a ler os evangelhos apócrifos, surpreendemo-nos constantemente a dizer acerca desta ou daquela declaração ou logion: “Não. Temos aqui uma boa declaração. Mas não pertence a Jesus. Não era assim que Ele costumava falar”.


Tão poderosa é a fragrância da personalidade que mesmo quando Jesus dizia coisas que – não fora o fato de Ele ser a própria encarnação da Deidade – pareciam espantosamente ar-rogantes, contudo, nós – e muitos incrédulos, por igual modo – aceitamos a Ele segundo a Sua própria avaliação. Para exemplificar, quando Ele declarou: “... sou manso e humilde de coração...” Até mesmo aquelas passagens do Novo Testamento que, superficialmente, e em intenção, dizem respeito à natureza divina, obscurecendo a natureza humana, levam-nos a enfrentar a personalidade de Jesus. Não tenho a certeza se essas passagens fazem isso mais do que outras. “... o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam... a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo...” (1João 1.1-3). Qual é a vantagem que alguém poderia obter por tentar evitar ou dissipar esse avassalador senso de contato pessoal com Jesus, quando esse alguém refere-se “àquela significação que a igreja primitiva encontrava e que se sentia impelida a atribuir ao Mestre”? Declarações assim esbofeteiam-me o rosto. Não devemos pensar no que aqueles cristãos sentiram-se impelidos a fazer, mas podemos comparar tais impressões com as im-pressões impessoais de um artigo escrito por algum autor da escola da Alta Crítica, ou de um obituário, ou de alguma obra como Life and Letters of Yeshua Bar-Yosef, em três volu-mes, acompanhada por fotografias antigas.

Esse, pois, é o meu primeiro balido. Esses homens pedem-me que eu acredite que eles po-dem ler entre as linhas dos textos antigos; mas todas as evidências levam-me a notar a ób-via incapacidade deles de lerem (em qualquer sentido digno de discussão) as próprias li-nhas. Eles afirmam poder ver coisinhas minúsculas, mas não podem ver um elefante a dez metros de distância, em plena luz do dia.

Agora, o meu segundo balido. Toda teologia da categoria liberal envolve, em algum ponto – e, por muitas vezes, do começo ao fim –, a reivindicação que o real comportamento e o propósito dos ensinamentos de Cristo quase imediatamente vieram a ser mal compreendidos e distorcidos por Seus seguidores, e que somente os eruditos modernos puderam exumá-los ou recuperá-los. Ora, muito antes que me interessasse pelas questões teológicas, eu já havia encontrado esse tipo de teoria em outros lugares. A tradição de Jowett ainda dominava os estudos sobre a filosofia antiga quando comecei a ler as obras de Greats. Então, os leitores eram convidados a acreditar que o sentido real dos escritos de Platão havia sido mal entendido por Aristóteles, e loucamente travestido pelos filósofos neoplatônicos, e que tal sentido só foi redescoberto pelos pensadores modernos. E uma vez refeito esse significado, descobriu-se (mui afortunadamente) que Platão o tempo todo havia pensado como um Hegel inglês, ou melhor, como T. H. Green. E, em meus estudos pro-fissionais, encontrei essa idéia pela terceira vez. A cada nova semana algum esperto quartanista, a cada quinze dias algum embotado perito norte-americano, vem descobrir, pela primeira vez na história do mundo qual o sentido real de alguma peça de Shakespeare. Nessa terceira instância, entretanto, já sou uma pessoa privilegiada. A revolução que tem havido na maneira de pensar e sentir, ocorrida durante o curto período de minha vida, é tão grande que, mentalmente falando, pertenço mais ao mundo de Shakespeare do que ao mundo desses intérpretes recentes. Percebo-o, sinto-o nos meus próprios ossos, estou convicto, acima de qualquer argumento, de que a maioria das interpretações desses modernos pensadores é praticamente impossível. Tais interpretações envolvem uma maneira de considerar as coisas que era desconhecida em 1914, e, mais ainda, no período jacobeano. Isso confirma diariamente a minha suspeita quanto à abordagem dos críticos no tocante aos escritos de Platão ou do Novo Testamento. Essa noção de que qualquer homem ou escritor deveria ser opaco e imcompreensível para aqueles que viviam na mesma época, na mesma cultura, que falavam o mesmo idioma, que compartilhavam das mesmas habituais imagens mentais e pressupostos inconscientes, e que, no entanto, torna-se perfeitamente claro e transparente para aqueles que não dispõem de nenhuma dessas óbvias vantagens, em minha opinião, não passa de um imenso absurdo. Nessa noção há uma improbabilidade a priori que não pode ser contrabalançada por quase qualquer argumento e evidência.

Em terceiro lugar, descubro nesses teólogos o constante emprego do princípio que diz que os milagres nunca ocorrem. Isso quer dizer que qualquer declaração posta nos lábios de nosso Senhor, pelos textos antigos, se é que Ele a fez realmente, constituiria uma predição sobre o futuro, mas só foi registrada após a ocorrência daquilo que ela parecia predizer. Essa opinião pode parecer sensata para aqueles que julgam saber que jamais ocorrem predições inspiradas. Por semelhante modo, a rejeição de todas as passagens bíblicas que narram milagres como trechos não-históricos, pode parecer uma rejeição sensata para aqueles que pensam saber que os milagres, em geral, jamais ocorrem. Ora, não é meu propósito discutir aqui se os milagres são possíveis ou não. Tão-somente quero ressaltar aqui que essa é uma questão puramente filosófica. Os eruditos, enquanto eruditos, não falam a esse respeito com maior autoridade do que qualquer outra pessoa. O cânon que estipula, “se é miraculoso, não é histórico”, é uma regra que os críticos impõem aos seus estudos dos textos sagrados, e não um princípio que deduziram desses textos. E já que estamos falando em autoridade, a autoridade conjunta de todos os críticos bíblicos do mundo é aqui considerada como zero. Quanto a isso, os críticos falam apenas como homens; homens obviamente influenciados pelo espírito da época em que cresceram, espírito esse talvez insuficientemente crítico quanto às suas próprias conclusões.

Mas o meu quarto balido – que também é o mais longo e mais vocífero – ainda vem por aí.

Todo esse tipo de crítica tenta reconstruir a gênese dos textos estudados. Essa re-constituição busca quais documentos desaparecidos cada autor usou; quando e onde ele escreveu; com quais propósitos; sob quais influências – a Sitz im Lebenz (situação vivencial) inteira dos textos. E isso é efetuado com imensa erudição e com grande engenho e arte. À primeira vista, esses esforços são muito convincentes. Chego a pensar que eu mesmo poderia ser convencido por tais argumentos, não fora um certo encantamento mágico que sempre trago comigo – uma certa erva fabulosa, de propriedades mágicas – e que uso com sucesso contra tais engodos. Aqui, o leitor precisa desculpar-me se estou falando de mim mesmo por alguns instantes. Pois o valor daquilo que digo depende de ser ou não evidências colhidas em primeira mão.

O que me protege definitivamente de todas essas reconstituições feitas pelos críticos é o fato de que tenho visto todas as tentativas deles do outro lado do prisma. Tenho observado os revisores reconstituírem a gênese de meus próprios livros, exatamente dessa forma.

Enquanto um escritos não acompanha o processo, no caso de seus próprios livros, ele difi-cilmente acredita que tão pouco de revisão ordinária é usada pelos críticos. Eles não avaliam, nem elogiam, nem censuram o livro que estão criticando. Quase tudo quanto fazem é utilizarem-se de histórias imaginárias acerca do processo mediante o qual o escritos em pauta teria atuado. Os próprios vocábulos que esses revisores usam, ao elogiar ou censurar a obra, com freqüência dão a entender o que eles fazem. Eles elogiam uma passagem “espontânea” e censuram outra passagem como “elaborada”. Em outras palavras, pensam ser capazes de saber que o escritor escreveu uma dessas passagens currente calamo (“ao correr da pena”), ao passo que a segunda, invita Minerva (“contra a vontade de Minerva”), ou seja, sem destreza técnica e sem sabedoria.

Qual o pequeno ou nenhum valor dessas reconstituições, feitas pelos críticos, aprendi desde cedo em minha carreira. Eu havia publicado um livro de ensaios. Aquele foi um livro para o qual me preparei de todo o coração, que tanto mexeu comigo e que escrevi com o mais agudo entusiasmo, acerca da personalidade de William Morris. No entanto, logo na primeira crítica que li a respeito, o revisor afirmava que era óbvio que eu tinha escrito sobre essa personagem sem ter demonstrado o mínimo interesse por ela. Que o leitor não me compreenda mal. Acredito agora que o tal crítico tinha razão ao pensar que o ensaio sobre William Morris foi muito ruim; pelo menos todos concordaram com ele. Mas aonde ele estava totalmente equivocado foi ao imaginar as causas que teriam produzido tão embotado ensaio.

Bem, o fato é que isso me deixou com a pulga atrás da orelha. Desde então, tenho vigiado, com alguma preocupação, histórias imaginárias similares, tanto acerca de meus próprios livros como acerca de livros de meus amigos, cuja história real eu saiba. Os revisores, tanto os amigáveis quanto os hostis, pespegam sobre os autores essas invencionices, fazendo-o com grande desenvoltura e confiança própria; dizem quais eventos públicos teriam tido influência direta sobre a mente dos autores, quanto a isso ou quanto a aquilo, quais outros autores tê-los-iam influenciado, quais teriam sido suas intenções globais, qual tipo de audiência os autores estariam visando, e por que e quando os autores fizeram tudo quanto fizeram.

Ora, antes de tudo preciso deixar registradas as minha impressões; e só então, em distinção a isso, poderei asseverar o que sou capaz de dizer com certeza. Minhas impressões são que, na totalidade de minha experiência, nenhuma dessas tentativas de adivinhação dos críticos tem estado ao lado da razão, e que tal método exibe um recorde de cem por cento de fracasso. Alguém poderia esperar que, devido à mera chance, os críticos acertassem tão freqüentemente quanto erram o alvo. Mas a minha nítida impressão é de que eles nunca acertam. Não consigo lembrar de um único acerto deles. Porém, visto que não tenho feito anotações cuidadosas a respeito, minhas meras impressões podem estar equivocadas. O que penso que posso afirmar com toda a certeza é que, usualmente, eles se equivocam...

Ora, sem dúvida esses fatos deveriam fazer-nos parar para refletir. A reconstituição da his-tória de um texto qualquer, quando esse texto é antigo, pode parecer deveras convincente. Em tal caso, entretanto, quem queira provar o contrário estará malhando em ferro frio, pois os resultados obtidos não poderão ser cotejados com os fatos. A fim de averiguarmos quão fidedigno é esse método, que mais poderíamos pedir senão que se examine uma instância, onde o mesmo método foi usado em obras que podemos examinar, por serem recentes? Pois bem, é precisamente isso que tenho feito. E, quando assim fazemos, então descobrimos que os resultados são sempre ou quase sempre errados. Os “firmes resultados da erudição moderna”, na sua tentativa de descobrir por quais motivos algum livro antigo foi escrito, segundo podemos facilmente concluir, só são “firmes” porque as pessoas que sabiam dos fatos já faleceram, e não podem desdizer o que os críticos asseguram com tanta autoconfiança. Os gigantescos ensaios em meu próprio campo, que procuraram reconstruir a história do livro Piers Plowman, ou o livro The Faerie Queene, provavelmente não pas-sam das mais puras tapeações.

Aventuro-me a comparar qualquer pretensioso que escreve uma crítica literária em uma revista semanal com os grandes eruditos que consagraram suas vidas inteiras ao estudo pormenorizado do Novo Testamento? Se aqueles primeiros sempre se equivocam, segue-se daí que estes últimos não podem sair-se melhor em seu trabalho?

Há duas respostas para essa indagação. Em primeiro lugar, apesar de respeitar a erudição dos grandes críticos das Escrituras Sagradas, ainda não estou persuadido que o juízo deles deva ser igualmente respeitado. Em segundo lugar, consideremos com quantas avassaladoras vantagens iniciam os meros revisores. Eles procuram reconstituir a história de um livro escrito por alguém cuja língua pátria é a mesma que a deles; por alguém que é um contemporâneo, educado como eles o foram, que vivem mais ou menos na mesma atmosfera mental e espiritual. Contam com tudo quanto pode ajudá-los. A superioridade no terreno do julgamento e da diligência que se poderia atribuir aos críticos da Bíblia terá de ser sobre-humana, se tiver de contrabalançar o fato de que por toda parte precisam enfrentar costumes, linguagens, características étnicas, pano de fundo religioso, hábitos de composição e pressupostos básicos que nenhuma erudição jamais poderia capacitar qualquer pessoa viva a saber com tanta certeza, intimidade e instinto, como os meros re-visores de obras contemporâneos são capazes de atuar. E pelas mesmas razões, lembremo-nos de que os críticos da Bíblia, sem importar quais reconstituições imaginaram, jamais poderão estar comprovadamente equivocados. Marcos já morreu. E quando encontrarem Pedro, haverá questões mais urgentes a serem debatidas.

Naturalmente, o leitor poderá dizer que esses revisores de obras contemporâneas são tolos, por tentarem adivinhar como algum livro, que eles não escreveram, foi escrito por outrem. Eles supõem que alguém escreve uma história, tal como eles mesmos tentariam escrever uma história; e o fato de tentarem realizar essa façanha, explica por que eles nunca produzi-ram qualquer história e a publicaram. Mas, e os críticos da Bíblia apareceram sob melhor luz quando confrontados com aqueles outros? O Dr. Bultmann nunca escreveu um evangelho. As experiências de sua erudita, especializada e sem dúvida meritória vida realmente deram-lhe a capacidade de ler as mentes de homens que morreram faz muitos séculos, arrebatados como eles foram por aquilo que temos de considerar como a experiência religiosa mais central e atordoadora de toda a história humana? Não é uma incivilidade dizer – conforme admitiria o próprio Bultmann – que em todos os sentidos ele deve estar separado dos evangelistas por barreiras muito mais formidáveis – tanto espi-rituais quanto intelectuais – como nunca poderiam ser interpostas entre meus revisores e mim.
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quinta-feira, outubro 26, 2006

Mauro Meister

Procurando uma escola para meus filhos

Em 2002, Deus me deu a oportunidade de começar a trabalhar no campo da educação cristã escolar (chamo-a assim para que não se confunda o leitor com a idéia de que educação cristã é um campo que se limita à educação na escola dominical). Esta oportunidade me abriu imensos horizontes e me fez trilhar caminhos de grandes descobertas. Desde então, tornei-me um ‘militante’ da educação cristã escolar, ao lado de outros que Deus chamou para este ministério. Porém, ainda que alguns poucos sejam os ‘chamados’ para esta aventura, este é um ministério do corpo de Cristo que precisa, urgentemente, ser abraçado por todos. Creio que na educação cristã escolar reside um dos pontos de esperança para a mudança da nossa nação e para que os chamados evangélicos comecem a fazer alguma diferença neste país.

Digo isto porque a escola cristã verdadeira tem nas mãos a possibilidade de formar gerações inteiras com uma visão de vida e de mundo cristãs, o que muitas vezes não acontece na igreja. Nem sempre a conversão implica em uma mudança plena da forma como as pessoas enxergam toda a realidade. É por isto que continuamos a ver tanta ‘coisa estranha’ no meio evangélico.

Chegamos à época do ano em que as decisões sobre a vida escolar de nossos filhos precisam ser tomadas. Se alguma coisa vai mudar, é agora. Dentro em breve os jornais da cidade começarão a publicar as “dicas” sobre como escolher uma escola, que características devem ser observadas e que serviços uma escola moderna deve oferecer. As revistas de circulação nacional farão o mesmo, como todo ano, lançando seus desafios para os pais da nação em busca da escola ideal para seus filhos.

E os pais cristãos, devem ter algum critério para escolha da escola de seus filhos? Com certeza, sim. Sabemos que a situação da educação cristã em nosso pais é muito precária e o número de escolas cristãs é ainda diminuto em relação às necessidades que temos. Mas, em havendo a possibilidade de escolhas, o que devemos procurar em uma escola cristã?

Um compromisso inalienável com a Verdade , sabendo que toda a verdade é verdade de Deus e que a realidade do mundo a nossa volta deve ser inquirida com os olhos da Revelação Especial de Deus, as Escrituras. Só uma escola legitimamente cristã é capaz de fazer isto. Logo, é fundamental que os pais procurem reconhecer a filosofia da escola onde pretendem expor seus filhos a educação. Se é verdade o que Escritura diz, que Cristo deve ter a primazia em todas as coisas (Cl 1.18), isto deve incluir a educação escolar. Se é verdade o que a Escritura diz, que em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2.3), estes tesouros só podem ser plenamente descortinados com uma visão clara de Cristo. Se o fundamento teológico exposto por Calvino for verdadeiro, que o homem foi criado para conhecer a Deus, é na escola cristã que nossos filhos terão a melhor condição de fazê-lo.

O segundo compromisso essencial da escola cristã, que necessariamente deve acompanhar o primeiro, é o compromisso com o desenvolvimento intelectual do aluno. Logo, o serviço da escola cristã, exatamente por ser escola, deve enfatizar o desenvolvimento intelectual de seus alunos, para a glória de Deus. Escolas cristãs não podem ter apenas “fachada” de escola e promoverem uma educação desqualificada. A boa escola cristã deve buscar em todas as áreas de sua atuação a excelência acadêmica. Deve ficar estampado no ensino da escola cristã o fato de que ela não está ai simplesmente “servindo à vista, como para agradar a homens, mas como servos de Cristo, fazendo, de coração, a vontade de Deus.” (Ef 6.6)

Em terceiro lugar, a escola cristã deve buscar a excelência entre os Educadores Cristãos. A questão é muito simples: educação cristã, na sua essência, é feita por seguidores comprometidos com Cristo. Só o educador cristão pode entender e implementar os dois princípios acima de maneira completa.

É também fundamental que a escola cristã promova as experiências de aprendizado com o fim de que seus alunos alcancem o seu pleno potencial em Cristo, preparando o educando para uma vida de serviço cristão, compreendendo as suas responsabilidades com os pais, família, autoridades, nação e a criação de Deus como um todo. Procure saber se a escola busca envolver seus alunos no discipulado e se há uma preocupação de que as atividades curriculares apontem para o desenvolvimento do aluno.

Uma última questão a ser analisada é a Integridade Operacional. A escola cristã precisa ser conhecida pelo mais alto padrão de justiça e verdade em todos os seus processos administrativos. É uma incoerência para a comunidade e para o próprio aluno que sua escola cristã seja motivo de desconfiança em meio à sociedade. A integridade operacional da escola cristã precisa ser clara desde a sala de aula até os níveis mais altos de sua administração.

Onde se encontra esta escola? Creio que não a encontraremos na próxima esquina e nem tão próximo de nosso tempo. No entanto, existem escolas cristãs que estão buscando estas coisas e nós, como pais, devemos procurá-las e incentivá-las. Ainda mais, deve ser sonho de pais e educadores cristãos buscarem e sonharem em construir esta escola. Peço a Deus que dê a muitas igrejas, conselhos e pastores a visão de começarem escolas legitimamente cristãs junto a suas comunidades.

Um dos recentes projetos em que eu e Solano temos trabalhado (junto com uma crescente equipe) é na criação de um sistema de ensino que parte de uma cosmovisão cristã.

Recursos:
Conheça o site da ACSI - Associação Internacional de Escolas Cristãs
Conheça o site da AECEP - Associação de Escolas Cristãs de Educação por Princípios

Livros:
  • Educação Cristã? Solano Portela (FIEL)

  • Livros publicados pela ACSI-Brasil:
  • Fundamentos Bíblicos e Filosóficos da Educação
  • Fundamentos da Psicologia da Educação
  • Fundamentos Pedagógicos
  • Enciclopédia das Verdades Bíblicas - Fundamentanção para o Currículo Escolar Cristão
  • Sala de Aula, Disciplina e Gestão
  • Introdução à Educação Cristã - Perry G.Downs - Ed.Cultura Cristã

  • Sobre a formação de uma cosmovisão cristã:
    • Todos o livros de Francis Schaeffer, principalmente a 'trilogia': O Deus que Intervém, Morte da Razão e O Deus que se revela. Também, Como viveremos e Morte na Cidade.
    • Verdade Absoluta (uma tradução infeliz do título original -Total Truth) - Nancy Pearcey - CPAD
    • Alma da Ciência - Nancy Pearcey & Charles Thaxton - Cultura Cristã
    • E agora, como viveremos? - Charles Colson & Nancy Pearcey - CPAD
    • O Universo ao Lado - James Sire - Editorial Press
    • O Cristão e a Cultura - Michael Horton - Cultura Cristã
    • Fundamentos Inabaláveis - Normal Geisler / Peter Bocchino - Editora Vida
    • Crer é também pensar - John Stott - ABU
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    segunda-feira, outubro 16, 2006

    Augustus Nicodemus Lopes

    Lições da Reeleição de Lula

    Por     71 comentários:

    As primeiras pesquisas após o primeiro turno dão vitória de Lula sobre Alckmin no segundo. Inclusive por margem maior. Espero estar errado, mas tenho um pressentimento de que, desta feita, as pesquisas estão certas. Tenho lido diversos artigos nos jornais e revistas de grande circulação dando as causas dessa vitória, apesar dos escândalos no qual o partido de Lula e seu círculo íntimo de colaboradores estão envolvidos até o pescoço. Nenhum deles, evidentemente, analisa o fenômeno do ponto de vista da fé cristã reformada.

    Se Lula for reeleito, será pela vontade de Deus. Como não sou teólogo relacional, não posso dizer "Deus não tem nada a ver com a reeleição de Lula". Tenho que assumir as implicações da minha crença que o Deus da Bíblia domina e guia a História conforme o seu soberano querer. É Ele quem põe e depõe os reis e os que estão em autoridade, qualquer que seja o sistema --- inclusive aquele que exalta o livre arbítrio do povo, o voto direto.

    Como "não há autoridade que não proceda de Deus" (Romanos 13), entendo que isso inclui as que forem corruptas, déspotas, mentirosas e injustas. O imperador de Roma era Nero quando Paulo escreveu essas palavras. Devemos, todavia, refletir nas razões pelas quais Deus permitiria que um governante sob intensas suspeitas de corrupção e mentiras continuasse no poder em um país democrático cujo povo teria o poder do voto para tirá-lo de lá. Estou falando do Brasil, é claro. Desconheço, como os demais calvinistas, que motivos específicos Deus teria para isso, mas posso pensar em algumas razões gerais, a partir da revelação que Ele nos deu na Bíblia:

    1. Juízo sobre nós. A Bíblia ensina que um dos castigos que Deus envia sobre um povo que se recusa a reconhê-Lo é entregá-lo às corrupções e desejos de seus corações. Veja a expressão "Deus os entregou..." três vezes em Romanos 1, quando Paulo diz de que forma Deus retribuiu a rejeição da sua revelação natural por parte da cultura de sua época. A cegueira moral e espiritual que é própria da humanidade decaída se torna ainda mais acentuada quanto a graça preventiva de Deus, aquela que permite que ainda tenhamos alguma lucidez, sensatez e verdade nesse mundo, é retirada. Povos cegados elegem governantes sem levar em conta questões morais e espirituais. Uma eventual reeleição de Lula em meio a todos esses escândalos pode indicar o juízo de Deus sobre nós como nação.

    2. Expor a hipocrisia da nossa cultura. Todo mundo está atacando Lula e tentando desqualificá-lo com base no seu [suposto] envolvimento em todos esses escândalos. Mas, convenhamos: qual a base para se clamar por honestidade, sensibilidade, verdade, sinceridade, integridade e altruísmo na política se estes são conceitos considerados relativos e subordinados ao pragmatismo individualista, conforme a mentalidade de nossa época? Qual a base para se clamar por moralidade, verdade e honestidade em nosso país se o ser humano é visto como fruto do meio e da seleção natural, onde sobrevivem os mais aptos, leia-se, os mais espertos, independentemente dos meios que se utilizam para isto? Mesmo que Lula não seja reeleito, já ficou exposta a nossa hipocrisia, a hipocrisia inclusive do povo indignado, povo do jeitinho, que fura fila, avança farol, sonega impostos, tira vantagem quando pode. A doutrina da depravação total silencia nossa voz, especialmente quando encontramos os escândalos da corrupção dentro do próprio arraial evangélico.

    3. Mostrar que nem todos os brasileiros são tão pragmáticos assim. Lula será reeleito não somente pelo povão, mas pelos intelectuais, pelos universitários, pelos artistas, pelos formadores de opinião. Penso que uma razão possível é porque são pássaros da mesma plumagem. São de esquerda. A minha ficha caiu quando vadiando pelo Orkut numa sexta-feira a noite, sem ter nada para fazer, acabei caindo numa comunidade onde reconheci uma foto de uma jovem intelectual nordestina, filha de amigos meus, cuja foto orgulhosamente trazia ao peito um "Lula 13". Há brasileiros ideológicos, que se orientam por princípios e convicções. É verdade que esses princípios e convicções foram forjados pela propaganda socialista-comunista que sempre permeou nossa cultura. Como a Norma Braga costuma dizer, e com razão, não há um pensamento legitimamente conservador na política brasileira. Há milhões de brasileiros que são de esquerda, cujas idéias são as mesmas do PT e da agenda de Lula, embora ele, para muitos, já abandonou ideologia há tempos. Para quem pensa ideologicamente, roubalheira e corrupção acaba ficando em segundo plano em nome da sinergia doutrinária. Muitos se decepcionaram com o PT e com Lula, mas continuam de esquerda. E isso vai falar mais alto. A reeleição de Lula mostra que os reformados erraram quando julgaram que os brasileiros estão interessados mesmo é em tirar vantagem das coisas.

    4. Para repreender a Igreja evangélica. Lula recebeu um monte de cantores evangélicos no Planalto. Que vergonha! Mas, quão previsível! Afinal, há dezenas de evangélicos envolvidos nos escândalos de corrupção descobertos pela Polícia Federal e pelas CPIs. Segundo o IBGE de 2000, agora pelo ano 2006 os evangélicos deveriam estar na casa dos 20 milhões. É um número considerável. Somos uns dos maiores países evangélicos do mundo. Mas, qual a diferença que isso tem feito nos costumes, na moral e na cultura brasileira? Uma igreja evangélica sem rumos teológicos, com crise de liderança, enganada por aproveitadores que ensinam que Deus existe para nos fazer prósperos financeiramente e satisfazer todas as necessidades imediatas dessa vida... o que mais poderíamos esperar? A reeleição de Lula e do PT é um atestado da falta de autoridade doutrinária, moral e espiritual dos evangélicos em nosso país.

    Insisto em aprender com os fatos e com a história, a fazer sentido do cotidiano à luz do ensinamento bíblico de que Deus está no controle. Outras lições poderiam ser tiradas, eu sei, mas por enquanto só me passam estas na cabeça. Quem sabe nos comentários aparecerão outras. Mas, por enquanto, basta.

    PS: Já vou avisando aos engraçadinhos que qualquer semelhança entre a foto do gorila pensativo e a minha à direita desse post é mera coincidência.
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    quinta-feira, outubro 12, 2006

    Augustus Nicodemus Lopes

    Por Onde Entram os Lobos

    Por     26 comentários:
    Ninguém é obrigado a subscrever com juramento qualquer credo ou confissão religiosa. Pelo menos, não no nosso país. Os que o fazem, fazem-no voluntariamente. Se for uma condição para entrar no pastorado ou oficialato de uma denominação confessional, ainda assim, essa entrada é voluntária.

    Uma confissão de fé é a síntese daquilo que uma determinada igreja declara ser o sistema doutrinário revelado nas Escrituras Sagradas, sistema esse que ela acredita e aceita. É aquilo que a igreja espera que seus pastores preguem e aquilo que ela espera que seus membros aceitem e pratiquem. É o que dá unidade, coesão e forma à instituição, de maneira que as igrejas de mesma confissão apresentam uma semelhança entre si que permite a identificação delas como “presbiterianas”, “batistas”, “metodistas”, “pentecostais”, para mencionar apenas algumas.

    Todas as denominações e igrejas têm uma confissão de fé. Todas são confessionais. A confissão de algumas é que não têm confissão nenhuma.

    Algumas trazem essa confissão por escrito. Quando visitei a Igreja do Aeroporto de Toronto, onde nasceu o movimento do “riso santo”, já na entrada havia uma mesinha para os visitantes com um folder escrito “O Que Cremos”. Era uma confissão simples mas suficientemente completa para identificar claramente suas crenças e práticas. Essa igreja já havia sido desligada de uma outra denominação, a Vineyard Fellowship, porque já não andava segundo o credo dela – ou de seu fundador, o falecido John Wimber.

    As denominações ou igrejas que não têm uma confissão escrita têm uma confissão viva, na forma de uma tradição oral ou, mais comumente, de um fundador, líder ou dono. Sua palavra é a confissão. Não é com essas igrejas de confissão viva e oral que me ocuparei agora. Mas, com aquelas que têm uma confissão escrita e que exigem que seus pastores a subscrevam.

    Acredito que a falta de seriedade quanto à subscrição confessional é por onde entram os lobos, aqueles que Paulo mencionou em Atos 20.29, “Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho”. A subscrição confessional, se for levada a sério, permitirá que somente pastores, digamos, conservadores, assumam o púlpito de igrejas confessionais e conservadoras. Quando não é levada a sério, quer pelas igrejas quer pelos próprios pastores, temos igrejas que são confessionais meramente no papel e que na prática têm púlpitos ecléticos e nos bancos, crentes que teologicamente são informes, indefinidos e amorfos.

    Há muitas razões pelas quais alguém que não é teologicamente conservador minta propositadamente na hora dos juramentos que faz por ocasião de sua ordenação ou consagração ao ministério pastoral em igrejas confessionais conservadoras. Primeiro, falta de caráter mesmo. Segundo, falta de mentalidade e discernimento teológico. Ele não saberia dizer a diferença entre neo-ortodoxia e liberalismo teológico, entre pentecostalismo e puritanismo, entre calvinismo e arminianismo. Não sabe dizer porque nunca se importou com teologia e nem seu seminário o treinou nessas coisas. Terceiro, porque precisa de um emprego. Deus perdoará uma “mentirinha” na hora da ordenação. Ele é misericordioso e sabe como está difícil ganhar a vida hoje. Quando eu era diretor de um seminário presbiteriano nos idos de 80, vi mais de 100 seminaristas jurarem sobre a Bíblia que nenhum deles havia passado um trote humilhante num calouro – e pelo menos um deles havia. Penso que todos temiam ser expulsos do seminário. Até hoje deve haver um perjuro no ministério presbiteriano, se não for um daqueles 20 a 25 que deixam o pastorado da IPB a cada ano voluntariamente ou despojados.

    Igrejas confessionais, como a presbiteriana, a anglicana e algumas batistas, exigem que seus oficiais prestem lealdade, sob juramento, à sua confissão. A subscrição confessional é algo solene. É um juramento feito pelo pastor diante de Deus e de seu povo de que aceita aquilo que a confissão de fé afirma. Alguém que responda sim à pergunta “Você aceita a Confissão de Fé de Westminster como interpretação verdadeira da Palavra de Deus?” está explicitamente dizendo que é um calvinista, que aceita a Bíblia como infalível Palavra de Deus, que acredita que não há novas revelações hoje.

    Há um dilema quando o candidato a pastor tem objeções a alguns pontos da confissão exigida. Entre os presbiterianos, por exemplo, é possível encontrar quem aceite a Confissão de Fé inteira com exceção do item “o Papa é o anticristo”. Há várias maneiras de lidar com isso e nenhuma delas passa pelo perjúrio. Há igrejas que permitem que candidatos façam objeções, as quais são julgadas pelos concílios quanto à pertinência. É possível, em casos assim, receber pastores que não aceitam toda a confissão, desde que os mesmos se comprometam a não ensinar e pregar contra esses pontos. Eles podem pedir a mudança dos mesmos pelos caminhos legais de uma reforma da confissão. A Confissão de Westminster, por exemplo, já foi alterada algumas vezes por igrejas presbiterianas no exterior e no Brasil.

    Eu sei que é possível alguém “estar” sinceramente conservador na hora da subscrição solene e mudar com os anos. Pastores costumam mudar de teologia. O que se esperaria, todavia, dos que mudaram, era a honestidade de pedir para sair por incompatibilidade doutrinária com a confissão a que um dia aderiram. Como a história (ou mito?) do famoso Rubem Alves, que um dia entregou sua carteira de pastor presbiteriano ao seu presbitério exatamente por isso. Não gosto das idéias do Sr. Alves, mas admiro a sua coerência nesse ponto.

    O que fica complicado é a situação em que nos encontramos hoje: igrejas presbiterianas com um sistema de governo episcopal ou congregacional, um púlpito neoliberal-místico arminiano, um culto pentecostal e um povo completamente confuso. Só dá para explicar essa balbúrdia se admitirmos que está havendo perjúrio na hora da verdade, na hora dos votos solenes. É por ai que entram os lobos.

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    terça-feira, outubro 10, 2006

    Mauro Meister

    A idolatria nossa de cada dia...

    Esta semana marca, de forma bem visível, a idolatria religiosa que ainda impera em nosso pais. Veremos, por todos os lados, as coisas mais ‘impensáveis’, mas que, de certa forma, sempre estiveram presentes na religiosidade popular brasileira. Veremos pessoas fazendo sacrifícios físicos imensos, caminhando muitos quilômetros, carregando cruzes, imagens, objetos e até marcando o seu corpo com auto flagelação. Ouviremos pela mídia simpatizante relatos de supostos milagres alcançados e promessas que precisam ser pagas, sob a penalidade de ver a bênção revertida. Já nos acostumamos a tudo isto, ano após ano.

    O que muitas vezes não percebemos é que este mesmo tipo de idolatria tomou conta dos arraiais chamados evangélicos. O velho evangelicalismo está dando lugar a um “outro evangelho” que troca a fé nas Escrituras por um misticismo individualista com manifestações coletivas. Em geral, o que acontece na igreja evangélica hoje não é um reflexo da aplicação da Palavra de Deus sobre a vida de pessoas transformadas pelo Evangelho. Quando Deus nos dá a sua Palavra, diz-nos que foi dada para ser ‘ensinada, aprendida, cumprida e guardada’ e que isto deveria gerar temor no coração das gerações (veja Deuteronômio 6.1-2). Mas hoje, ensina-se nas igrejas ao redor que uma boa igreja é aquela na qual eu me ‘sinto bem’ e que satisfaz meus anseios. Disto temos as mais variadas provas, inclusive no tipo de programação oferecida ao público: culto disto e culto daquilo onde, na verdade, há um ‘culto de si mesmo’ (Colossenses 2.23) e das ambições humanas (Salmo 131). As conseqüências vemos nas águas benzidas, rosas ungidas, fitas, novenas e orações de poder.

    No entanto, tenho a impressão que o culto das ambições humanas, tão claramente marcado em nossa sociedade consumista, é uma das formas permanentes de idolatria que mais nos ameaçam e que muitas vezes sequer percebemos. A ironia da situação é que nos escandalizamos com a idolatria exposta da religião e não percebemos a idolatria intrínseca do nosso coração. Em Isaías 44 o profeta nos fala deste tipo de tolice que acomete o homem. Ele nos diz:
    Um homem corta para si cedros, toma um cipreste ou um carvalho, fazendo escolha entre as árvores do bosque; planta um pinheiro, e a chuva o faz crescer. Tais árvores servem ao homem para queimar; com parte de sua madeira se aquenta e coze o pão; e também faz um deus e se prostra diante dele, esculpe uma imagem e se ajoelha diante dela. Metade queima no fogo e com ela coze a carne para comer; assa-a e farta-se; também se aquenta e diz: Ah! Já me aquento, contemplo a luz. Então, do resto faz um deus, uma imagem de escultura; ajoelha-se diante dela, prostra-se e lhe dirige a sua oração, dizendo: Livra-me, porque tu és o meu deus.” (vs. 14-17)
    Percebem a ironia da situação? Um homem planta a árvore e da mesma árvore que plantou tira a lenha para aquecer o pão e fazer um ídolo. Depois, faz um pedido: livra-me! Diríamos, olhando para este homem: que tolice.

    Pois hoje, a situação não é tão diferente, ainda que seja mais sofisticada. Hoje, não mais plantamos uma árvore, reflorestamos. Quando cortamos nossas áreas reflorestadas, o fazemos com grandes e potentes máquinas. Depois disto, enviamos o produto por meio de sistemas de transportes a fábricas que refinam o material e, finalmente, produzem o papel. Nele, imprimimos de tudo, nossa cultura e nossas idéias (livros, jornais, revistas) e nosso idolatrado capital (cédulas, cheques, promissórias e títulos).

    Em resumo, com grande sofisticação, o homem moderno faz o mesmo que aquele homem 'primitivo' mencionado em Isaías 44.

    Pergunto: será estamos livres da idolatria que vamos contemplar durante esta semana?
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    sábado, outubro 07, 2006

    Solano Portela

    Apresentando um livro



    Destinados para a Glória, do Rev. Hernandes Dias Lopes

    Quando nossa concentração está simplesmente no mundo em que vivemos, podemos desanimar com facilidade. Olhamos tanto ao nosso redor que nos esquecemos do nosso destino. Afinal, a trilha da vida é repleta de sombras, vales e dificuldades. Perigos e decepções nos cercam a cada passo e dificuldades espreitam o nosso caminhar. Precisamos de uma âncora firme, de um direcionamento seguro, de conforto ao nosso coração e de alegria na vida cristã. O Rev. Hernandes escreve o seu livro exatamente para nos lembrar que o nosso curso é supervisionado pelo Senhor da Glória. Temos um alvo e um objetivo traçado por Deus e o destino que nos espera é construído em seu amor e cuidado onipotente.

    Em um trecho do livro, o autor captura um dos aspectos chave do ensinamento do apóstolo Paulo e registra que ele “...está nos ensinando a transformar os nossos vales em mananciais, as nossas noites escuras em prelúdios de manhãs radiosas, as nossas dores em cenário de consolo e a própria enfermidade que surra o nosso corpo num instrumento de quebrantamento e proximidade de Deus” (p. 52).

    Destinados Para a Glória (Mundo Cristão, 2006) é uma cuidadosa exposição de Romanos 8.26-30, por alguém que não somente é reconhecido como grande expressão contemporânea na pregação da Palavra de Deus, mas cujos livros vêm servindo de bênção e instrução espiritual a muitos. Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória e presidente da Comissão Nacional de Evangelização da Igreja Presbiteriana do Brasil, o Rev. Hernandes Dias Lopes é destaque no cenário evangélico brasileiro também pelo programa de televisão Verdade e Vida (Rede TV), no qual apresenta o bálsamo das Boas Novas a uma sociedade cada vez mais carente de rumo e de princípios.

    Neste livro não temos uma coletânea de conceitos místicos ou frases de efeito que procuram emular a auto-ajuda existente em livros que se servem do desespero das pessoas, em vez de servir às pessoas em desespero. O Rev. Hernandes nos traz remédio eficaz exatamente porque extrai e se ampara na Escritura, como a fonte objetiva de conhecimento espiritual. Suas palavras não são frias, mas, embaladas no calor do Espírito que inspirou o texto sagrado, miram o coração e o entendimento dos leitores, para que dependam mais de Deus e sigam conscientemente sob sua proteção. Em uma era em que tantos escritores se utilizam do linguajar evangélico, mas diminuem a pessoa de Deus pela exaltação da autonomia humana, Destinados Para a Glória aparece como um oásis de lucidez cristã no deserto da insensatez teológica. Hernandes nos mostra que não é negando quem Deus é e quem ele se revela ser, mas é exatamente no reconhecer de sua majestade e soberania que encontramos o nosso conforto e a nossa redenção.

    Leia este livro e envolva-se com a forma prática e suave com que os conceitos bíblicos são aplicados. Concentrando sua visão em Deus, como nos insta o autor, você será levado a apreciar este ensino crucial da carta aos Romanos e irá recuperar as forças exauridas pelo desânimo e ausência de propósito que porventura estejam rondando a sua vida.

    Solano
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    segunda-feira, outubro 02, 2006

    Augustus Nicodemus Lopes

    O Dom de Sepultar Igrejas

    Por     19 comentários:
    É um assunto sensível e delicado, mas acho que devo escrever sobre ele. É o caso de pastores que acabam ficando conhecidos, não pelas novas igrejas que abriram, mas pelas igrejas que sepultaram. A mão deles, ao sair das igrejas, quase sempre foi aquela que fechou os olhos do pobre cadáver eclesiástico.

    Soube que os colegas de um desses, na gozação, haviam decidido entregar-lhe “a pá de ouro”, quando finalmente se jubilou para alívio de todos... (qué malos!) Os pastores com o ministério do “esvaziamento bíblico” são um problema para suas denominações, que ficam sem saber o que fazer com eles, após terem criado problemas em praticamente todas as igrejas por onde passaram. O pior é quando um pastor desses acaba obtendo algum poder político no âmbito da denominação, o que torna ainda mais difícil achar uma solução.

    E que solução haveria para os pastores que têm um histórico crônico de problemas nas igrejas por onde passaram? Acho que se deve, em primeiro lugar, dar um crédito de bona fide. Será que o problema é realmente o pastor ou os conselhos e igrejas por onde, por azar, andou pastoreando? (há, de fato, conselhos, consistórios ou mesas diretoras conhecidos por trucidarem pastores. Mas, isso é assunto de outro post...)

    Descontado este crédito, fica evidente que tem gente que errou na escolha do ministério pastoral como sua missão no mundo. Talvez esse engano não foi intencional. O zelo e o ardor de servir a Deus e de viver em contato com sua Palavra e a sua obra fazem com que muitos jovens cristãos, cheios de amor ao Senhor, busquem o pastorado como a maneira prática de realizar seus sonhos espirituais. A esses, muito pouco tenho a dizer, senão que podemos ser espirituais, zelosos por Deus, amantes de Sua Palavra e de sua obra em qualquer outro lugar além do púlpito. Há cristãos zelosos e sinceros que sinceramente erraram na vocação. Há também aqueles que viram o pastorado como meio de vida, ou que ficaram fascinados pelo prestígio que o púlpito e o microfone na mão parecem conferir aos que chegam lá. O pastorado exige mais que desejos profundos de santidade e paixão pelas almas perdidas. E obviamente, nunca será eficazmente desempenhado por quem entrou por motivos baixos.

    Não estou dizendo que a prova da genuinidade da vocação é o sucesso numérico, pastorados longos em um único lugar e um histórico de saídas pacíficas de diferentes igrejas. Sei que números não dizem tudo. Nem saídas pacíficas de pastorados longos. Contudo, dizem alguma coisa. O problema se agrava porque em denominações históricas se incentiva o ministério em tempo integral. O pastor, via de regra, só aprendeu a fazer aquilo mesmo: realizar atos pastorais, elaborar uma liturgia, preparar sermões e estudos bíblicos, atender gente no gabinete, visitar os enfermos e necessitados, animar os cultos de domingo, fazer a sociabilidade da igreja, e por ai vai. Se sair do pastorado, não sabe praticamente fazer mais nada. Vai acabar abrindo uma igreja para ele, como muitos fizeram. Para evitar o problema, algumas denominações incentivam pastores bi-vocacionados, isto é, que além do ministério pastoral, tenham uma profissão secular.

    Pastores com dom de fechar igrejas acabam se tornando um problema para todo mundo, especialmente quando eles vêm com um defeito de fábrica: a falta do “mancômetro”, um instrumento extremamente necessário para o ministério pastoral, que avisa quando está na hora de sair. Pastores sem mancômetro não conseguem perceber aquilo que todo mundo fica com receio de dizer-lhe abertamente: que de pastor mesmo, ele tem pouco ou nada. E que a melhor coisa que ele deveria fazer, era pedir para sair, e sair silenciosamente, sem fazer muito barulho.

    Não posso deixar de admirar pastores que após algum tempo de ministério voluntariamente pedem para sair, ao perceber que cometeram um erro ao entrar. Conheci uns três ou quatro que fizeram isso, apesar de só me lembrar do nome de um deles. Tenho certeza que uma atitude dessas por parte de irmãos com o dom de enterrar igrejas agradaria ao Senhor. A ponto dele abrir-lhes portas para ganharem a vida de uma forma realmente digna e decente. Lembro-me da oração de meu sogro, o Rev. Francisco Leonardo, quando era reitor do Seminário Presbiteriano do Norte: “Senhor, manda para o seminário os verdadeiros vocacionados e coloca para fora os que não são”. Se mais diretores de seminários e conselhos de igrejas fizessem esse tipo de oração com mais freqüência, teríamos que entregar menos “pás de ouro” nos concílios.

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